Arranca este sábado (3), a 28ª edição do Curtas Vila do Conde, que terá um sabor “especial” devido à nova “normalidade” e às ameaças de uma segunda vaga da pandemia.
Mas o cinema deve continuar contra todas as adversidades e o festival assume ainda mais a sua função de mostra e preservação do espirito cinéfilo. O diretor Nuno Rodrigues conversou com o SAPO Mag e sugeriu uma trajetória para conhecer ou recordar a experiência de cinema, mesmo em formato curto.
Primeiro de tudo, gostaria que nos falasse das dificuldades no arranque de um festival de cinema em tempos de pandemia, ainda mais com as ameaças de uma segunda vaga. Estas condições condicionaram a programação que estava anteriormente pensada?
O contexto de pandemia criou dificuldades evidentes. Numa primeira fase levou à necessidade de alterar a data do festival, posteriormente preparámos algumas iniciativas de aproximação ao nosso público, como foram o Curtas Drive in e o filme-concerto “Surdina”+ Tó Trips no Teatro Municipal. No que diz respeito à programação, tivemos tempo de repensar alguns detalhes no que estávamos a desenvolver e assim tomar decisões que dessem uma melhor resposta aos tempos de incerteza que estávamos a viver. Decidimos apostar forte na nova secção Cinema Revisitado, onde se destaca um programa especial dedicado a obras peculiares de Jean-Luc Godard, tais como trailers, publicidades e filmes institucionais. O adiamento acabou por permitir a chegada de novas estreias e assim proporcionar uma das melhores seleções de Curtas para a competição Nacional e internacional. O programa In Focus que vínhamos desenvolvendo com o cineasta Isaki Lacuesta também acabou por beneficiar com a inclusão de novas obras desenvolvidas em contexto de pandemia e que integrarão a exposição dedicada ao artista na Solar Galeria de Arte Cinemática.
Dentro do panorama dos festivais em tempos de COVID, a possibilidade de uma edição 100% online de forma a cumprir as datas de verão pelo qual o Curtas’ habitualmente decorre foi posta em cima da mesa?
Desde o momento que alterámos a data com o aparecimento da pandemia, a nossa principal motivação foi defender a ideia que o festival teria que acontecer presencialmente. O online apenas poderia vir a existir como alternativa. Aquilo que torna especial um festival de cinema é precisamente o seu caráter presencial, a partilha de ideias e obras num determinado momento, local e contexto.
E quanto ao tal serviço de streaming que será lançado paralelamente com o festival?
Sim, atendendo à incerteza e a existência de diferentes tipos de sensibilidades e públicos, iremos criar essa alternativa, uma versão online com cerca de 150 filmes que irá ser disponibilizada em plataforma VOD a partir do dia 3 de outubro [ver aqui - https://online.curtas.pt/] . Criamos aqui a possibilidade de tornar possível o encontro com pessoas que vivem longe de Vila do Conde e em locais onde o cinema não chega em versão presencial.
Sobre a programação, gostaria que me falasse sobre a nova secção não competitiva chamada New Voices.
New Voices pretende ser um espaço para a mostra de realizadores emergentes, cuja obra de curtas e primeiras longas-metragens constitua já um corpo de trabalho consistente e diferenciador. Numa altura em o cinema se debate com novos desafios à sua distribuição, este espaço programático solidifica o compromisso do festival com a descoberta de novas tendências que marcarão o futuro do setor. Para a primeira edição, a escolha recaiu sobre três realizadoras, com diferentes conexões ao próprio festival, cujo trabalho, em filme, performance e instalação, tem espelhado, de forma particularmente idiossincrática, questões de identidade, sentimento de pertença e conexão a territórios: Elena López Riera, Ana Elena Tejera e Ana Maria Gomes.
O que destacaria na programação do festival?
Tal como nas suas últimas edições, o festival tem uma programação muito vasta e diversificada que vai ao encontro de diferentes tipos de público. Competição experimental; Stereo com cine-concerto por Paulo Furtado, Iris Cayatte e Pedro Maio; Competição Curtinhas; foco dedicado a Isaki Lacuesta; são alguns exemplos de território de criação artística e cinematográfica que damos a conhecer ao nosso público. A competição nacional e internacional são este ano um espaço de descoberta de novos autores, mas também secções competitivas onde poderão encontrar novos filmes em curta-metragem de cineastas consagrados como Jafar Panahi, Sergei Loznitsa, Guy Maiden, Cláudia Varejão, Sandro Aguilar ou Filipa César. A não perder é a estreia nacional de “First Cow”, um dos filmes mais aclamados de 2020 da realizadora Kelly Reichardt, cineasta que esteve em 2014 em Vila do Conde para apresentar uma retrospetiva da sua obra.
Queria que nos falasse do porquê do “resgate” do “O Recado” [1971], de José Fonseca e Costa.
Na secção Cinema Revisitado procuramos criar condições de redescoberta de importantes filmes da história do cinema. Temos vindo a desenvolver uma parceria com a Cinemateca Portuguesa no sentido de ir integrando anualmente filmes importantes da história do cinema português. O facto de ter surgido um trabalho de restauro do filme “O Recado” pareceu-nos importante, visto tratar-se dum realizador importante e também por ter participado em algumas das nossas primeiras edições nos anos 90.
Quanto ao foco de João Paulo Miranda e a estreia da sua “Casa de Antiguidades”, selecionado para o festival de Cannes deste ano (que não chegou a acontecer)?
O Curtas tem vindo a acompanhar o percurso de João Paulo Miranda e o realizador já esteve antes no festival com filmes na competição internacional. Aproveitamos o facto de ter acabado a sua primeira longa-metragem na competição virtual de Cannes para convidá-lo para fazer a estreia em Portugal deste filme.
Expectativas sobre esta edição?
O ano que estamos a viver é diferente e nesse contexto estamos a trabalhar numa edição que consideramos especial. Apresentamos uma programação diversificada e de grande qualidade e em simultâneo criamos alternativas de encontro com o público. Acreditamos que a nova solução encontrada para a competição Nacional, a decorrer em simultâneo em Vila do Conde, Porto, Faro e Lisboa, irá permitir novas possibilidades de encontro entre cineastas e público, uma aproximação entre cinema, os realizadores portugueses e o público a acontecer em várias regiões de Portugal.
O que poderá ser desenvolvido ou crescer em futuras edições?
O Curtas é um projeto consolidado, pretende por um lado manter o seu nível e por outro mostrar-se atento às mutações. O que está a acontecer agora no mundo vai deixar uma marca em muitos setores, nos hábitos das pessoas, e o festival estará atento no sentido de pensar o seu crescimento numa perspetiva de evolução e adaptação, sem contudo deixar de manter e defender os aspetos que o têm vindo a fazer crescer.
Qual a importância dos festivais para o cinema em sala, que se encontra, cada vez mais, em risco devido a esta “nova normalidade”?
Temos que saber resistir à tentação voraz do online, que é uma possibilidade para certos públicos mas a sua existência deve sempre ser uma alternativa. Um festival de cinema deve lutar pela manutenção da sua essência, a sua relação com o público, as suas vivências a sua relação com esse espaço de magia que é a sala de cinema.
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