"There Is No Evil" foi distinguido com Urso de Ouro, o prémio máximo do Festival de Cinema de Berlim.
Os prémios da 70ª edição, de forte caráter político, foram anunciados este sábado à tarde.
O júri presidido pelo ator britânico Jeremy Irons juntava a atriz francesa Bérénice Bejo, o ator italiano Luca Marinelli, a produtora alemã Bettina Brokemper, a cineasta palestiniana e poeta Annemarie Jacir, o cineasta americano Kenneth Lonergan e o cineasta brasileiro Kleber Mendonça Filho.
O discurso de aceitação do prémio ficou à responsabilidade da atriz Baran Rasoulof e dos produtores Farzad Pak e Kaveh Farnam porque o filme é de Mohammad Rasoulof, um dos mais importantes realizadores do Irão e perseguido pelo regime: está proibido de sair e filmar desde 2017 e nenhum dos seus trabalhos estreou no país.
Em julho de 2019, foi condenado pelo Tribunal Revolucionário a um ano de prisão e ficou impedido de sair do país durante dois anos e de participar em atividades políticas e sociais por causa do filme "A Man of Integrity" (2017), um drama sobre corrupção e injustiça na sociedade iraniana que ganhou o prémio "Un Certain Regard" no Festival de Cannes. O realizador apelou da decisão.
"Gostava que Mohammad estivesse aqui, mas infelizmente está proibido de deixar o território. Agradeço à equipa que pôs a vida em perigo para estar neste filme", disse o produtor Farzad Pak.
A pressão sobre o realizador não deverá diminuir: o novo filme agora premiado na Berlinale é uma antologia de duas horas e meia com quatro histórias sobre militares encarregues de aplicar a pena de morte, um tema tabu no Irão, vista pelos executores e pelas famílias das vítimas: a forma como lutam com as suas ações, lidam com as consequências e testemunham o impacto que isso tem nas pessoas que lhes são mais próximas.
Na conferência de imprensa posterior, o produtor conseguiu falar brevemente com o realizador por videoconferência no telemóvel.
"Quis falar sobre as pessoas que tomam decisões baseadas na pressão externa. Das pessoas que fogem da responsabilidade, mas que têm a possibilidade de dizer não" ao governo, disse Rasoulof.
Antes, o filme também fora distinguido com Prémio do Júri Ecuménico, que é independente do festival.
Não houve prémio oficial para "A Metamorfose dos Pássaros", de Catarina Vasconcelos, a única produção portuguesa no Festival, presente na nova secção competitiva paralela Encontros, mas foi distinguida na sexta-feira como a melhor pela Federação Internacional de Críticos (FIPRESCI).
A segunda distinção do palmarés de Berlim, o Urso de Prata Grande Prémio do Júri, foi para o filme preferido pela crítica, "Never Rarely Sometimes Always", de Eliza Hittman, um drama sobre o aborto após uma gravidez adolescente indesejada.
Trata-se da terceira longa-metragem desta realizadora norte-americana, após "It Felt Like Love" (2013) e "Beach Rats" (2017), que ganharam prémios em vários festivais e se tornaram títulos de culto.
O sul-coreano Hang Sang-soo foi premiado como melhor realizador pelo filme "The Woman Who Ran".
Nos prémios de interpretação, o Urso de Prata para Melhor Atriz foi para a Paula Beer por "Undine". A alemã tornou-se conhecida com "Frantz", de François Ozon, que lhe valeu um prémio no Festival de Veneza em 2016.
O prémio de Melhor Ator foi para Elio Germano por "Volevo nascondermi" (Itália). Trata-se de um dos maiores talentos do atual cinema italiano e já partilhou o prémio de Melhor Ator ex-aequo com Javier Bardem no Festival de Cannes de 2010 por "A Nossa Vida".
A fotografia do polémico "DAU. Natasha", considerado pornográfico na Rússia, foi recompensada pela sua "contribuição artística excecional".
O filme faz parte do projeto experimental monumental do russo Ilya Khrzhanovsky, que filmou durante dois anos 400 voluntários numa réplica de cidade científica soviética na Ucrânia.
Este ano não foi atribuído uma das homenagens mais emblemáticas da Berlinale, o Prémio Alfred Bauer, após a revelação do passado nazi do primeiro diretor do festival. No seu lugar surgiu o Urso de Prata Prémio Especial da 70ª Edição da Berlinale, que foi para "Effacer l'historique", da famosa dupla belga Benoît Delépine e Gustave Kervern.
A britânica Helen Mirren foi a homenageada do festival deste ano com o o Urso Honorário.
A nova direção do festival, integrada por Carlo Chatrian e Mariette Rissenbeek, substituiu nesta edição Dieter Kosslick, que esteve à frente do evento por 18 anos.
"Não foi uma rutura radical, e sim uma renovação minuciosa", avaliou a rede alemã ZDF, considerando que houve mais filmes experimentais em competição e menos cineastas de renome, apesar de a seleção ter sido "de nível muito elevado".
PRINCIPAL PALMARÉS
Urso de Ouro para Melhor Filme
"There Is No Evil", de Mohammad Rasoulof (Irão, Alemanha, República Checa)
Urso de Prata Grande Prémio do Júri
"Never Rarely Sometimes Always", de Eliza Hittman (EUA)
Urso de Prata para Melhor Realização
Hong Sang-soo por "Domangchin yeoja" ("The Woman Who Ran") (Coreia do Sul)
Urso de Prata para Melhor Atriz
Paula Beer por "Undine" (Alemanha/França)
Urso de Prata para Melhor Ator
Elio Germano por "Volevo nascondermi" (Itália)
Urso de Prata para Melhor Argumento
"Favolacce", dos irmãos D'Innocenzo (Itália, Suíça)
Urso de Prata para Extraordinária Contribuição Artística
Para Jürgen Jürges, pelo trabalho de fotografia de "DAU. Natasha", de Ilya Khrzhanovskiy e Jekaterina Oertel (Alemanha, Ucrânia, Grã-Bretanha, Rússia)
Urso de Prata Prémio Especial da 70ª Edição da Berlinale
"Effacer l'historique", de Benoît Delépine e Gustave Kervern (Bélgica, França)
Urso de Ouro para Melhor Curta-Metragem
"T", de Keisha Rae Witherspoon (EUA)
Comentários