Após a polémica provocada por "Okja", o filme da Netflix selecionado em 2017, o realizador sul-coreano Bong Joon-ho está de volta a Cannes e é um sério candidato à Palma de Ouro com "Parasite", um drama familiar magistral tingido de "thriller", que retrata a violência das desigualdades sociais com grande domínio formal.
Apresentado na terça-feira à noite e por isso ofuscado pela apresentação horas antes de "Era uma vez em... Hollywood", de Tarantino, mas também calorosamente aplaudido, "Parasite" conta a história de uma família de desempregados, a de Ki-taek (interpretado por Song Kang-ho), que vivem num escuro e sórdido apartamento no subsolo, onde convivem com baratas.
A vida de Ki-taek, da sua esposa e dois filhos muda quando o filho Ki-Woo consegue um emprego como professor particular de inglês de uma jovem de família rica, os Park, que vivem numa casa suptuosa com jardim, grandes janelas e decoração de bom gosto.
A família de Ki-taek rapidamente se aproveita da situação: por meio de subterfúgios, Ki-Woo faz a sua irmã ser contratada para dar aulas de desenho ao filho mais novo, depois os seus pais como motorista e governanta.
Mas se tudo parece correr bem para a família de golpistas, a chegada dos "parasitas" à família Park marcará o início de uma engrenagem incontrolável.
Com a história, Bong Joon-ho, de 49 anos, deixa para trás o universo fantástico e os grandes orçamentos internacionais dos seus dois últimos filmes, "Expresso do Amanhã" (2013) e "Okja", filme que gerou polémica em Cannes por causa da possibilidade ou não de filmes da Netflix competirem na mostra oficial.
O realizador opta por um tema muito mais íntimo, com uma alta dose de suspense. Por sinal, tal como Tarantino, escreveu uma carta a implorar aos críticos que não revelassem uma parte importante da história do seu filme.
Conhecido pelas suas sátiras da sociedade sul-coreana, de "Memories of Murder" (2003) a "The Host - A Criatura" (2006), Bong Joon-ho aumenta a sua propensão para retratar a violência das relações sociais num mundo onde as desigualdades se amplificam, apoiando-se novamente no filme de género para melhor transmitir a sua mensagem.
"Filme escada"
"Faço, efetivamente, filmes de género, mas não de uma maneira clássica. Tento transcrever mensagens sobre a sociedade quebrando códigos", disse Bong Joon-ho em conferência de imprensa esta quarta-feira.
"Desde os anos 2000, tem havido na Coreia do Sul uma grande evolução nos filmes de género, sem que tenhamos que seguir os códigos americanos. E temos imprimido a nossa marca para contar histórias que são reflexões de temas sociais ou políticos. Hoje tenho dificuldade em imaginar que não existam tais mensagens nos filmes sul-coreanos. Esse aspeto tornou-se a nossa especificidade", acrescentou.
"Parasite", qualificado como "filme escada" pelo seu autor, "descreve o que acontece quando duas classes chocam nesta sociedade cada vez mais polarizada", mas também contém o que faz o tempero do cineasta sul-coreano, ou seja, sua capacidade desde "Memories of Murder" de fazer da violência e do humor mais do que meros artifícios na tela.
"A minha experiência neste filme foi bastante semelhante a de 'Memories of Murder', porque o filme mostra detalhes íntimos, com um evento misterioso", disse à AFP Kang-Ho Song, grande ator do cinema coreano.
Para aquele que é dirigido pela quarta vez pelo cineasta, Bong Joon-ho "sempre tem uma visão afiada o suficiente para radiografar a sociedade sul-coreana. Isso é sentido em todos os seus filmes há 20 anos e é também por isso que o seu talento é reconhecido. Em 'Parasite', percebemos a sua evolução como cineasta, mas também, através dele, do cinema sul-coreano".
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