A caminho dos
Óscares 2020
Quando este domingo Hollywood se reunir para a sua grande noite no Dolby Theatre, poderá seguir o guião que muitos vaticinam, dando a vitória ao muito elogiado "thriller" de guerra "1917", ou então optar por surpreender toda a gente com uma de três novidades revolucionárias: atribuir a vitória pela primeira vez a um filme da Netflix, entregar a estatueta principal a uma adaptação da BD, ou premiar pela primeira vez como Melhor Filme uma obra não falada em inglês.
É que apesar dos muitos prémios já conquistados pelo épico de guerra de Sam Mendes, incluindo o Globo de Ouro e o Bafta, a sua vitória parece estar longe de ser completamente garantida. Por um lado, o sul-coreano "Parasitas" está a arrebatar uma série inusitada de distinções, cada vez com mais aplausos de pé, incluindo o troféu para Melhor Elenco nos prémios do Sindicato dos Atores da América, especialmente relevante tendo em conta que os atores estão em maioria entre os membros votantes da Academia.
Se ganhasse, seria a primeira vez desde "Marty" em 1956 que um filme que arrebatou a Palma de Ouro em Cannes conquistaria também o Óscar de Melhor Filme, e abriria uma imensa janela para os filmes não falados em inglês na maior montra de cinema do mundo.
Por outro lado, "Joker" é um sucesso esmagador em todo o mundo e, amado ou odiado, parece ser de longe o título que mais agarrou o "zeitgeist" do nosso tempo no último ano, pelo que, além do Óscar de Melhor Ator quase garantido para Joaquin Phoenix, não é de excluir uma surpresa nas categorias principais.
E cada vez menos podemos deixar a Netflix de fora desta conversa: se é verdade que se diluiu a sensação que todos tinham no início da temporada de que a estatueta de Melhor Filme iria seguramente ou para "O Irlandês" ou para "Marriage Story", a verdade é que a plataforma conseguiu arrebatar mais nomeações que qualquer outro estúdio, nada menos que 24, mais nove do que no ano passado, e repartidas por uma enorme diversidade de categorias, incluindo animação e documentário.
Entre as novidades deste ano, a categoria popularmente chamada de Melhor Filme Estrangeiro mudou de nome para Melhor Filme Internacional e a de Melhor Caracterização passou a contar com cinco nomeados.
Tal como sucedeu o ano passado, a cerimónia voltará a não ter anfitrião, e a polémica da falta de diversidade entre os nomeados continuará a ser tópico de discussão, na indústria e fora dela, quer pela inclusão de apenas uma não caucasiana entre os 20 intérpretes nomeados (Cynthia Erivo por "Harriet") e a ausência de mulheres na categoria de Melhor Realização, designadamente de Greta Gerwig pelo seu trabalho em "Mulherzinhas".
Este ano Portugal ficou mais perto do que nunca da nomeação aos Óscares, com "Tio Tomás - A Contabilidade dos Dias" a chegar à "short-list" de 10 títulos nomeáveis à categoria de Melhor Curta-Metragem de Animação, a segunda vez na carreira de Regina Pessoa, mas a não integrar a lista final (o filme conquistaria a seguir o Annie para Melhor Curta de Animação). Mas o nosso país poderá ainda marcar presença por via da nomeação de "Klaus" para Melhor Longa-Metragem de Animação, em cuja produção tiveram papel de destaque os irmãos lusos Edgar e Sérgio Martins.
Com uma qualidade muito acima da média no conjunto dos filmes nomeados, a noite promete ser tudo menos previsível, com muitas surpresas para juntar às histórias de 91 edições dos prémios.
Melhor Filme: A estatueta mais ambicionada
É o troféu mais desejado da história da Sétima Arte, aquele que só por si garante um lugar na memória coletiva do cinema e que já foi entregue a 91 filmes.
Os vencedores do Óscar para Melhor Filme reúnem algumas das películas que se tornaram emblemáticas na história da Sétima Arte, como "E Tudo o Vento Levou", "Casablanca" ou "Música no Coração", mas também obras inesperadas que o galardão ajudou a colocar na imaginário coletivo, como "O Cowboy da Meia-Noite" e "O Silêncio dos Inocentes".
