A dupla inventou um rapaz de aparência indefesa, mas esperto, que os ajudou, em parte, a curar as feridas da vida.

"O Pequeno Nicolau" foi um sucesso imediato em França, enquanto no exterior tornou-se o companheiro essencial para gerações de crianças que aprendiam francês.

O processo criativo de "O Pequeno Nicolau" será revelado num documentário a estrear a 12 de outubro em França.

Sempé e Goscinny
créditos: AFP

"Petit Nicolas - Qu'est-ce qu'on attend pour être heureux?" é uma obra de Amandine Fredon e Benjamin Massoubre, que entrevistaram Sempé antes da sua morte.

Em junho, o documentário ganhou o Crystal d'Or no Festival de Animação de Annecy.

Através de imagens e depoimentos do cartunista, o documentário mostra uma França distante da imagem de cartão postal dos anos 1950.

Parceria com Goscinny

Goscinny, que também foi coautor de Astérix e argumentista do cartunista Morris (pai de Lucky Luke), conheceu Sempé em Paris em 1953.

Goscinny havia chegado à Argentina antes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) com os pais, num ambiente de crescente antissemitismo na Europa.

O Pequeno Nicolau

O argumentista sonhava em trabalhar nos estúdios Walt Disney e estabeleceu-se durante algum tempo nos Estados Unidos com essa ideia.

Mas acabou por desembarcar no seu país de origem. Quando encontrou Sempé já era um viajante experiente, mas as feridas da infância e da adolescência ainda estavam abertas.

Sempé nasceu numa família humilde em Bordéus. O seu padrasto espancava-o, a sua mãe era negligente. Ele fugiu então daquele ambiente em direção a Paris, com o seu caderno de desenhos debaixo do braço.

Sempé
créditos: AFP

A criação de "O Pequeno Nicolau" é "uma história de superação, de dois homens cuja infância foi roubada, um por causa da Shoah e outro pelas mãos de um padrasto abusivo", explicou à AFP Benjamin Massoubre, um dos correalizadores da animação, em Annecy.

A sua resposta foi criar uma personagem doce e um pouco rebelde.

"Goscinny era um viajante", explica Massoubre. Sempé era um provinciano que adorava jazz e que se sentia à vontade anónimo, numa Paris onde podia passear e desenhar os seus habitantes.

Os cineastas trabalharam em estreita colaboração com a filha de Goscinny, que lhes deu acesso aos arquivos do artista. E com Sempé conseguiram os primeiros esboços da personagem, cujos livros já venderam mais de 15 milhões de cópias.

"Para sermos fieis ao seu universo, começámos a organizar os seus desenhos por temas: os restaurantes, os bares, as árvores", explica Amandine Fredon. Esses desenhos permitiram aos poucos animar o documentário.

O traço extremamente simples de Sempé é enganoso, asseguram. "É muito difícil reproduzi-lo", reconhece a cineasta.

O filme torna-se, por coincidência do calendário, um adeus comovente ao artista.