Uma proeminente e respeitada atriz e ativista francesa reacendeu o debate sobre a discriminação contra os artistas LGBTQ na venerada indústria cinematográfica do país, onde a maioria dos papéis é atribuída a homens e mulheres heterossexuais.

"Conheço atores franceses gay. Mantêm a boca fechada" em relação à sua sexualidade, disse Muriel Robin, que é, há muito tempo, uma das atrizes mais populares do país, condecorada em 2010 com a Legião de Honra.

Com 68 anos, a atriz disse à televisão francesa no fim de semana que, apesar de décadas de espetáculos de teatro amplamente elogiados, os realizadores de cinema raramente lhe ofereceram papéis porque “sou a única atriz que revelou a minha homossexualidade”.

Nas raras aparições para o grande ecrã destacam-se "Marie-Line" (2000), que lhe valeu uma nomeação para Melhor Atriz nos César (os "Óscares" franceses), e as duas sequelas de uma das mais populares comédias da história do cinema francês, "Os Visitantes da Idade Média" (1998) e "Os Visitantes - A Revolução" (2016).

Em declarações que estão a ter bastante impacto na indústria, Muriel Robin disse que os atores abertamente LGBTQ nunca poderão ter carreiras relevantes porque “se és gay, não és desejável”.

Os que especificamente tentam singrar na representação “precisam ser informados de que não faz sentido tentar esta carreira”, disse.

"Não vão conseguir trabalho", notou.

Apenas alguns atores franceses de cinema se assumiram como LGBTQ nos últimos anos, nomeadamente Adèle Haenel, de 34 anos, conhecida por "Os Combatentes" e "Retrato da Rapariga em Chamas", que anunciou em maio de 2022 e reforçou um ano depois que ia abandonar a carreira no cinema devido à “complacência” da indústria em relação aos acusados de abuso sexual, como o ator Gérard Depardieu, o realizador Roman Polanski e o produtor e presidente do Centro Nacional de Cinema Dominique Boutonnat.

Muriel Robin citou a estrela de Hollywood Jodie Foster, que durante muito tempo manteve o silêncio sobre a sua homossexualidade.

O ator britânico Rupert Everett também falou várias vezes sobre as suas dificuldades em conseguir papéis por ser homossexual.

"Muito enraizado"

Adèle Haenel

Vários diretores de casting reconhecem que as alegações de Muriel Robin parecem verdadeiras.

Um relatório de 2022 do Coletivo 50/50, que milita pela igualdade de género na indústria audiovisual francesa, revelou que, para as personagens principais de cerca de 100 filmes franceses cuja sexualidade é conhecida, os gays ou bissexuais representavam apenas 5%.

Esses papéis são "fortemente estereotipados" e muitas vezes interpretados por atores que não são gays ou que não o dizem se o são.

"Não é uma conspiração. É apenas algo muito enraizado que nem sequer é pensado", disse o diretor de casting Stéphane Gaillard à France-Presse.

“Ainda hoje, os atores acham extremamente difícil revelar quem são”, acrescentou.

"Para uma pessoa heterossexual, desempenhar um papel gay acrescenta valor. Pode impulsionar uma carreira. Mas para alguém que é gay, significa correr o risco de lhe ser oferecido apenas um tipo de papel", salientou.

Sophie Laine Diodovic, diretora de casting ligada ao Coletivo 50/50, disse que as afirmações de Muriel Robin são particularmente verdadeiras para as grandes estrelas, “que devem ser sempre objetos de desejo”.

"Disseram-me que 'este aqui é demasiado gay'", recordou sobre um ator que não se encaixava no molde machista de Gerárd Depardieu ou Jean-Paul Belmondo.

Esta profissional da indústria diz que o cinema francês precisa de “uma desconstrução cultural da masculinidade”, vendo o progresso já com o surgimento de estrelas como Édouard Baer ou Timothée Chalamet, que dão um toque diferente à virilidade.

Para Dominique Besnehard, um agente de atores veterano e produtor, a entrevista de Muriel Robin poderá ter um efeito salutar, em particular, nos jovens atores, encorajando-os a insistir numa gama mais ampla de papéis.

“Ela fez uma coisa boa… Isto vai fazer as coisas andarem”, disse ele à BuzzTV.