O mundo, em toda a sua grandeza caótica, retira-nos o tapete debaixo dos nossos pés quando menos esperamos, justapõe eventos e acontecimentos, à partida, incompatíveis. Na passada sexta-feira foi assim.
Estar à porta do Musicbox, prestes a assistir ao concerto dos Pista, ao mesmo tempo que a torrente de informação via Twitter ia pincelando o quadro de horrores do que se passara em Paris, fez-me pensar duas vezes em entregar-me à folia, ainda por cima tendo em conta que um dos locais atacados fora uma sala de concertos. Acabei por sacudir os ombros e entrei. Foi a melhor coisa que podia ter feito.
A impotência engolida em seco foi sendo substituída por uma febril e incontrolável alegria ao longo de pouco mais de uma hora de concerto, sem qualquer sentimento de culpa acrescido. A verdade é que o que os Pista fazem não é nada fácil, poucos conseguem criar música tão feliz sem tornarem-na sensaborona, irritante ou cínica.
O conceito de base é simples, às batidas tropicais da bateria de Bruno Afonso juntam-se duas guitarras: a de Ernesto Silva providencia o suporte rítmico para que a de Cláudio Fernandes possa serpentear com notas efervescentes em rápida sucessão. Basta isto, para que se crie rock desarmante e potencialmente perigoso para quem não goste de dançar.
Não obstante as tragédias em França, o que se queria nesta noite era uma celebração pelo lançamento de "Bamboleio". Esse intuito foi denunciado pela vasta lista de convidados, dos quais constou um forte contingente do Barreiro. Não é que os Pista sozinhos não dessem conta do trabalho, mas as participações deram um travo especial ao espetáculo e foi logo em "Bamboleio", precedida da fulgurante abertura de "Ar de Inverno", que o primeiro convidado, Óscar Silva, mais conhecido por Jibóia, subiu ao palco para contribuir com os seus exotismos sónicos.
O concerto foi seguindo mais ou menos o alinhamento do disco, mas com algumas surpresas. "Campipraia", tema novo, foi estreado no Musicbox, contando com a energia inesgotável de Alex D'Alva Teixeira ao microfone, ele que também emprestou a sua voz a "A Tal Tropical" e "Sal Mão". Esta última canção, aliás, foi um dos sucessos precoces da noite, com Nick Nicotine (nas castanholas) e Benjamin (nos teclados) a juntarem-se à festa. Outro momento de destaque foi a sequência de "Puxa", êxito infeccioso que vem borbulhando desde o EP, e "Bum Bomba", com os sempre deliciosamente obscenos Bro-X a tomarem o palco de assalto com dicas geniais de tão idiotas.
Pedalando em movimentos rápidos para o fim, "Primeira" retomou a normalidade depois do devaneio chungirónico, para dar lugar a outro dos mais fortes momentos da noite. Saindo um pouco da matriz tropico-festiva dos Pista, "Queraute", com a sua exploração mais próxima do kraut (queraute?) rock, deve ter estabelecido algum tipo de recorde, numa fase onde já se encontravam seis guitarristas em palco e Ernesto intercalava ritmos com Ricardo Martins num duelo de bateristas. Teria sido um final perfeito, mas as hostes clamavam por mais Pista. A resposta foi dada num encore de "Puxa", ainda mais intenso, mostrando que, ao contrário do Lance Armstrong, os Pista não precisam de doping para terminar em beleza e também que os têm no sítio. Fora de brincadeiras, a verdade é que quando as canções são boas, não cansam. É como pedalar por gosto, não é?
Foto @Vera Marmelo
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