A estrela mexicana Gael García Bernal passou pelo Festival de Cannes com duas missões: apresentar o filme histórico "Magalhães", dirigido por Lav Diaz, no qual interpreta o explorador português Fernão de Magalhães, e comemorar o 25.º aniversário de "Amor Cão", com o seu compatriota Alejandro González Iñárritu, que lançou a sua carreira.

Coproduzido pela portuguesa Rosa Filmes, com rodagem a passar por Portugal e Espanha, "Magalhães" foi exibido no domingo no âmbito da secção Cannes Première e reexamina a descoberta das Filipinas por exploradores europeus e questiona a existência de um herói da resistência nacional através do português que cruzou o Atlântico no início do século XVI em busca das riquezas do Extremo Oriente.

Magalhães, que foi patrocinado pela coroa espanhola, morreu aos 41 anos na Batalha de Mactán a 27 de abril de 1521, morto em combate por guerreiros alegadamente liderados por Lapu-Lapu.

"Ele é o primeiro europeu a conseguir pisar nas Filipinas. E, ao mesmo tempo, a conversão (ao Cristianismo) dos filipinos começou com ele", disse Diaz à France-Presse.

"E, claro, eventualmente a colonização."

"Magalhães"

France-Presse (AFP): É a primeira vez que interpreta uma figura histórica desta era de exploradores e conquistadores. Como se prepara um papel assim?

Gael García Bernal: O encontro entre Magalhães e o que hoje é chamado de Filipinas foi um encontro de curiosidade humana inata de ambos os lados. Eles não conseguiam acreditar que ele tinha sobrevivido à travessia do Pacífico, e os ilhéus perguntavam: 'De onde vêm estas casas flutuantes? Quem são vocês?'.

Todo esse encontro me parece incrível. É fundamental jogar com isto, levantar hipóteses diferentes, preencher as lacunas históricas, porque o que eles sentiam naquela época está documentado: tudo era através da fé.

Interpretar estas personagens é como entrar na lama da história. E também naquele estranho Portunhol que se falava naquela época, quando o castelhano e o português eram muito parecidos.

AFP: O realizador Lav Diaz avança a teoria de que o herói filipino que causou a morte de Magalhães na Batalha de Mactán nunca existiu. O que acha?

GGB: Bom, é para isso que serve o cinema, certo? Para gerar esse tipo de controvérsias. É uma pergunta muito válida, não se sabe se Lapu-Lapu existiu, ninguém nunca o viu. Sou mexicano e não podemos esquecer que a independência não foi suficiente para criar a nação do México; teve que haver uma revolução, 100 anos depois. E era preciso unificá-los [os mexicanos] com mitos.

Quando se vai a sítios arqueológicos, reconhecemo-nos e identificamo-nos com nós mesmos, assim como quando se vai a comunidades indígenas, sentimos que fazemos parte desse lugar, e é uma sensação belíssima que nos faz sentir bem-vindos. Mas não vemos a parte europeia. E uma coisa bonita que me aconteceu durante esta rodagem, quando estava no nau Victoria, no Guadalquivir, mesmo de onte partiram Magalhães e os seus homens. Houve um momento em que disse a mim mesmo: 'São também daqui os meus ancestrais, é daqui que venho'.

AFP: Havia uma ligação comercial entre o México e as Filipinas.

GGB: As Filipinas eram governadas pelo que era então o Vice-Reino da Nova Espanha, isto é, do [atual] México. Grande parte da rota de Acapulco a Vera Cruz foi colonizada por malaios, chineses e filipinos. É tudo muito louco.

"Amor Cão"

AFP: "Amor Cão" lançou-o para o estrelato em Cannes com apenas 19 anos. Outros atores que começam tão jovens muitas vezes têm dificuldades com a fama. Como sobreviveu a essa pressão, que conselhos daria a um jovem ator?

GGB: A fama é algo que nos acontece, não é o que és. E se tivesse que dar um conselho, seria: 'Lembra-te de que é o mundo que te vê como famoso'. É uma coisa inesperada e fantástica, mas é muito difícil no início, porque se tens um bom ambiente, sentes-te muito só. É verdade que durante essa fama juvenil houve momentos complicados. Mas hoje aprecio tanto, tanto o que perdura... E acho que "Amor Cão" tem uma vida própria, já não me pertence. Existe um 'eu' com 19 anos que está ali, que vive para sempre naquele filme.