Anunciado oficialmente a 21 de agosto de 2019 e depois do mais absoluto sigilo que rodeou a produção, "Matrix Resurrections" chega finalmente aos cinemas esta quarta-feira: Keanu Reves e Carrie-Anne Moss voltam a ser Neo e Trinity depois do que se julgava ser o fim da guerra entre humanos e máquinas em "Matrix Revolutions" (2003).

LEIA AQUI A CRÍTICA.

O novo título assume uma sonoridade semelhante ao das duas sequelas anteriores, mas é apenas assinado por apenas uma das suas autoras, Lana Wachowski, no seu primeiro filme a solo após uma carreira em dupla com a irmã, Lilly Wachowski, em vários filmes e na série da Netflix "Sense8".

O elenco traz de volta alguns dos principais atores da saga iniciada com “Matrix” em 1999, como Lambert Wilson, Jada-Pinket Smith e Daniel Bernhardt, acrescentando Yahya Abdul-Mateen II, Jonathan Groff, Priyanka Chopra Jonas, Jessica Henwick, Toby Onwumere, Neil Patrick Harris, Christina Ricci e vários atores de "Sense 8"", mas as atenções voltarão a estar em Keanu Reeves e Carrie-Anne Moss e nas explicações que "Matrix Resurrections" apresentará para o seu regresso depois do seu sacrifício no terceiro filme para salvar a humanidade.

Apesar das duas sequelas não terem sido tão bem recebidas, "Matrix", que ganhou quatro Óscares, permanece um clássico e um dos títulos mais originais da história do cinema, causando grande sensação ao introduzir noções como o metaverso, ou pelos seus efeitos especiais, que conseguiram "desacelerar" o tempo ao redor dos personagens.

Tudo começava com Thomas Anderson (Reeves), um jovem programador que fora das horas de serviço era conhecido por Neo e era um 'hacker' que nas suas buscas informáticas perseguia a Matrix e um personagem que dava pelo nome de Morpheus (Laurence Fishburne). A esperança de encontrar as respostas que procurava levavam-no a um ponto em que a sua vida nunca mais seria a mesma.

A saga foi uma mistura ousada de mitos eternos, como o do herói predestinado a salvar a humanidade, com teorias inéditas, como a de uma realidade inexistente, composta por códigos de computador infinitos. O resultado do primeiro filme revolucionou a indústria dos efeitos especiais, inspirou imitações, debates religiosos e filosóficos, e influenciou videojogos, desenhos animados, bandas desenhadas e outras áreas da cultura popular.

Alguns fãs consideram que "Matrix" previu o século XXI, por exemplo, ao descrever o controle das relações sociais por gigantes como o Facebook. E há algumas semanas, a rede social de Mark Zuckerberg anunciou uma alteração para o Metaverso, um universo virtual para o qual espera arrastar milhões de clientes...

Novo "Matrix" demorou a chegar

Matrix (1999)

"Matrix" narrava a história de um grupo de rebeldes que lutam contra a matriz, controlada por Inteligência Artificial, para libertar os seres humanos.

Entretanto, este novo capítulo de 2021 mostra Neo como um criador de jogos na Califórnia. O seu passado parece enterrado, exceto por alguns pesadelos repetitivos.

O novo filme concretiza um desejo antigo do estúdio Warner Bros.

Oito anos após o terceiro filme, em 2011, Keanu Reeves comentou que uma nova trilogia estava a ser preparada e mais tarde o produtor Joel Silver chegou a antecipar que o primeiro filme chegaria em... 2017.

Em Hollywood, a carreira das irmãs Wachowski nunca voltou a ter o mesmo sucesso depois da saga com Neo, Trinity e Morpheus, e vários dos seus outros projetos foram fracassos junto da crítica e do público. A série "Sense 8" foi também cancelada após duas temporadas. Em particular, muitos em Hollywood acreditaram que nenhum estúdio voltará a colocar tanto dinheiro nas mãos da dupla depois do grande fracasso de bilheteira de "Ascensão de Júpiter", com Channing Tatum e Mila Kunis (2015).

