"Estou apavorado", disse Jacques Audiard à France-Presse (AFP) durante uma entrevista em Los Angeles no final de outubro, pouco antes do lançamento limitado nos cinemas da América do Norte do seu musical surrealista "Emilia Pérez", sobre um traficante transgénero mexicano.
A estreia portuguesa é esta quinta-feira.
“O sucesso em massa é algo muito perturbador – não é a vida real”, acrescentou o realizador francês de 72 anos.
Com o seu filme favorito ao Óscar de Melhor Filme e bem contado para nomeações nas categorias de Melhor Atriz (Karla Sofía Gascón), Atriz Secundária (Zoe Saldaña) e Realização, Audiard viajará de um lado para o outro da França aos EUA nos próximos meses.
As campanhas modernas dos Óscares envolvem uma série de galas, conferências de imprensa, exibições e cerimónias de prémios menores, cada uma oferecendo oportunidades de contactar pessoalmente com os eleitores volúveis da Academia de Hollywood num mercado caro e muito povoado.
A Netflix, que passou a dominar o vital setor de streaming de Hollywood, mas ainda não ganhou o cobiçado Óscar de Melhor Filme, pretende usar todo o seu peso considerável para promover a décima longa metragem de Audiard, que comprou para os EUA, Canadá e Grã-Bretanha alguns dias após o sucesso da antestreia mundial no Festival de Cannes em maio.
A campanha promete ser muito mais intensa do que em 2010, quando "Um Profeta", de Audiard, foi nomeado para os Óscare numa categoria mais discreta, embora ainda de grande prestígio, de Melhor Filme internacional.
"É como passar de uma competição nas distritais para as Jogos Olímpicos", diz o realizador.
Uma revelação
"Emilia Pérez", vencedor do Prémio do Júri em Cannes e Melhor Atriz (coletivo, para Adriana Paz, Karla Sofía Gascón, Selena Gomez e Zoe Saldaña) é a história do arrependimento de Manitas (Gascón), um poderoso traficante mexicano.
Preso num mundo violento e machista, Manitas contrata uma advogada (Saldaña) para concretizar uma aspiração profunda e duradoura: tornar-se uma mulher, chamada Emilia.
Finalmente livre para ser ela mesma, Emilia inicia uma cruzada para ajudar as vítimas dos gangues do narcotráfico. Também retoma o contacto com a ex-esposa (Gomez) e os filhos, que acreditam que está morta, fazendo-se passar por uma familiar afastada.
Interpretando Manitas e Emilia, Karla Sofía Gascón está fortemente cotada para se tornar a primeira atriz abertamente transgénero nomeada ao Óscar.
Na verdade, Gascón moldou fortemente o papel. Audiard originalmente imaginou uma heroína mais jovem, mas ao conhecer a estrela espanhola que fez a transição aos 46 anos, rapidamente reformulou o argumento.
Uma personagem mais jovem não teria sofrido o suficiente para ser credível, contou à AFP.
“Tentei muito que funcionasse, mas não fazia sentido”, explicou.
Até que... “Quando a Karla Sofía apareceu, foi uma revelação. Foi como se a Virgem aparecesse diante de mim – foi tão evidente.”
E acrescenta: “Quando se faz a transição aos 46 anos, não consigo nem atrever-me a imaginar como era antes a experiência dela... qual era a sua vida e a sua dor?”
Esta epifania ajudou Audiard a dar mais substância à sua heroína transgénero, que foi inicialmente inspirada no romance "Ecoute", de Boris Razon.
Kitsch
Recorrendo ao estilo da ópera, "Emilia Pérez" é considerado um drama musical, mas está na encruzilhada de vários géneros - 'thriller' narcótico, telenovela latino-americana e drama LGBTQ, entre outros.
Esta combinação única foi, para Audiard, a maneira “óbvia” de abraçar a transição da sua heroína e as muitas facetas contraditórias da sua personalidade.
As armadilhas “kitsch” do filme abordam insolentemente questões sociais, como quando o coro canta o refrão “Rinoplastia! Vaginoplastia”, numa cena de dança que se passa num hospital, diz.
“Tive que absorver tudo. É um filme que deve ser embaraçoso”, conta Audiard. "Estamos a cantar sobre coisas que são improváveis."
Estes ingredientes improváveis combinaram-se para criar uma obra aclamada pela imprensa americana como uma das principais candidatas aos Óscares, com nomeações previstas para serem reveladas a 17 de janeiro. A cerimónia acontece a 2 de março.
O sucesso seria a coroação da premiada carreira de Audiard, na qual colocou repetidamente diversos 'outsiders' no centro dos seus filmes.
"Dheepan", que ganhou a Palma de Ouro de Cannes em 2015, acompanhou a vida de refugiados tamis num subúrbio de Paris.
Em 2012, "Ferrugem e Osso" acompanha uma treinadora de orcas que perdeu as pernas num acidente horrível. "Um Profeta" mergulhou no mundo da violência nas prisões.
“Sou uma pessoa curiosa. Sou fascinado por pessoas que são difíceis de categorizar”, resumiu.
VEJA O TRAILER DE "EMILIA PÉREZ".
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