Em termos mais práticos e imediatos, estima-se que um vencedor nesta categoria, se não tiver já uma carreira de grande sucesso atrás de si (como no caso dos super-êxitos "Gladiador" ou "Titanic", por exemplo), consiga triplicar as receitas de bilheteira.
A categoria de Melhor Filme é a única em que todos os membros da Academia votam não só na atribuição do prémio final (como sucede em todas as categorias, exceto nos documentários, curtas-metragens e filme estrangeiro) mas também nas próprias nomeações, que nos outros casos são da exclusividade dos membros do respetivo ramo profissional na Academia (os argumentistas votam nos nomeados para Melhor Argumento Adaptado e Original, os realizadores votam nos nomeados para Melhor Realizador e por aí fora).
O prémio é atribuído aos produtores e todos os filmes estreados em Los Angeles no respetivo ano podem concorrer, mesmo se não forem falados em inglês, caso que já aconteceu nove vezes: "A Grande Ilusão" (1938), "Z – A Orgia do Poder" (1969), "Os Emigrantes" (1972), "Lágrimas e Suspiros" (1973), "O Carteiro de Pablo Neruda" (1995), "A Vida é Bela" (1998), "O Tigre e o Dragão" (2000), "Cartas de Iwo Jima" (2007), "Amor" (2013), "Roma" (2018) e "Parasitas" (2019), isto para além de "O Artista", que venceu em 2012, e era um filme francês embora os diálogos - em intertítulos - fossem todos em inglês.
Também é possível a animação chegar ao top da Academia, embora isso só tenha sucedido três vezes, em 1992, com "A Bela e o Monstro", em 2010, com "Up - Altamente!" e em 2011 com "Toy Story 3".
Foi só em 1944 que as nomeações estabilizaram nas cinco por ano, com os anos anteriores a contabilizarem mais do dobro das designações, com o recorde de 12 películas nomeadas para Melhor Filme em 1934 e 1935. Só em 2010 é que as nomeações subiram de cinco para até 10 na categoria de Melhor Filme.
Os Óscares começaram a ser atribuídos na transição do cinema mudo para o sonoro, e por isso, oficialmente, só houve um filme mudo a vencer na categoria principal: Asas, de William Wellman, no primeiro ano em que foram atribuídos prémios, em 1928. Oficialmente, porque, na verdade, nessa primeira edição, o prémio estava dividido em Melhor Produção (cujo vencedor foi Asas) e Produção de Maior Qualidade Artística (cujo vencedor foi "Aurora", de F.W.Murnau). Além disso, em 2012, "O Artista", um filme sem diálogos mas com banda sonora síncrona e alguns efeitos sonoros, que homenageava precisamente o cinema mudo, também conseguiu conquistar o troféu principal.
No ano seguinte, o galardão unificou-se, passando a centrar-se genericamente na Melhor Produção e considerando a Academia que, nessa cerimónia inicial, Asas ganhou o equivalente a esse troféu.
A alteração propriamente dita para Melhor Filme deu-se logo em 1931.
Em 2017, surgiu pela primeira vez um lapso: um troca de envelopes levou os apresentadores Warren Beatty e Faye Dunaway a anunciarem "La La Land: Melodia de Amor" quando o vencedor era "Moonlight". O último vencedor do prémio foi Green Book - Um Guia para a Vida", de Peter Farrelly.
Recorde todos os vencedores do Óscar de Melhor Filme:
A primeira cerimónia
Foi a 16 de Maio de 1929 que a primeira cerimónia de atribuição dos prémios de mérito da Academia das Artes e Ciências Cinematográficas se realizou, numa altura em que os filmes sonoros davam os seus primeiros passos.
"Asas" foi o primeiro filme distinguido, Emil Jannings eleito o melhor ator, Janet Gaynor votada a melhor actriz e Franz Borzage escolhido como o melhor realizador.
Numa cerimónia com menos pompa e mistério do que as atuais, 250 pessoas assistiam à entrega dos prémios na Blossom Room do Hollywood Roosevelt Hotel.
Ao contrário do que acontece atualmente, os vencedores tinham já sido avisados previamente, assim como a imprensa, que publicava na edição noturna os resultados. A prática do envelope selado e da surpresa dos vencedores só foi utilizada pela primeira vez em 1941.
