O cineasta Martin Scorsese, vencedor do Óscar por "The Departed" e com clássicos como "Taxi Driver", "O Touro Enraivecido" e "Tudo Bons Rapazes", escreveu esta semana uma coluna de opinião no jornal americano The New York Times, na qual argumentou que os filmes de super-heróis de grande sucesso não possuem a sensação de risco, mistério e complexidade de personagens que são vitais para a “arte do cinema".

"Os filmes da Marvel são o resultado de pesquisas de mercado, testes com o público, para serem examinados, modificados, revestidos e remodelados até que estejam prontos para o consumo”, escreveu.

“Eles carecem de algo essencial sobre o cinema: a visão unificadora de um artista individual”, acrescentou Scorsese, alimentando a polémica que iniciou em entrevista à revista britânica Empire no início de outubro.

Realizadores famosos como Francis Ford Coppola, Ken Loach e Fernando Meirelles apoiaram Scorsese. Coppola até descreveu a lucrativa saga da Marvel como “insignificante”.

Alguns dos principais críticos de Hollywood também apoiaram a posição do cineasta.

“Scorsese é basicamente um climatologista de filmes, sinalizando uma mudança sinistra que todos podemos ver com os nossos próprios olhos”, escreveu David Ehrlich, crítico de cinema de Indiewire, que acrescentou "Estou feliz que tenha dito isto, estou triste que tenha tido que fazer isto”.

No entanto, a rejeição da saga mais importante do cinema atual provocou um debate em Hollywood sobre o que é “arte” no género e quem pode defini-la, principalmente porque Scorsese admitiu que “tentou ver apenas alguns” dos filmes da Marvel e não conseguiu.

“Não se pode descartar todo um género como não cinematográfico sem assistir aos filmes”, rebateu Tom Nunan, produtor vencedor de um Óscar e professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), referindo-se à rejeição também sofrida por sucessos como “Tubarão” e “A Guerra nas Estrelas” por parte de alguns cineastas quando chegaram aos cinemas.

"Mas ninguém teve a audácia de acusar os filmes de grande sucesso de não serem cinema", afirmou.

Deus do cinema?

Bog Iger, CEO da Disney, proprietária da Marvel, disse no mês anterior que os comentários de Scorsese eram “muito desrespeitosos para com todas as pessoas que trabalharam nesses filmes”.

“Ninguém que assistiu a um filme da Marvel pode fazer essa afirmação”, acrescentou Iger posteriormente em declarações à BBC.

Natalie Portman, que já apareceu em vários filmes da Marvel e estará no próximo “Thor”, disse ao The Hollywood Reporter que “não há uma forma única de fazer arte”.

Um exército de fãs obcecados pela Marvel extravasou a sua fúria nas redes sociais com inúmeras mensagens que chamavam o cineasta de elitista.

O professor da Universidade do Sul da Califórnia, Gene Del Vecchio, considerou a posição de Scorsese a “reação da velha escola de Hollywood”.

“Os cineastas de hoje mudaram, a arte expandiu-se”, explicou, acrescentando que acredita que os gostos do público se expandiram e que géneros como ficção científica e fantasia são mais aceites nos nossos dias.

"Mas a velha guarda tem uma visão muito mais restrita da arte”, disse à agência AFP.

A polémica não é ajudada pela estreia de "O Irlandês", o drama de "gangsters" de 160 milhões de dólares de Scorsese para a gigante do "streaming" Netflix.

No seu editorial, o realizador afirma que a sua posição sobre a Marvel era importante porque as produções de super-heróis estavam a deixar outros filmes fora dos cinemas.

“O Irlandês” estará em cartaz nos EUA apenas 26 dias, um tempo relativamente curto antes de passar exclusivamente para a plataforma Netflix.

Em comparação, “Vingadores: Endgame” permaneceu nos cinemas durante quatro meses.

“Gostaria que o filme fosse exibido nos cinemas durante mais tempo? Claro que sim”, disse o cineasta, uma posição que Tom Nunan chama de “hipócrita”.

“Quando é que foi que ele se tornou o Deus do cinema? Ele tem negócios com a mesma empresa que muitas pessoas acusam de estar a destruir o cinema”, concluiu Nunan.