"Mal posso esperar para fazer mais 10 filmes", disse Kristen Stewart à France-Presse (AFP) no dia a seguir a fazer o que a revista Rolling Stone chamou de "uma tremenda estreia como realizadora" no Festival de de Cannes.

Os críticos também não, a avaliar pelas reações entusiasmadas a "The Chronology of Water" ["A Cronologia da Água"], a sua surpreendente interpretação das memórias viscerais da nadadora norte-americana Lidia Yuknavitch sobre como sobreviveu a abusos na infância.

Todos os produtores que, segundo Stewart, rejeitaram o seu argumento, alegando que o tema o tornava "realmente pouco atraente" para o público, devem estar agora a chorar enquanto cosomem o seu champanhe.

A publicação especializada Variety chamou-lhe de "um drama comovente de abuso e salvação, contado com paixão poética", enquanto o crítico do Indiewire, David Ehrlich, disse que "não há um único milissegundo deste filme que não transborde da energia crua de um artista".

O facto de ela ter recebido tais reações com o que é normalemente um tema proibido em Hollywood — e com uma abordagem vanguardista à narrativa — é notável.

"Definitivamente não me considero parte da indústria do entretenimento", disse a estrela da saga "Twilight", vestida da cabeça aos pés com Chanel.

E quem procura algo leve e superficial deve evitar o seu filme implacável.

Há muito tempo que Stewart é obcecada pela história e pela escrita de Yuknavitch e lutou durante anos para fazer o filme à sua maneira.

"Simplesmente nunca tinha lido um livro como aquele, que grita para ser um filme, que precisa ser comovente, que precisa ser algo vivo", disse à AFP.

O facto de Yuknavitch ter sido "capaz de pegar em coisas realmente feias, processá-las e lançar algo com o qual se pode viver, algo que realmente traz alegria" é inspirador, acrescentou.

"Livro é um verdadeiro salva-vidas"

"The Chronology of Water"

"A razão que me levou realmente a querer fazer o filme é porque achei que era hilariante, de uma forma tão vertiginosa e emocionante, como se estivéssemos a contar segredos. Acho que o livro é um verdadeiro salva-vidas", disse Stewart, que também escreveu o argumento.

Certamente salvou Yuknavitch e tornou-a uma escritora de culto, com sua palestra viral no TED "The Beauty of Being a Misfit" ["A Beleza de Ser um Inadaptado], inspirando um 'spin-off' em forma de livro, "The Misfit's Manifesto".

"Ser mulher é uma experiência realmente violenta", disse Stewart à AFP, "mesmo que não se tenha o tipo de experiência extrema que retratamos no filme ou que a Lidia suportou e da qual saiu lindamente".

Kristen Stewart e Imogen Poots na rodagem de "The Chronology of Water"

Stewart insistiu que não havia paralelos autobiográficos propriamente ditos que a atraíssem para o livro original.

Mas "não precisei fazer muita pesquisa [para o filme]. Sou um corpo feminino que anda por aqui há 35 anos. Veja o mundo em que vivemos".

"Não preciso ter sido abusada pelo meu pai para perceber como é ser sequestrada, ter a minha voz abafada e não confiar em mim mesma. São precisos muitos anos (para isso) passar".

"Acho que este filme tem ressonância com qualquer pessoa que esteja disponível e sangre, que é 50% da população."

Stewart — que escolheu Earl, filho do cantor Nick Cave, para o papel do primeiro marido da nadadora, e Kim Gordon, da banda de rock Sonic Youth, para o papel de uma dominatrix — disse aos jornalistas que nunca se sentiu realmente tentada a interpretar Yuknavitch.

"Somos segredos ambulantes"

Imogen Poots e Kristen Stewart no Festival de Cannes a 16 de maio de 2025

Em vez disso, escolheu a britânica Imogen Poots, a quem chamou "a melhor atriz da nossa geração. Ela é tão exuberante, tão bonita e abriu-se tanto nisto".

"Ela tem esta grande energia de seios grandes no filme — embora ela tenha um peito bem plano — estes grandes olhos azuis e este cabelo comprido."

Ela descreveu a energia febril e onírica do filme como "um músculo rosa a pulsar" e que Poots conseguiu explorar, canalizando a batalha feroz, mas muitas vezes caótica, de Yuknavitch para se reconstruir e encontrar prazer e felicidade na sua vida.

"Dor e prazer estão tão interligados, há aí uma linha de fratura", disse Stewart ao canal de vídeos do Festival de Cannes.

O livro de Yuknavitch "de certa forma medita sobre o que a arte pode fazer por nós após as pessoas fazerem coisas com o nosso corpo — a violação e o roubo, a exploração do desejo. O que é uma experiência muito feminina."

A atriz a estrear-se como realizadora disse que "são apenas as histórias que contamos a nós mesmas que nos mantêm vivas" e que a arte e a escrita ajudaram Yuknavitch a libertar-se e a encontrar uma pele em que pudesse viver.

Stewart disse que Yuknavitch descobriu que a única maneira de recuperar o desejo era "personalizá-lo... e reaproveitar as coisas que nos foram dadas para as podermos possuir".

"Não estou a ser dramática, mas, como mulheres, somos segredos ambulantes", disse.