"Iracema - Uma Transa Amazónica" é um filme sobre a Amazónia e a sua destruição, rodado em 1974, que mantém "uma estranha e triste atualidade", segundo o seu realizador, Jorge Bodanzky, que apresentará a obra em Lisboa, em outubro.
Integrado na programação anunciada pela Associação Cultural Appleton, "Iracema" é um 'docudrama', que fala do impacto da construção da estrada Transamazónica, no início dos anos de 1970, através do encontro de um camionista com uma jovem indígena, obrigada à prostituição.
"'Iracema' é de uma estranha e triste atualidade. Praticamente tudo o que o filme coloca está pior", disse o realizador Jorge Bodanzky, numa entrevista recente ao portal do Estado de Minas, no Brasil.
"A questão do desmatamento, a ocupação da terra, o trabalho escravo e a prostituição. Todos os temas do filme estão hoje mais complexos e maiores", acrescentou.
A construção da Transamazónica, inseria-se no contexto de progresso prometido pela ditadura militar (1964-1985), que via "a floresta como um atraso", e queria transformá-la num "mercado de expansão e lucro", como escreveu o jornalista e investigador Arthur Charles, da Universidade Federal do Amazonas.
Porém, em vez do desenvolvimento, prevaleceu a degradação da floresta e a desflorestação, ao longo dos cerca de 4.000 quilómetros concluídos (dos 5.000 previstos), mais de metade (2.200) nunca asfaltados.
"Retratar a Transamazónica, de maneira realista, em 1974, representou um grande risco", lê-se na abertura do filme. "As consequências foram anos de censura e de luta incessante para o fazer chegar ao público".
O filme foi produzido para a televisão pública alemã ZDF, e premiado em festivais internacionais, enquanto permanecia proibido no Brasil. Em 2015, a Associação Brasileira de Críticos de Cinema incluiu-o entre os 100 melhores filmes de sempre no país.
Hoje, "'Iracema' mostra uma realidade que permanece tão urgente, senão mais, quanto o era na época", escreve o realizador, na introdução à obra.
Em 2017, Jorge Bodanzky, que soma mais de três dezenas de filmes, sobretudo na área documental, regressou aos lugares de "Iracema", para filmar "Transamazónica, Uma Estrada para o Passado", e dar voz às "pessoas que viveram a experiência da promessa e da negligência".
"Iracema - Uma Transa Amazónica" vai ser projetado em Lisboa, em 11 de outubro, no fecho do "Ciclo da Cobra" da Associação Cultural Appleton, estando prevista a presença do cineasta, que dirigiu o filme com o escritor Orlando Senna, e do antropólogo Beto Veríssimo, do núcleo fundador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazónia (Imazon), num debate com os realizadores Moreira Salles ("Central do Brasil") e Helvécio Martins Jr. ("Querência").
O Ciclo da Cobra, organizado pelo fotógrafo André Cepeda, inclui a instalação "Evocar a Língua", de Marta Mateus, a exposição "The Frame", do fotógrafo sueco JH Engström, e concertos do francês Jean Jacques Palix e do ‘rapper’ luso-guineense Allen Halloween.
O Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) da Amazónia, desenvolvido pelo Imazon, identificou, no final de agosto, o aumento "de 922 quilómetros quadrados" de "florestas degradadas" na região, mais 675% do que em agosto de 2018, segundo os dados publicados na última quinta-feira.
Em termos de desflorestação, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil (INPE) anunciou ter havido um aumento de 222% em agosto deste ano (menos 1.698 quilómetros quadrados de vegetação), em relação ao mesmo mês de 2018. Em julho, a perda situara-se em 2.254 quilómetros quadrados.
A degradação da floresta corresponde a perda de espécies e funções, mas não à sua destruição total, havendo ainda possibilidade de recuperação. A desflorestação representa perda total.
Os dois fenómenos estão diretamente associados aos incêndios na Amazónia, que aumentaram exponencialmente desde janeiro.
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