De segunda à sexta-feira, Scott George oferece estadia a preços acessíveis às famílias indígenas de Oklahoma. Durante os fins de semana, canta em danças tradicionais da Nação Osage.

Mas terá que interromper a sua rotina no mês que vem para viajar a Hollywood para a entrega dos Óscares, onde a canção que escreveu para Martin Scorsese competirá com as de Billie Eilish, Mark Ronson e Jon Batiste por um prémio da Academia.

"Acredito que poderia usar a palavra surreal", disse George à France-Presse.

"Mas já não sei o que significa comparado com isso", notou.

"Embora me levante com ela todos os dias, a música é algo apenas dos fins de semana", acrescentou.

George é membro da Nação Osage, cuja trágica história é a história central de "Assassinos da Lua das Flores", dirigida por Scorsese.

O filme, que competirá por dez estatuetas na cerimónia de 10 de março em Los Angeles, conta a história de como os Osage enriqueceram com o petróleo no começo do século passado para depois serem explorados e assassinados por seus vizinhos brancos.

A produção contou com a estreita colaboração dos Osage e foi filmada no coração da sua terra.

A banda sonora foi composta pelo falecido Robbie Robertson, de raízes indígenas, e a sua atriz principal, Lily Gladstone tem antepassados da Confederação Blackfoot e dos Nez Perce.

Mas Scorsese estava decidido a contar com uma canção osage autêntica para concluir o seu drama.

George recorda que um dos seus colegas viu o cineasta numa dança cerimonial, durante um descanso entre tomadas durante a rodagem.

"Foi como 'Caramba, [ele] está a ver-nos'", disse George. "Por isso, quando nos perguntou sobre a canção, ou sobre acrescentar uma canção, sabíamos o que queria".

Members of the Osage Native Americans Tribe (L-R) consulting producer Chad Renfro, songwriter Scott George, performers Julia Lookout, Angela Toineeta and Vann BigHorse with moderator Tim Greiving, pose for a photo before a Q&A about the Martin Scorsese movie
Membros da Nação Osage: o consultor da produção Chad Renfro, o compositor Scott George, os intérpretes Julia Lookout, Angela Toineeta e Vann BigHorse, e Tim Greiving, moderador de um debate no Museu dos Grammys a 14 de fevereiro

Mesmo assim, a resposta inicial foi negativa. Muitas canções osage contêm os nomes de antigos guerreiros de há dois ou três séculos.

"São nossos. Isso pertence-nos. E dissemos 'Bem, não podemos dar-lhe isso. Podemos fazer algo próximo, mas não isso'", explicou George.

"Foi assim que isso começou. Começámos a compor a nossa canção para ele", recordou.

O resultado foi "Wahzhazhe (A Song of My People)", um poderoso hino de seis minutos e meio com percussão dramática e letra que encoraja os Osage a erguerem-se orgulhosamente depois de terem sobrevivido a tantas dificuldades.

O filme e a canção chegaram num bom momento para os anciãos que estavam numa campanha para educar os mais jovens sobre a sua história, e para lhes recordar a sua existência.

Geoffrey Standing Bear

"Ainda estamos aqui, não somos relíquias", disse Geoffrey Standing Bear, chefe da Nação Osage.

"Não confiamos nos forasteiros por causa da nossa história. Mas Scorsese e a sua equipa mostraram-nos que confiam em nós, e nós neles", disse.

"Por isso, quando vê as nossas cerimónias e outras atividades e escuta a música, é osage (...) Essas canções são poemas".

Apesar de ter entrado nas 15 pré-nomeações aos Óscares da categoria em dezembro, a canção não era considerada favorita. Por isso, a nomeação a 23 de janeiro foi recebida com euforia.

"Não é genial? Para mim, ser nomeada por interpretar uma personagem osage é tão importante como se uma pessoa osage também fosse nomeada", disse à AFP Gladstone, que concorre ao Óscar de Melhor Atriz.

Mas para George, ser nomeado para os Óscares não é como se fosse um "feito", porque "não era algo a que aspirava".

"Sinto-me satisfeito dando a minha música ao meu povo", afirmou. "Fora disso, é um pouco delicado".