“Como Nossos Pais”, que abre esta terça-feira a 9ª edição do Festival Itinerante da Língua Portuguesa (FESTin), começou no Festival de Berlim no ano passado uma brilhante carreira crítica e comercial – e tornou-se um dos acontecimentos cinematográficos do ano no Brasil. O filme tem estreia prevista para Portugal a 15 de março.

Talvez a sua força resida na narrativa intensa imposta pelo argumento de Laís Bodanzky, escrito em parceria com Luiz Bolognesi, e pela sua realização – reunindo através do drama da protagonista (Maria Ribeiro) uma série de questões sobre a sociedade e a mulher contemporânea.

O SAPO Mag conversou com a cineasta sobre este e outros temas, também fundamentais no filme, como o diálogo entre a geração dos anos 60 e 70 e a diferença de mundo que os seus filhos vieram a encontrar no século XXI.

Ficou ainda a informação de que o próximo projeto abrange também Portugal: será um romance histórico sobre a controversa figura de D. Pedro (IV em Portugal, I no Brasil).

“Quero fazer um filme que fale tanto de Portugal como do Brasil”, assegurou.

Um dos temas centrais de “Como nossos Pais” é a questão da “super mulher”, aquela que conquistou espaço no mercado de trabalho mas continua a ter de lidar com as funções domésticas. Você acredita que a “igualdade” ainda não chegou dentro de casa?

Acredito que a igualdade ainda não entrou dentro de casa. Acho que, em boa parte das famílias, o casal já entendeu, talvez na teoria, que é necessário ter essa igualdade, até porque como a mulher está no mercado do trabalho, tem a vida tão atribulada quanto a do homem. Mas nós ainda temos no nosso imaginário que a vida doméstica, que cuidar dos filhos, é uma função materna e, muitas vezes, a mulher acha que é ela mesma que tem de fazer. Se não o faz, sente-se muito culpada, por isso continua a querer dar conta de tudo.
Notamos isso, por exemplo, quando uma mulher está a conversar com outra e comenta: ‘Nossa, como você tem sorte, o teu marido ajuda-te dentro de casa’. A forma como essa questão é posta já demonstra como há desigualdade – porque o marido não tem de ajudar, simplesmente tem de fazer igual. E não é porque ele faz que tem de ser aplaudido, é função dele tanto quanto da esposa porque a casa é dos dois, os filhos pertencem a ambos. Isso encontramos em famílias de pessoas já muito conscientes politicamente, com estudos, que não são ignorantes. A força do hábito repete essa estrutura arcaica.

O filme conta a história de uma protagonista que subitamente não consegue dar conta do recado e quebra, pelo menos momentaneamente. A partir daí você cria uma narrativa emocionalmente muito forte, com uma espécie de “twist” logo nos primeiros 15 minutos.
Muitas vezes precisamos levar um tombo muito grande na vida para parar para pensar sobre aquilo que é realmente importante. É isso que acontece com a protagonista, ela está numa rotina, num dia a dia em que está infeliz, mas nem percebe. Ela só se vai dar conta disto e que precisa de mudar a vida dela a partir do momento em que fica sem chão, em que nada mais faz sentido, quando não sabe mais quem é. Isso é que provoca nela uma profunda reflexão e o desejo de querer ir atrás de quem ela é e do que realmente é importante.
Mas isso coloca outra questão, que é descobrir o que é, de facto, importante. Essa pergunta é muito difícil de fazer e de encontrar a resposta. Então ela pergunta qual é o seu maior desejo e vai atrás dele. Se consegue, se isso dá certo, o filme não deixa isso tão claro, mas mostra uma personagem em movimento.

Há outro tema complexo, o da maternidade – sugerido no título filme. A mãe da protagonista passa longe de ser uma mãe expectável…
O tema da maternidade, que de facto é sugerido no título, é pouco falado, discutido. Recentemente, com o novo olhar da mulher, com o movimento feminista, passou-se a prestar um pouco mais de atenção, na relação muito complexa entre mãe e filha. São duas pessoas do mesmo género e a relação envolve opressão, competição e rancor também. Claro que são mecanismos inconscientes, não nos damos conta disto.
Existe, por exemplo, a questão da passagem do tempo – um pouco como no conto da Branca de Neve, onde a rainha pergunta ao espelho se existe alguém "mais bela do que eu". Existe sim, uma menina, e a sua reação é de que não a suporta.
Também existem várias formas de opressão, como a mãe que quer viver através da juventude da filha aquilo que ela própria não pôde viver – então vai dizer à filha tudo o que ela tem que fazer. Ou, pelo contrário, sente que não viveu aquilo tudo, então não vai deixar a filha viver. São relações complexas, que às vezes podem tornar a vida de ambas num verdadeiro inferno sem que elas percebam a razão. O que acho importante é falar destas dificuldades e torná-las mais palatáveis.
Depois também há questão de gerações, neste caso a dos anos 60, 70, que “passa o bastão” à uma nova. Eles tinham sido transgressores, tinham questionado muitas coisas, mas também foram opressores com os seus filhos. Há coisas boas e más nisto tudo.

O filme teve um belo currículo crítico, começando com o Festival de Berlim. Como tem sido essa trajetória? Coloca mais pressão sobre o próximo projeto? E, em relação a este, já existe algum?
O filme fez uma carreira muito bonita começando no Festival de Berlim, que foi uma surpresa muito agradável pois deu para perceber que esta perspetiva do tema da mulher não pertencia só a nós no Brasil mas à Europa também. O filme passou em muitos países, foi vendido para vários lugares, tendo sempre uma recetividade muito positiva, provocando excelentes debates. As conversas após as sessões têm sido sempre muito ricas e muito boas em todos os lugares onde fui.
Sobre projetos futuros, estive agora no Festival de Berlim como produtora de “Ex- Pajé”, do Luiz Bolognese [selecionado para a secção Panorama]. Estou muito otimista em relação ao futuro deste filme, que é um documentário no limite da ficção.
Em relação ao próximo trabalho como realizadora, será um filme que tem a ver com Portugal, pois vai contar a história de D. Pedro I [D. Pedro IV em Portugal]. É um grande desafio por ser um filme de época, por se tratar de uma personagem histórica que toda a gente conhece, sobre a qual todos têm uma opinião. No Brasil ele é muito complexo e é visto de uma forma totalmente diferente do ponto de vista português. Quero fazer um filme que fale tanto de Portugal como do Brasil – e de outras culturas também. Isso é que é o bom de se fazer cinema, não temos a fórmula, temos de descobrir, investigar – cada projeto diz o seu próprio caminho.

Trailer.