A película que venceu a distinção de Melhor Filme de 1927 foi "Asas", um filme de guerra mudo realizado por William A Wellman. Os méritos que lhe valeram o galardão não eram tanto os do filme em si, mas a ausência de concorrência à altura, uma vez que o outro único filme bem qualificado aos olhos do júri tinha já vencido o prémio de qualidade artística.
O galardão de Melhor Ator foi concedido a Emil Jannings pelo seu desempenho em "A Última Ordem" e "A Tortura da Carne". Os critérios de atribuição do prémio na primeira edição da cerimónia baseavam-se na produção anual e este ator germânico era muito respeitado pela comunidade cinematográfica dos anos 20. Outro candidato de peso, Charlie Chaplin, foi afastado do prémio uma vez que o júri tendia a favorecer os desempenhos dramáticos em relação aos cómicos.
A Melhor Atriz de 1927 foi Janet Gaynor, protagonista dos filmes "A Hora Suprema", "O Anjo da Rua" e "Aurora". O júri voltou a votar neste caso a favor da quantidade do trabalho, pois apesar destes três filmes constituírem os melhores exemplos de um bom desempenho por parte de Gaynor, o seu talento como atriz era facilmente ofuscado por estrelas como Mary Pickford que só não recebeu a nomeação para o prémio pela sua nítida falta de interesse em recebê-lo.
Assim, Janet Gaynor, com 22 anos, tornou-se a mais jovem atriz a receber a distinção até 1986, quando ele foi entregue a Marlee Matlin, com 21 anos na altura.
O prémio de Melhor Realizador de 1927 foi também atribuído com base na ausência de escolha. Dois dos candidatos tinham já recebido o galardão de melhores filmes: "Asas" e "Aurora". Na altura o responsável dos estúdios MGM fez pressão para que King Vidor, com o seu "A Multidão" fosse ignorado pelo júri pelo que restavam duas hipóteses: "A Hora Suprema" e
"O Circo".
O filme de Charlie Chaplin, apesar da sua qualidade, por ser um filme cómico, não reunia o favor dos votantes, que acabaram por se decidir por Frank Borzage.
Na vitória e na derrota: Quem bateu recordes nos Óscares?
Quem ganhou mais e quem perdeu mais estão sempre entre as perguntas mais colocadas no que à história dos Óscares diz respeito. Meryl Streep já vai em 21 nomeações mas há outros maiores vencedores e perdedores dos prémios da Academia.
- Filmes que ganharam mais Óscares
"Ben-Hur" (1959), "Titanic" (1997) e "O Senhor dos Anéis: O Regresso do Rei" (2003), que ganharam 11 estatuetas.
O primeiro perdeu apenas numa categoria, o segundo perdeu em três categorias e o terceiro ganhou tudo para que estava nomeado.
- Filmes com mais nomeações aos Óscares
"Eva" (1950) e "Titanic" (1997), e "La La Land" (2016) com 14 nomeações cada. O primeiro e o terceiro ganharam seis estatuetas e o segundo 11 troféus.
- Filmes com mais nomeações que não ganharam um único Óscar
"A Grande Decisão" (1977) e "A Cor Púrpura" (1985) tiveram 11 nomeações cada e voltaram para casa de mãos a abanar.
- Filmes que ganharam os cinco Óscares principais (Melhor Filme, Realizador, Ator, Atriz e Argumento)
"Uma Noite Aconteceu" (1934), "Voando Sobre um Ninho de Cucos" (1975) e "O Silêncio dos Inocentes" (1990).
- Filme com mais Óscares que não recebeu o troféu de Melhor Filme
"Cabaret – Adeus Berlim" (1972), que conquistou oito Óscares e perdeu o principal para "O Padrinho".
- Filme com mais nomeações que não foi nomeado para Melhor Filme
"Os Cavalos também se Abatem", com nove nomeações.
- Filme que recebeu o Óscar de Melhor Filme sem ter tido quaisquer outras nomeações
"Grande Hotel" (1932)
- Filme mais longo a vencer um Óscar
"O.J.: Made in America” (2016), que venceu o Óscar de Melhor Documentário, com sete horas e 47 minutos, é simultaneamente o mais longo filme nomeado e vencedor de uma estatueta dourada.
