Alguns dos representantes do movimento "Pelo Cinema Português" vão ser ouvidos hoje (14) no Parlamento, juntando-se às audições de três outras estruturas no âmbito da discussão da proposta de lei que transpõe uma diretiva europeia do audiovisual.
A agenda da comissão parlamentar de Cultura e Comunicação tinha anunciado hoje três audições para quarta-feira: da Associação de Produtores de Cinema e Audiovisual (APCA), da Plataforma de Cinema e dos subscritores da carta aberta "Ganhar uma oportunidade histórica para o cinema e audiovisual português".
A elas junta-se agora a audição de representantes do movimento "Pelo Cinema Português", que no fim de semana lançou também uma carta aberta intitulada "Governo português anuncia a morte do cinema português".
Juntando mais de 650 pessoas, a carta deste movimento apela a "uma apreciação séria e suficientemente informada para transpor para a Lei Portuguesa uma Diretiva que a grande maioria dos países europeus ainda não legislou".
Entre os signatários estão Pedro Costa, Bruno de Almeida, Catarina Mourão, Catarina Vasconcelos, Cláudia Varejão, Diogo Varela Silva, João Botelho, João Mário Grilo, João Salaviza, Jorge Silva Melo, José Vieira, Leonor Teles, Manuel Mozos, Margarida Gil, Miguel Gomes, Pedro Pinho, Rodrigo Areias, Salomé Lamas, Tiago Guedes, os atores Adriano Luz, Albano Jerónimo, Beatriz Batarda, Dalila Carmo, Diogo Dória, Isabel Abreu, Luís Miguel Cintra, Maria de Medeiros, Nuno Lopes, Rita Blanco, Sandra Faleiro, Rogério Samora, Victória Guerra, o fotógrafo Daniel Blaufuks, o diretor de fotografia Acácio de Almeida, os produtores Luís Urbano, Maria João Mayer e Paulo Branco.
As quatro audições acontecerão um dia depois de os deputados terem adiado a votação parlamentar da proposta de lei 44/XIV, que transpõe uma diretiva europeia sobre audiovisual.
O setor do cinema e audiovisual está dividido em relação a esta matéria, e à forma como o processo legislativo decorreu, e manifestou-se publicamente no fim de semana com cartas abertas e comunicados para a comunicação social.
Portugal tem de transpor para a legislação nacional uma diretiva europeia, de 2018, que tem como objetivo regulamentar, entre os Estados-membros, a atividade dos serviços de televisão e dos serviços audiovisuais a pedido, conhecidos como VOD ('video on demand'), como as plataformas Netflix, HBO e Amazon.
Na diretiva europeia lê-se que "o mercado dos serviços de comunicação social audiovisual tem evoluído de forma rápida e significativa devido à convergência atual entre a televisão e os serviços de Internet", pelo que é preciso que a legislação acompanhe essa evolução.
É pedido, por isso, legislação que promova "um equilíbrio entre o acesso aos serviços de conteúdos em linha, a proteção dos consumidores e a competitividade".
A Comissão Europeia publicou as orientações de aplicação em julho, que apontam para uma quota de 30% de obras europeias nos serviços por subscrição (VOD), com definição de mecanismos para medição dessa quota, assim como de isenções de taxas a pequenos operadores, em função do baixo volume de negócios ou da audiência.
O Governo terá ainda de criar mais mecanismos de proteção dos consumidores, em particular dos menores de idade, reforçar o acesso das pessoas com deficiência e necessidades especiais aos serviços de televisão e prevenir o discurso do ódio e do incitamento à violência e ao terrorismo.
No passado domingo, a propósito da proposta de lei 44/XIV, o secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva, afirmava à agência Lusa que as plataformas de VOD "que até aqui não tinham nenhuma obrigação de investimento", passam agora a ter de optar por dois modelos: "Ou pagam uma taxa ao ICA [Instituto do Cinema e Audiovisual] ou investem diretamente nos produtores independentes portugueses".
"Para os produtores, argumentistas e realizadores portugueses é uma possibilidade de mostrarem diretamente o seu trabalho a plataformas com uma dimensão internacional como as que conhecemos", disse.
A proposta de lei 44/XIV, que implicará alterações nas leis do Cinema e da Televisão, define a cobrança da taxa de exibição para todo o tipo de serviços em que exista transmissão de publicidade e obrigações de investimento para, entre outros, operadores de serviço de televisão e as plataformas de 'streaming'.
Estes operadores e plataformas exercem "com total liberdade de escolha" os projetos em que têm de investir e os montantes são definidos em função dos "proveitos". Ficam de fora desta obrigação todos os que "tiverem baixo volume de negócios ou baixas audiências".
A proposta de lei define ainda que os custos de funcionamento do ICA passam a ser considerados despesas do Orçamento do Estado, o que permitirá libertar verbas das receitas próprias deste organismo para investimento no setor.
Nuno Artur Silva fala na libertação de 3,7 milhões de euros no ICA para investir no setor, mas a expetativa do ICA, expressa num parecer entregue no Parlamento, é que sejam três milhões de euros e que deverão ser absorvidos na compensação pela quebras na cobrança da taxa de exibição.
Enquanto decorre este processo, na semana passada, a tutela da Cultura tentou apresentar um primeiro passo do próximo plano estratégico do cinema e audiovisual, de 2021-2025, cuja elaboração foi atribuída à consultora britânica Olsberg SPI.
A reunião serviria para a consultora apresentar um cronograma e metodologia de trabalho sobre o plano, mas acabou por ser adiada por protestos de vários representantes do cinema e audiovisual.
No fim de semana, a Plataforma de Cinema, que fala em nome de mais de uma dezena de associações, festivais e dois sindicatos, pediu a demissão de Nuno Artur Silva por "delegar numa empresa privada inglesa a definição das políticas públicas para o setor" e apelou a um adiamento da votação da proposta de lei 44/XIV.
Para a Plataforma, a proposta de lei "não apresenta nenhuma solução sustentável para a quebra das receitas próprias do ICA que vão ser originadas pelos efeitos da pandemia e pela desadequação da Lei do Cinema que vigora face às tendências contemporâneas dos mercados associados ao setor".
Esta plataforma representa, entre outros, os festivais IndieLisboa, DocLisboa, Curtas de Vila do Conde, a Portugal Film e a Agência da Curta-Metragem, os sindicatos Cena-STE e Sinttav e a Associação Portuguesa de Realizadores.
A carta aberta "Ganhar uma oportunidade histórica para o cinema e audiovisual português", que é assinada por mais de uma centena de realizadores, produtores, argumentistas e mais de vinte produtoras de cinema e televisão, sustenta que a transposição da diretiva "vem permitir as obrigações de investimento direto que, até aqui, apenas existiam para os operadores tradicionais".
É assinada, entre outros, pelas produtoras Ana Costa, Ana Torres, Pandora da Cunha Telles, pelos realizadores Joaquim Leitão e Sérgio Graciano, pelos argumentistas Tiago R. Santos, Nuno Markl e João Tordo, e pelas produtoras SPI, Bro, Até ao Fim do Mundo e David & Golias.
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