Desde figurantes gerados por computador até "zombies" virtuais: o sindicato norte-americano dos atores estabeleceu novas restrições contra o uso da Inteligência Artificial (IA) em Hollywood.

O Sindicato dos Atores de Hollywood (SAG-AFTRA, na sigla em inglês) chegou na quarta-feira a um acordo com estúdios como Disney e Netflix para terminar a sua greve de quase quatro meses. Cerca de 86% dos membros do seu conselho nacional votaram a favor da ratificação do acordo, que será submetido à votação dos mais de 160 mil membros da organização entre 14 de novembro e a primeira semana de dezembro.

Além de um aumento salarial mínimo de 7% e de um novo fundo de 40 milhões de dólares por ano a transferir de uma parte da receita em streaming das séries de sucesso dos estúdios para os atores, um elemento-chave das negociações foram as barreiras ao uso da IA.

O acordo "permite à indústria seguir em frente, não bloquear a IA", declarou Duncan Crabtree-Ireland, negociador do SAG-AFTRA, durante a conferência de imprensa de apresentação do acordo.

"Mas garante a proteção dos artistas. Os seus direitos ao consentimento estão protegidos. Os seus direitos a uma compensação justa e os seus direitos de trabalhador estão protegidos", afirmou.

Os estúdios andam a fazer experiências com IA nos últimos anos, seja a trazer de volta estrelas de cinema falecidas, com o uso de "réplicas digitais" realistas, seja a criar figurantes gerados por computador para reduzir o número de atores necessários para as cenas de batalha.

Muitos produtores que reduzem os custos querem que a IA desempenhe um papel cada vez mais importante e começaram a exigir que alguns atores participem de "scans corporais" 3D de alta tecnologia nos "sets", muitas vezes sem explicar como, ou quando, as imagens serão usadas.

Agora, um ator deve receber por qualquer uso da sua réplica digital a mesma remuneração que receberia se fizesse a mesma "quantidade de trabalho" em cena na vida real, disse Crabtree-Ireland.

Perante o temor de que os figurantes sejam os primeiros a perderem o seu trabalho por causa da IA, restrições rigorosas foram impostas.

"Uma réplica digital não pode ser usada para burlar a contratação e o pagamento de um ator secundário sob este contrato", acrescentou Crabtree-Ireland.

Os estúdios devem obter o consentimento de um ator - ou dos seus herdeiros - sempre que usarem e sua réplica digital num filme ou num episódio de televisão. Também não poderão apresentar aos atores contratos padrão que os autorizem a usar uma réplica indefinidamente, devendo, em vez disso, fornecer uma "descrição razoavelmente específica" de como ela será usada a cada vez.

"Zombies"

Os festejos da equipa do SAG-AFTRA após 118 dias de greve

A tecnologia de IA avança a um ritmo vertiginoso, mas nunca antes havia feito parte das discussões de renegociação de contratos do SAG-AFTRA com os estúdios, que acontecem aproximadamente a cada três anos.

A presidente do SAG-AFTRA, Fran Drescher, disse que era vital instituir as normas desta vez, porque, "no mundo da IA, três meses equivalem a um ano".

"Portanto, se não conseguíssemos estas barreiras, o que seria daqui a três anos? Estaria tão fora do nosso alcance, que estaríamos sempre a perseguir algo sem nunca o conseguir", explicou.

O último e polémico detalhe a ser discutido com os estúdios na noite de terça-feira dizia respeito ao uso de IA para criar 'falsos atores sintéticos". Chamados pela revista especializada "Variety" de "zombies", ou "Frankensteins digitais", eles são construídos de diferentes partes do corpo de atores reais.

"Se você usar o sorriso do Brad Pitt e os olhos da Jennifer Aniston, ambos têm o direito de dar o seu consentimento", explicou Crabtree-Ireland à revista.

Na conferência de imprensa de sexta-feira, o negociador do sindicato disse que os estúdios agora são obrigados a obter permissão de todos os atores cujos traços sejam utilizados. Também deverão informar o SAG-AFTRA sempre que um "falso ator sintético" for criado. O sindicato terá o direito de negociar uma compensação em nome dos atores envolvidos.

"Fator decisivo"

Drescher disse que a IA foi um "fator decisivo" nas negociações e que as proteções não ajudarão apenas os atores, mas também muitas outras profissões na indústria do entretenimento.

"Num mundo sintético, você não precisa de cabeleireiros ou de caracterizadores. Não precisa de motoristas. Não precisa de cenógrafos", explicou.

"Por isso, para nós, continuar à espera do melhor pacote de IA possível também teria impacto no futuro deles", completou.

Crabtree-Ireland instou os políticos a fazerem mais para "tornar a proteção da IA uma prioridade".

"Os nossos membros defenderão os esforços legislativos e continuarão a participar ativamente no movimento para proteger os direitos de todas as pessoas sobre a sua imagem", frisou.