"Estão dispostos a cancelar Tchekhov, Dostoiévski, Tolstoi e outros génios russos?", questionou o cineasta crítico do regime russo Kirill Serebrennikov, reconhecendo, no entanto, que percebe os ucranianos que estão descontentes com a sua presença no Festival de Cannes.

A sua apresentação na quarta-feira de "Tchaikovsky's Wife", na disputa pela Palma de Ouro, despertou críticas de representantes do cinema ucraniano, que pediram para "banir tudo o que é russo".

"Primeiramente, devo dizer que entendo por que dizem o que dizem. Entendo que estão numa situação terrível, que existem pessoas que perdem a vida, a casa. Para eles, é difícil até ouvir o idioma russo. Entendo muito bem", comentou o realizador de "Petrov's Flu" (2021).

"Mas banir tudo o que é russo seria um grande erro, e estou feliz que o festival tenha tomado a decisão certa", salientou.

No fim de março, a organização anunciou que proibiria os cineastas russos próximos do poder, mas que não fecharia as portas para os artistas críticos do regime do presidente Vladimir Putin, que ordenou a invasão à Ucrânia em 24 de fevereiro. Mais tarde, o delegado geral, Thierry Frémaux, indicou que a Ucrânia estaria "na mente de todos" durante a mostra, principalmente com vários filmes ucranianos programados.

"Não é justo"

Os atores russos Filipp Avdeyev, Odin Lund Biron e Alena Mikhailova com o realizador Kirill Serebrennikov

Serebrennikov, 52, aplaudiu a postura do Festival. "Estão dispostos a cancelar Tchekhov, Dostoievski, Tolstoi e outros génios russos? Não é justo rejeitar as pessoas por causa da sua nacionalidade", pontuou.

Conhecido pelas suas criações iconoclastas, o seu apoio à comunidade LGBT+ e a sua crítica indireta ao regime de Putin, Serebrennikov apresentou-se pela terceira vez em Cannes. Nas ocasiões anteriores, não pôde viajar até a cidade porque a Justiça russa o proibiu de deixar o território devido a um caso de desvio de fundos que, segundo os seus defensores, foi uma manobra política.

Sem ser um adversário ou dissidente frontal de Putin, Serebrennikov sempre denunciou a redução das liberdades e as guerras da Rússia fora das suas fronteiras, e participou de manifestações.

Denunciado em Cannes por representantes ucranianos que afirmam que "toda a sua carreira foi financiada pelo governo russo", Serebrennikov disse à AFP que o seu filme foi financiado "por empresas independentes russas" e "fundos europeus".

"Sou questionado sobre o papel de [Roman] Abramovich, proprietário de um dos fundos que financiaram o meu filme", disse Serebrennikov. Mas o oligarca russo "é alguém que ajudou muito os projetos de arte contemporânea, as ONGs, e alguém que esteve nas negociações entre a Ucrânia e a Rússia", observou.