- Intérprete que ganhou mais Óscares
Katharine Hepburn, que ganhou quatro estatuetas de Melhor Atriz: "Glória de um Dia" (1933), "Adivinha Quem Vem Jantar" (1967), "O Leão no Inverno" (1968) e "A Casa do Lago" (1981).
- Quem ganhou mais Óscares numa noite
Walt Disney, com quatro estatuetas em 1954 para Melhor Documentário de Longa-Metragem, Melhor Documentário de Média-Metragem, Melhor Documentário de Curta-Metragem e Melhor Curta-Metragem de Animação.
- Intérprete mais nomeado aos Óscares
Meryl Streep, com 21 nomeações.
Ganhou três vezes: Melhor Atriz Secundária por "Kramer contra Kramer" (1979) e Melhor Atriz por "A Escolha de Sofia" (1982) e "A Dama de Ferro" (2011).
- Intérprete mais nomeado aos Óscares sem nunca ganhar
Peter O’Toole, com oito nomeações de Melhor Ator. Ganhou um Óscar Honorário em 2003.
- Intérprete mais jovem a ganhar um Óscar em competição
Tatum O'Neal ganhou o Óscar de Melhor Atriz Secundária em 1974 por "Lua de Papel", quando tinha apenas 10 anos. Em termos de Óscares honorários, não competitivos, houve vencedores ainda mais jovens, numa época em que se atribuíam ocasionalmente Óscares juvenis. A mais jovem oscarizada nesse capítulo foi Shirley Temple, aos seis anos, em 1935.
- Intérprete com mais idade a ganhar um Óscar
Christopher Plummer ganhou o Óscar de Melhor Ator Secundário em 2011 por "Assim é o Amor", aos 82 anos. Está nomeado para Melhor Ator Secundário nesta edição por "Todo o Dinheiro do Mundo".
- Quem ganhou mais Óscares em toda a vida
Walt Disney, que ganhou 22 estatuetas em diversas áreas competitivas, e recebeu ainda quatro prémios honorários. Também é ele a pessoa mais nomeada de sempre: 59 vezes.
- Artista vivo com mais nomeações ao Óscar
O compositor John Williams, com 52 nomeações.
Ganhou cinco vezes, por "Um Violino no Telhado" (1971), "Tubarão" (1975), "Guerra das Estrelas" (1977), "E.T. O Extraterrestre" (1982) e "A Lista de Schindler" (1993). Este ano volta a estar nomeado por "Star Wars: A Ascensão de Skywalker".
- Uma dinastia nos Óscares
Alfred, Lionel, Emil, Thomas, David, Randy e Thomas Newman já têm 92 nomeações na área da música, mais do que qualquer outra família. Randy e Thomas estão ambos nomeados ao Óscar este ano, o primeiro pela Banda Sonora de "Marriage Story" e pela Canção Original de "Toy Story 4" e o segundo pela Banda Sonora "1917". Thomas tem também um recorde menos apetecível: com a banda sonora de "Passageiros" (2016), recebeu a 14ª nomeação da sua carreira sem vitória, o que é um recorde entre compositores vivos.
- O mais nomeado ao Óscar sem nunca ter ganho qualquer estatueta
Greg P. Russell, técnico de som, com 16 nomeações sem qualquer prémio. Chegou a ter a 17ª, pelo filme "13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi" (2016), mas foi removida porque Russell violou as regras de campanha da Academia: tinha telefonado aos colegas do seu ramo durante as nomeações para lhes chamar a atenção para o trabalho. O anterior campeão, Kevin O’Connell, também técnico de som, conseguiu o Óscar à 21ª nomeação, com "O Herói de Hacksaw Ridge" (2016).
- A mulher mais oscarizada e mais nomeada ao Óscar
A estilista Edith Head, que recebeu oito Óscares de Melhor Guarda-Roupa em 35 nomeações.
- Cineasta mais premiado como Melhor Realizador
John Ford, com quatro Óscares de Melhor Realizador: "O Denunciante" (1935), "As Vinhas da Ira" (1940), "O Vale era Verde" (1941) e "O Homem Tranquilo" (1952).
