A longa, que disputa a Palma de Ouro, retrata a vida do comandante do campo de concentração, Rudolf Hoss, e da sua família, numa confortável casa com um enorme jardim ao lado de Auschwitz.

Do outro lado do muro podem ver-se colunas de fumo e, ao fundo, ouvem-se tiros, gritos e insultos. Hoss trabalha demais, enquanto a sua esposa cuida da casa e do seu belo jardim.

As crianças, vestidas em algumas ocasiões como membros da Juventude Hitleriana, brincam com soldadinhos de chumbo e, em alguns momentos, com dentes humanos. Na obra cinematográfica, não há sequer um plano de violência. Tudo é indireto, sugerido, mas não por isso menos tenebroso.

"Até que ponto somos como eles"

A "zona de interesse" era a maneira como os nazis denominavam a área de aproximadamente 40km² à volta do enorme complexo de Auschwitz.

O filme é inspirado num romance do britânico Martin Amis, e foi rodado em alemão. Destaca-se a esposa do comandante, interpretada pela atriz Sandra Huller ("Toni Erdmann").

Quando Hoss é convocado pelo estado-maior alemão para assumir maiores responsabilidades, a sua esposa prefere ficar com as crianças naquela casa de ambiente esquizofrénico, em cujas janelas se refletem, às vezes, as chamas do enorme crematório, que funciona dia e noite.

Jonathan Glazer é judeu e explicou à AFP que há anos queria explorar esta "banalidade do mal", um termo que a filósofa e escritora Hannah Arendt tornou conhecido.

"Como conseguiam dormir? O que acontece se fecharem as cortinas e colocarem tampões nos ouvidos? Tudo tinha que ser minuciosamente calculado", explicou em entrevista.

O filme está a emergir como o grande sucesso do festival, com elogios quase unânimes.

Um "drama arrepiante do Holocausto como nenhum outro", descreveu a revista The Hollywood Reporter sobre o "filme audacioso", concluindo que Glazer "é incapaz de fazer um filme que seja nada menos que original".

A Variety diz que Glazer "entregou a primeira sensação instantânea do festival", descrevendo-o como "profundo, meditativo e envolvente, um filme que mantém a escuridão humana contra a luz e a examina como se estivesse sob um microscópio".

Os críticos franceses ficaram igualmente impressionados, com o jornal Le Figaro a chamar-lhe "um filme arrepiante com impacto vertiginoso" e o Liberation a dizer que poderá muito bem levar a Palma de Ouro para casa.

Glazer recebeu boas críticas com o filme "Debaixo da Pele" (2013), com Scarlett Johansson no papel de uma mulher extraterrestre implacável com os homens.

Outro filme seu, "Birth - O Mistério", com Nicole Kidman (2004), desestabilizava o telespectador com a história de uma mulher que acredita que o seu marido morto reencarnou num menino.

Glazer é conhecido por ter o seu próprio tempo para rodar uma longa. "Medito muito. Reflito muito sobre o que vou fazer, seja bom ou mau. Há muito ruído lá fora, não me interessa contribuir para isso", explica.

"Este tema em particular é um assunto vasto, profundo, e muito sensível por muitas razões, e não podia abordá-lo de forma casual", acrescentou.

Um dos mais famosos filmes de ficção sobre o Holocausto é a "Lista de Schindler". Foi rodado pelo também judeu Steven Spielberg, que levou décadas para enfrentar o tema.

No caso de Glazer, o catalizador foi o romance de Amis. "Permitiu-me ganhar a distância necessária perante facto de estar na mesma casa que o perpetrador" do genocídio, relata.

Após ler o livro, precisou de dois anos de pesquisas para escrever o guião. "O que motivava essas pessoas eram coisas familiares. Casas bonitas, belos jardins, filhos saudáveis, viver num lugar bonito", comenta.

"Até que ponto somos como eles? Seria terrível admitir isso. O que nos dá tanto medo de entender?", reflete.