Investidores do mercado financeiro gananciosos mergulham a economia global no caos, arruinando as classes trabalhadoras com impunidade: do cataclismo económico de 2008 emergiram filmes muitas vezes lucrativos e documentários premiados.

As crises financeiras "são sempre parecidas, de novo e de novo [...] Você e eu não podemos controlar, impedir ou retardar (...) Apenas reagimos. E se estiver certo, ganha muito dinheiro", resume Jeremy Irons em "Margin Call - O Dia Antes do Fim", onde interpreta o chefe de um banco de investimentos.

O filme, lançado em 2011, mostra o mundo implacável dos "traders" - interpretados por Kevin Spacey, Simon Baker e Demi Moore - levados a liquidar os ativos podres da sua empresa, causando falências em cadeia, com o objetivo de salvarem as suas peles.

Margin Call - O Dia Antes do Fim

A mesma amoralidade é exibida em "The Big Short", "A Queda de Wall Street" em Portugal, de 2015 - com um elenco de estrelas (Christian Bale, Steve Carell, Ryan Gosling, Brad Pitt) - que conta como a crise do "subprime" fez a fortuna de alguns investidores que anteciparam a falência do sistema financeiro.

"É um filme muito bom", diz o investidor Steve Eisman, que inspirou o personagem de Steve Carrell, em entrevista à AFP.

"Quanto à minha representação, ela não corresponde 100%. Eliminaram o meu sentido de humor e mostraram-me permanentemente irritado", acrescenta o homem que, ao apostar no colapso do mercado imobiliário americano, viu sua conta engordar de 700 milhões de dólares para 1,5 mil milhões durante a crise.

Michael Douglas em 'Wall Street' (1987)

Mostrar a inevitabilidade da crise

Ao contrário do emblemático "Wall Street" dos anos 80 de ritmo acelerado, estas obras "cheias de diálogo" distinguem-se pela calma das suas explicações e a sua aparente falta de julgamento, analisa Virginie Apiou, jornalista especializada em cinema.

"Este cinema americano explora as margens, mostra conversas e ações que nunca seriam mostradas de outra maneira. Revela o cinismo porque a transgressão está aí. Tudo é focado nessa provocação, extremamente arrepiante, de dizer 'existe uma crise, vamos aproveitar'", diz a especialista, entrevistada pela AFP.

Além disso, a inevitabilidade da crise não se manifesta apenas nos escritórios com vistas deslumbrantes de arranha-céus, mas também entre as suas vítimas, que podem passar para o lado dos carrascos para sobreviver, como retratado em "99 Casas", de 2014, um filme independente de Ramin Bahrani, vencedor do Grande Prémio do festival de Deauville.

Michael Shannon e Andrew Garfield em "99 Casas"

Ação fictícia

É entre os documentários que encontramos pistas sobre as causas e os responsáveis ​​pela crise. O vencedor do Óscar Inside Job - A Verdade da Crise (2010) , dirigido por Charles H. Ferguson, oprime o espectador, revelando a conivência entre investidores, políticos e académicos, conflitos de interesse, efeitos dominó e impunidade.

Inside Job

Raros trabalhos europeus sobre o assunto, "Cleveland versus Wall Street", prémio César de melhor documentário em 2011, traz uma ação fictícia entre a cidade de Cleveland e os banqueiros de Wall Street.

"Escolhi uma ação jurídica para tentar encontrar uma forma de verdade, mesmo que seja relativa e comovente, e contar essa história em Cleveland, uma cidade icónica da crise em que sua magnitude foi alucinante", explicou à AFP o diretor suíço Jean-Stéphane Bron.

O documentário "tomou o lugar do que deveria ter acontecido no mundo real e, nesse sentido, o cinema desempenha um papel, fez justiça", diz Bron.

Filmes rentáveis e premiados

De dimensão global, a crise de 2008 inspirou principalmente realizadores americanos. Na Europa, aparece no cinema social, explica o crítico Aurélien Ferenczi, da AFP.

"Individualmente alguns cineastas sentiram a responsabilidade de lidar com esse assunto", estima.

"O cinema mostra o mundo e a crise é o evento que, para muitos, abriu os olhos para os desvios do ultra-liberalismo", acrescenta.

Um dramaturgo italiano, Stefano Massini, também retomou a história da Lehman Brothers, desde a chegada aos Estados Unidos, em meados do século XIX, dos três irmãos, judeus bávaros, cuja pequena loja têxtil se desenvolveu para se tornar um dos principais símbolos de Wall Street.

Criada em Paris em 2013, depois apresentada na Itália, a sua peça "Lehman trilogy" está atualmente em cartaz em Londres, aclamada pela crítica.

Comercialmente, a maioria das produções de Hollywood sobre a crise foi lucrativa. "Margin Call" rendeu mais de cinco vezes o seu orçamento inicial (19,5 milhões de dólares para um orçamento 3,5 milhões, dados do Internet Movie Database).  "A Queda de Wall Street" rendeu quase cinco vezes mais do que o investido, 133 milhões para 28 milhões de orçamento,

Também obtiveram sucesso de crítica, como "99 Casas", que ganhou nada menos que 12 prémios, enquanto "A Queda de Wall Street" arrecadou o valioso Óscar de Melhor Argumento Adaptado.