Em 2017, as notícias sobre o futuro de "Matrix" no cinema intensificaram-se: o estúdio Warner Bros estaria a pensar criar um laboratório de argumentistas para perceber a melhor forma de relançar a saga e a cobiçar para protagonista Michael B. Jordan ("Creed", "Black Panther"). Neste cenário, as realizadoras potencialmente apenas teriam um papel periférico para apaziguar os fãs.

Segundo a imprensa especializada, existiam duas fações no estúdio: a dos que viam "Matrix" como um título intocável, ao jeito de "Casablanca", e os que viam uma saga que rendeu 1,8 mil milhões de dólares só no cinema e ainda com grande potencial de exploração, quando Hollywood procura formas de rentabilizar o passado e os seus produtos mais reconhecíveis pelo grande público.

Pelo caminho, teriam ficado outros planos, como o de uma série de televisão inspirada pelo que a Disney e a Lucasfilm estavam a fazer com a Marvel e "Star Wars", em especial com histórias alternativas no universo como "Rogue One" e "Han Solo".

"O que é Matrix"? Uma alegoria sobre ser transgénero

Lilly e Lana Wachowski

Entre o lançamento de "Bound - Sem Limites" (1996) e "Speed Racer" (2008), passando pela trilogia "Matrix" que mudou as suas carreiras, Andy e Larry Wachowski formaram uma dupla de cineastas que deixou a sua marca na Sétima Arte com a assinatura de "irmãos Wachowski".

Em 2012, após alguns anos de rumores, Larry Wachowski assumiu que era transgénero e fez a transição para Lana Wachowski, nome que já apareceu ao lado do irmão Andy Wachowski nos créditos dos filmes "Cloud Atlas" (2012), surgindo simplesmente como 'The Wachowskis' em "Ascensão de Júpiter".

Em 2016, foi a vez do irmão Andy assumir a sua transição e passar a chamar-se Lilly Wachowski.

Este processo fez com que alguns fãs começassem a notar temas transgénero em "Matrix": o facto de Thomas Anderson (Keanu Reeves) sentir que algo não estava bem no mundo onde vivia foi comparado a "disforia de género"; a sua transição para Neo; a pílula vermelha oferecida por Morpheus (Lawrence Fishburne) a simbolizar as hormonas de estrogénio.

Em agosto de 2020, Lilly Wachowski confirmou que a saga era uma alegoria sobre ser trangénero e o desejo de transformação, mas de um ponto de vista "dentro do armário".

Em declarações ao Netflix Film Club, a realizadora esclareceu que que as irmãs usaram a ficção científica como uma forma de explicar o que sentiam: "Estávamos a existir num lugar onde as palavras não existiam, portanto estávamos sempre a viver num mundo de imaginação".

"Estou contente por se ter percebido que essa era a intenção original. O mundo ainda não estava pronto para isso. O mundo corporativo não estava pronto para isso", acrescentava.

Belinda McClory (Switch)

Lilly Wachowski também confirmou que a intenção original era que a personagem Switch fosse de género fluído, um homem no mundo aparentemente real e uma mulher na Matrix, mas a ideia foi rejeitada pelo estúdio.

Houve quem percebesse logo as alegorias e agradecesse às irmãs Wachowski: "Agora como estes filmes são para as pessoas transgénero e a forma como vêm ter comigo e dizem 'Estes filmes salvaram a minha vida'".

"Bullet time"

A sequência de Neo no topo de um arranha-céus, lutando contra os vilões, inclinado de forma inverossímil enquanto as balas passam lentamente próximas ao seu corpo, é uma das mais famosas do primeiro "Matrix" - uma proeza visual imitada em várias megaproduções.

A câmara movimentava-se livremente ao redor dos personagens imóveis, um efeito especial conhecido como "bullet time", recorda Dominique Vidal, da empresa francesa de efeitos especiais Buf, que trabalhou em três dos quatro filmes da saga.

Em "Matrix", a ideia foi aplicar a nova técnica às cenas de combate, o que exigiu muitos recursos, pois a mesma cena precisava ser filmada simultaneamente, a partir de dezenas de pontos de vista diferentes.

"Matrix" também introduziu uma teoria de ficção científica que, com o passar dos anos, ganhou ramificações inesperadas: a ideia de que a realidade que nos cerca é simulada, um código de computador que é criado e recriado de forma incessante, com infinitos milhões de letras e números que apenas alguns "escolhidos" são capazes de ver.

