O presidente dos EUA Donald Trump quer controlar Hollywood e impor tarifas de 100% sobre os filmes estrangeiros, uma política em oposição direta aos valores do Festival de Cinema de Cannes.

No início do evento (13 a 24 de maio), Cannes oferecerá uma tribuna para uma lenda do cinema mundial que também é um dos críticos mais veementes do presidente republicano.

Aos 81 anos, Robert De Niro, que receberá uma Palma de Ouro honorária durante a cerimónia de abertura na terça-feira (13), já chamou ao presidente norte-americano de encarnação do "mal absoluto" e um "palhaço".

Em resposta, o multimilionário de Nova Iorque afirmou que a estrela de "Taxi Driver" sofria da "síndrome de Trump", uma expressão sarcástica amplamente usada pelos seus apoiantes republicanos para responder às críticas.

O ator também expressou publicamente o apoio à sua filha transgénero, um anúncio que vai contra um dos principais pilares da política de Trump: a separação de géneros.

"Não é o Festival de Cannes que é político, são os artistas", proclamou o seu delegado-geral Thierry Frémaux. "Quando eles o são, nós somos com eles", acrescentou.

No ano passado, em plena campanha presidencial nos EUA, Cannes tomou a ousada decisão de selecionar "The Apprentice: A História de Trump" para a competição oficial, um filme que narrava o pacto faustiano firmado pelo jovem Donald Trump para construir a sua fortuna e fama.

"Um filme difamatório e politicamente repugnante", reagiu o então a equipa do candidato.

A priori, não haverá nada tão direto na seleção de Cannes este ano.

Em 2017, alguns meses após a primeira eleição de Trump, a mostra francesa já havia oferecido uma tribuna ao ex-vice-presidente dos EUA Al Gore, que apresentou a sequela do seu grito de guerra ambiental, o vencedor do Óscar "Uma Verdade Inconveniente" (2006).

"Houve muitos retrocessos no passado, aqui está um novo", disse o democrata.

"The Apprentice - A História de Trump"

Guerra comercial

Oito anos depois, Trump corre o risco de monopolizar os holofotes devido à guerra comercial e social que desencadeou, que também não poupou o cinema.

Nos EUA, a gigante Disney está a ser investigada por programas de diversidade, equidade e inclusão que o governo quer erradicar em empresas americanas e estrangeiras.

A nova política pressiona os estúdios de Hollywood, tentados a alinhar-se com a agenda anti-woke do presidente.

Poucos dias antes da abertura de Cannes, Trump também anunciou que quer impor tarifas de 100% sobre os filmes rodados no exterior para salvar a indústria cinematográfica americana que, segundo ele, "está morrendo muito depressa".

"Outros países oferecem todos os tipos de incentivos para atrair os nossos cineastas e estúdios para longe dos EUA", afirmou no domingo na sua rede Truth Social, referindo-se a isso como "uma ameaça à segurança nacional".

O governo Trump já chocara a Europa, e a França em particular, ao criticar os mecanismos que obrigam as plataformas a financiar produções nacionais para preservar a exceção cultural.

Práticas que, de acordo com um memorando recente do governo dos EUA, equivalem a uma "extorsão".

"Nas últimas semanas, houve rumores de que o modelo europeu seria penalizador ou desleal para os atores americanos", lamentou Gaëtan Bruel, diretor do Centro Nacional de Cinema e Imagem Animada (CNC) francês, no início de abril.

Nos EUA, a ofensiva trumpista recebeu, de facto, o apoio do poderoso sindicato Directors Guild of America (DGA), o que provocou, por sua vez, o espanto de um grupo de grandes cineastas franceses, como Jacques Audiard, vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 2015.

"As nossas regras não devem servir como bodes expiatórios", argumenta o grupo numa carta de 17 de abril ao DGA.