Esta obra, como o escritor admitiu em Óbidos, no passado sábado, pode ser o seu último livro sobre a realidade histórica angolana, país que acredita ter entrado num novo ciclo, apesar de a corrupção ainda ser um problema.

“Este livro é capaz de ser mesmo o último [sobre a história contemporânea de Angola], porque está a ser muito difícil gerir o pós-escrita”, afirmou o escritor angolano Pepetela, no Folio - Festival Literário Internacional de Óbidos, que encerra no próximo domingo.

A narrativa do romance aborda as conturbadas últimas décadas de um país africano, recordadas pelo seu presidente defunto, deitado num caixão forrado a cetim branco, num enorme salão cheio de flores, e que, apesar de morto, vê, ouve e pensa.

“Vê os que lhe foram prestar uma última homenagem (ou certificar-se de que morreu), ouve as suas conversas e sussurros, e pensa… Pensa muito, sobre tudo o que o rodeia, em como chegou àquela situação e no que se lhe seguirá. Assim estirado, aprisionado num corpo sem vida, mas na posse das suas faculdades intelectuais, só lhe resta entreter-se a recordar as peripécias vividas com muitos dos que lhe vieram dizer adeus, entre os quais se encontram diversos familiares, a primeira-dama (e as outras mulheres e namoradas), os numerosos filhos e as altas dignidades do Estado”, refere a editora portuguesa sobre a obra em comunicado.

“Ao relembrar a sua vida, o percurso que o levou a presidente e os muitos anos como chefe de Estado, vai-nos revelando os meandros do poder político, o nepotismo que o corrói e os vários abusos permitidos a quem o detém”, acrescentam as Publicações D. Quixote, na apresentação da obra.

Em Óbidos, Pepetela, nascido há 76 anos em Benguela, no sudoeste de Angola, afirmou que este foi, “de todos [os seus] livros, o mais difícil de escrever”, tendo demorado “seis anos” a fazê-lo.

As memórias da “excelência” são para o autor o pretexto para relatar os meandros do poder político, no que poderá ser “num local indeterminado de uma qualquer nação africana”.

Pepetela considerou que o livro é “uma realidade bastante geral”, em que nenhuma das personagens “corresponde realmente a qualquer pessoa”. É, no entanto, “capaz de ser uma ajuda para fechar aquele ciclo”, no país, na escrita do autor que prometeu dedicar-se a “livros mais pequenos, com mais ficção e menos personagens”.

Até porque, disse Pepetela, Angola “está diferente", desde que, “de há um ano para cá, a esperança renasceu e claramente há mudanças”.

Pepetela é o escritor homenageado este ano no festival literário Escritaria, em Penafiel, no âmbito do qual realiza várias visitas a escolas locais.

Na sexta-feira à noite, o professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e da Universidade Católica Portuguesa José Carlos Seabra Pereira vai apresentar “Sua Excelência, de Corpo Presente”.

Pepetela é o pseudónimo literário de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, que foi guerrilheiro do MPLA, político e governante.

Licenciado em Sociologia, pela Universidade de Argel, durante o seu exílio político, foi professor na Universidade Agostinho Neto, em Luanda, e dirigiu diversas associações culturais, designadamente, a União de Escritores Angolanos e a Associação Cultural Recreativa Chá de Caxinde.

Em 1997, Pepetela foi distinguido com Prémio Camões.