Curiosamente, para alguém considerado o melhor autor de westerns de sempre, nenhum deles era um western.
- Intérprete a ganhar o Óscar na categoria principal com menos tempo no ecrã
Anthony Hopkins, que ganhou o Óscar de Melhor Ator em "O Silêncio dos Inocentes", em que aparece um total de 17 minutos.
- Intérprete a ganhar um Óscar com menos tempo no ecrã
Beatrice Straight, que ganhou o Óscar de Melhor Atriz Secundária por "Escândalo na TV", em que surge apenas durante... 5 minutos e 40 segundos.
- Discurso de vitória mais longo
Greer Garson, ao ganhar o Óscar de Melhor Atriz por "A Família Miniver" em 1943, falou durante quase seis minutos, numa época em que as transmissões televisivas ainda não existiam e em que a cerimónia era só parcelarmente emitida pela rádio.
- Discurso de vitória mais curto
Patty Duke, ao ganhar com apenas 16 anos o Óscar de Melhor Atriz Secundária por “O Milagre de Anne Sullivan” em 1963, disse apenas “Obrigado” e saiu do palco.
As maiores reviravoltas
Do vencedor errado do Óscar de Melhor Filme em 2017 à surpresa de Adrien Brody ao ser anunciado como o Melhor Ator, não há falta de momentos chocantes em 90 anos de história da entrega dos prémios da Academia.
Quem acompanha os Óscares com alguma atenção certamente recordar-se-á a surpresa que foi quando "Colisão" recebeu o Óscar de Melhor Filme em 2006, derrotando o grande favorito, "O Segredo de Brockeback Mountain". Ou quando Adrien Brody apareceu do nada e se tornou o mais jovem a receber o Óscar de Melhor ator.
Mas será que sabia que "Braveheart" não era o grande favorito? Ou que não era suposto Marlon Brando ganhar o Óscar por "Há Lodo no Cais"?
Recorde as maiores surpresas e reviravoltas dos 90 anos da entrega da estatuetas douradas, suficientes para horas de discussões:
Portugal nos Óscares: 36 falhanços e algumas alegrias
Portugal tem um recorde nos Óscares: o do país que mais vezes propôs títulos à categoria de Melhor Filme Estrangeiro sem ter conseguido uma nomeação. Mesmo assim, sabe que já houve dois portugueses premiados pela Academia e um ator a ganhar a estatueta dourada por uma personagem do nosso país?
Portugal e os Óscares têm andado sempre de costas viradas. Se dúvidas houvesse, há um facto que diz tudo: o nosso país é aquele que mais vezes submeteu títulos à nomeação de Melhor Filme Estrangeiro (nada menos que 36 vezes, a começar em 1980) sem ter conquistado a nomeação uma única vez que fosse. O mais recente a não chegar ao fim foi "A Herdade", de Tiago Guedes.
Para lá das longas-metragens, são mesmo as curtas de animação que vão sendo mais bem sucedidas na aproximação aos Óscares, com Regina Pessoa a conseguir chegar duas vezes à "short-list" de 10 filmes nomeáveis: em 2006, com "História Trágica com Final Feliz", e agora em 2020 com "Tio Tomás - A Contabilidade dos Dias", que ganhou a seguir o prémio Annie. Em ambos os casos tinha algum favoritismo à partida pelos prémios internacionais já recebidos e em ambos os casos ficou à porta da nomeação, não deixando de ser o mais perto que algum filme português alguma vez esteve de entrar na corrida.
Mas a verdade é que a Academia já distinguiu talentos lusos. Carlos de Mattos é o principal, tendo sido distinguido duas vezes pela Academia de Artes e Ciências de Cinematográficas de Hollywood com certificados especiais, naquelas cerimónias dedicadas aos galardões técnicos de que são apenas apresentados excertos durante a cerimónia de entrega de prémios que vemos anualmente.
Carlos de Mattos nasceu em Luanda em 1952 e foi viver para os EUA aos 18 anos, desenvolvendo aí actividade importante na área tecnológica. Recebeu o primeiro Technical Achievement Award em 1983, em parceria com Con Tresfons, Adriaan De Rooy e Ed Phillips pela criação e concretização da Tulip Crane, uma grua utilizada em filmes como "E.T. O Extraterrestre".
