
O realizador italiano Paolo Sorrentino espera que o seu último filme, que estreou na quarta-feira no Festival de Veneza, chame a atenção para o polémico tema da eutanásia, ao mesmo tempo que encoraja os que estão no poder a rejeitar a necessidade da certeza e a abraçar a dúvida.
"La Grazia", sobre um presidente italiano a braços com a indecisão sobre aprovar ou não um projeto de lei sobre a eutanásia, é o mais recente trabalho do realizador nascido em Nápoles, mais conhecido do público internacional por "A Grande Beleza" (2013), vencedor do Óscar de Melhor Filme Internacional.
"Remoer a dúvida e permitir que se transforme numa decisão é algo cada vez mais raro", disse Sorrentino aos jornalistas, horas antes de o seu filme dar início ao Festival Internacional de Cinema de Veneza, que dura 10 dias.
"Quis retratar um político que personifica uma ideia nobre da política, como acredito que ela deve ser e como muitas vezes não é", disse, acrescentando que hoje em dia muitos estão em "constante busca de certezas".
O 11.º filme de Sorrentino é o segundo com a temática da eutanásia a ser exibido em Veneza desde o ano passado, quando o cineasta espanhol Pedro Almodóvar ganhou o cobiçado Leão de Ouro por "O Quarto ao Lado".
Mas "La Grazia" distancia-se em tom e alcance, com o tema da eutanásia a ser utilizado para explorar a autoavaliação de um homem à medida que se aproxima do fim da sua vida e carreira.
Ainda assim, questionado em conferência de imprensa se esperava que o filme pudesse influenciar o debate sobre a eutanásia, Sorrentino respondeu: "Acho que o cinema pode tentar."
"Só posso esperar que um filme, neste caso o meu, possa trazer a atenção de volta para um tema que considero natural, mas que é fundamental, a eutanásia. Espero que sim."
Consequências morais

Parte história de amor, parte drama de tribunal, parte provocação à elite política italiana, o filme de Sorrentino é sobre encontrar a coragem para agir apesar da incerteza.
Um presidente fictício dos dias de hoje, Mariano de Santis (interpretado por Toni Servillo, ator recorrente na filmografia de Sorrentino), está a meses do fim do seu mandato presidencial, mas sob pressão da sua filha advogada (Anna Ferzetti) para assinar um projeto de lei sobre o fim da vida que legalizará a eutanásia.
Embora o viúvo católico, comedido e reflexivo, tenha reprimido muitas crises políticas no passado, vê-se frustrado pela sua incapacidade de tomar uma decisão sobre o projecto de lei sobre a eutanásia ou sobre dois pedidos de clemência em nome de assassinos condenados, recheados de consequências morais.
"Durante anos, pensei que os dilemas morais fossem um formidável motor narrativo, mais do que qualquer outra ferramenta narrativa normalmente utilizada no cinema", disse Sorrentino. "Daí surgiu a ideia de centralizar o filme num presidente da República."
A indecisão de De Santis é alimentada por demónios do passado em relação à sua falecida esposa, e a história de amor que permeia o filme fornece a sua base emocional.
O filme mais recente de Sorrentino é muito atual, tanto a nível político como social, na Itália católica, onde não existe uma lei nacional que garanta o direito à morte, mas existe um debate aceso a nível regional sobre a legalização do suicídio medicamente assistido.
Os espectadores de cinema em Itália também notarão ecos evidentes dos atuais moradores do Palácio do Quirinal, a sede presidencial do país — o presidente italiano Sergio Mattarella, viúvo, e a sua filha Laura, advogada, que é companheira constante.
Apesar da seriedade do tema, o filme está salpicado de toques deliciosamente surreais e participações especiais peculiares, características de Sorrentino.
O filme também evoca, por vezes, momentos famosos de "A Grande Beleza", como Servillo a olhar fixamente para a câmara no início do filme, ou a banda sonora pulsante de rap e techno.
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