Muitas recusas antes da escolha do "espantoso" Keanu Reeves

Antes de Keanu Reeves conseguir um jackpot, relançando a carreira e abrino caminho para rechear a conta bancária com as sequelas e garantir a imortalidade no cinema, a primeira escolha para ser Neo foi, famosamente, Will Smith, e o seu "não" é um dos mais lendários na história de Hollywood.

Em fevereiro de 2019, o ator reconheceu num vídeo que, em retrospetiva, a decisão foi péssima, mas deu uma justificação muito racional.

O ator começou por recordar o momento em que se tornou uma mega-estrela graças a "O Dia da Independência" (1996) e como quase cometeu outro grande erro ao recusar "MIB: Homens de Negro" porque não queria ser conhecido como "o tipo dos filmes de extraterrestres" antes de Steven Spielberg o fazer mudar de ideias.

Após esse filme, outro sucesso estrondoso, todos queriam trabalhar com Will Smith. O inevitável encontro com os (então) irmãos Andy e Larry Wachowski foi em 1998.

"Eles vieram e só tinham feito tipo um filme – acho que se chamava 'Bound' – e fizeram uma apresentação para 'Matrix'. E como se constata, eles são génios, mas existe uma linha ténue numa apresentação entre génios e a minha experiência no encontro", explicou.

A seguir, Will Smith recriou, até ao pormenor do boné ao contrário, a proposta que ouviu: "Meu, estamos a pensar tipo, imagina que estás numa luta, e então tu, tipo, saltas. Imagina que podias parar de saltar a meio do salto. Mas então as pessoas podiam ver à tua volta 360 [graus] enquanto estás a saltar, enquanto estás a parar de saltar. E então, nós vamos inventar estas câmaras e então as pessoas podem ver todo o salto enquanto estás a parar a meio do salto".

Depois desta exposição do projeto, uma descrição muito primitiva do que viria a ser o "bullet time", o ator brincou: "Portanto, fiz o 'Wild Wild West'".

O vídeo mostrava-o com ar comprometido antes de reconhecer que não estava orgulhoso do bizarro e ridicularizado "western" que fez com Kevin Kline, que foi um desastre colossal de bilheteira.

No entanto, ele garante que teria sido um filme diferente e Keanu Reeves e Laurence Fishburne foram "perfeitos".

"Se o tivesse feito, porque sou negro, então o Morpheus não teria sido negro, porque estavam interessados no Val Kilmer... provavelmente eu teria estragado 'Matrix', portanto fiz-vos um favor a todos!", rematou.

Will Smith num vídeo paródia

Em 2019, com o aniversário dos 20 anos, o produtor Lorenzo Di Bonaventura contou que outros nomes podiam ter sido Neo pois o estúdio queria mesmo uma grande estrela para compensar a falta de experiência dos realizadores.

"Fomos a tantas pessoas que nem me lembro. Estávamos a fizer desesperados. Fomos à Sandy [Sandy] Bullock e dissemos 'Vamos mudar o Neo para uma rapariga'. [O produtor] Joel Silver e eu trabalhámos com a Sandy em 'Homem Demolidor' e ela era e continua a ser uma boa amiga minha. Era bastante simples. Enviámos-lhe o argumento para ver se estava interessada. E se estivesse tentaríamos fazer a mudança", recordou.

O produtor também comentou que, na maioria das vezes, o processo de "casting" acaba conduzir à escolha certa. O que, no caso de "Matrix", demorou bastante tempo.

O produtor indicou que Brad Pitt foi o primeiro a dizer que sim e depois recuar por estar extremamente cansado após a rodagem de "Sete Anos no Tibete". O ator confirmou a recusa em janeiro de 2020: "Tomei o comprimido vermelho" (uma referência ao que foi tomado por Neo, interpretado por Keanu Reeves, para conhecer a verdade sobre a Matrix).

A seguir, Leonardo DiCaprio também aceitou, mas acabou por dizer que não podia fazer outro filme de efeitos visuais logo a seguir a "Titanic". Outras recusas vieram de Arnold Schwarzeneger e Michael Douglas.

"A boa notícia foi, o Keanu disse sim e ele foi espantoso", concluiu.

VEJA O TRAILER DE "MATRIX RESSURECTIONS".

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