Em 1986 recebeu um Scientific and Engineering Award, em parceria com Ernest F. Nettman e Ed Phillips, pela criação de uma câmara de controle remoto utilizada em filmes como "África Minha" e "Cotton Club".
Já o célebre dramaturgo Christopher Hampton, apesar de ser visto por todos como britânico, nasceu na verdade na ilha do Faial, no arquipélago dos Açores, mudando-se muito novo para o Reino Unido onde faria carreira, sem qualquer ligação ao país de origem. Enquanto argumentista ele ganhou o Óscar de Melhor Argumento Adaptado por "Ligações Perigosas" em 1989 e foi nomeado ao mesmo troféu por "Expiação" em 2008.
Mas Carlos de Mattos e Christopher Hampton fizeram praticamente toda a sua vida e carreira fora de Portugal. Haverá algum português sequer nomeado com carreira relevante no nosso país? Há apenas um: o diretor de fotografia Eduardo Serra.
Ele nunca ganhou mas já foi nomeado duas vezes para o Óscar, pelo seu trabalho em "As Asas do Amor" (1997) e "Rapariga com Brinco de Pérola" (2003). Em Portugal, assinou a fotografia de filmes tão importantes como "Sem Sombra de Pecado" e "A Mulher do Próximo", de José Fonseca e Costa, "O Processo do Rei", de João Mário Grilo, "Amor e Dedinhos de Pé", de Luis Filipe Rocha, e "O Delfim", de Fernando Lopes.
Mas mesmo em filmes norte-americanos, Portugal esteve presente. Em 2015, "Feral" chegou efetivamente à nomeação na categoria de Melhor Curta-Metragem de Animação: embora fosse um filme norte-americano, ele foi realizado por Daniel Sousa, um português de origem cabo-verdiana, que viveu em Portugal até aos 16 anos, rumando depois aos EUA onde hoje vive como animador independente e professor.
Jáhá dois anos, dois canadianos luso-descendentes chegaram finalmente à tão ambicionada nomeação, ambos pelo filme "A Forma da Água": Luis Sequeira, filho de pais portugueses da zona de Aveiro e que mantém dupla nacionalidade, está nomeado para Melhor Guarda-Roupa, e Nelson Ferreira, cujos pais são da zona da Mealhada, partilha com Nathan Robitaille a nomeação para Melhor Montagem de Som (outrora designada de Melhores Efeitos Sonoros).
Caso emblemático é também o do filme "Lobos do Mar", de Victor Fleming, pelo qual o incontornável Spencer Tracy ganhou o primeiro Óscar de Melhor Ator ao interpretar o pescador português Manuel (na imagem), em que até tentava, de forma algo sofrível, cantar algumas canções em português.
E não esquecer que o documentário "Portugal", integrado na popular série de documentários "People & Places" que a Disney produziu na década de 50, foi nomeado em 1958 ao Óscar de Melhor Curta-Metragem Documental de Imagem Real.
A língua portuguesa, claro, esteve presente em algumas nomeações de filmes brasileiros, nomeadamente nas designações em várias categorias dos recentes "Cidade de Deus" e "Central do Brasil". Porém, o único filme falado na língua de Camões a receber um Óscar foi o belíssimo "Orfeu Negro", em 1960, realizado em Terras de Vera Cruz pelo francês Marcel Camus. É uma co-produção entre a França, o Brasil e a Itália, que adapta a peça «Orfeu da Conceição», de Vinicius de Moraes, com música de António Carlos Jobim e Luis Bonfá. O filme foi um enorme êxito internacional, ganhando também a Palma de Ouro do Festival de Cannes.
Mais recentemente, claro, em 1994, o filme espanhol "Belle Époque", rodado em grande parte no nosso país e co-produzido por António da Cunha Telles, conquistou o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, com Portugal a merecer uma palavra de agradecimento no discurso do realizador do filme, Fernando Trueba.
Finalmente, sem ser falado em português mas adaptado de uma obra fundamental da literatura nacional da autoria de Eça de Queiroz, distinguiu-se "O Crime do Padre Amaro", nomeado ao Óscar de Melhor Filme de Língua Não Inglesa em 2003 pelo México.
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