O escritor britânico John Le Carré, um dos mais importantes autores de romances de espionagem de sempre, morreu este sábado à noite aos 89 anos, confirmou a sua agência no Twitter.

Entre as suas obras mais célebres estão "O Espião que Saiu do Frio", "A Toupeira" ou "O Gerente da Noite", que lhe valeram o sucesso junto da crítica e do público.

"É com uma enorme tristeza que tenho de partilhar a notícia de que David Cornwell, conhecido para o mundo como John Le Carré, faleceu após uma curta doença (sem relação com a COVID-19) na Cornualha, no sábado à noite", pode ler-se no comunicado do CEO da agência Curtis Brown, Jonny Geller. A família de Le Carré já confirmou que o escritor morreu vítima de uma pneumonia.

"Os nossos pensamentos estão com os seus quatro filhos, as suas famílias e com a sua querida mulher Jane", escreve Jonny Geller.

O comunicado avança, descrevendo o escritor como um "gigante incontestável da literatura britânica" e acrescenta que "ele definiu a era da Guerra Fria e destemidamente combateu o poder pela palavra nas décadas que se seguiram".

"O seu trabalho foi lido e amado por todo o mundo durante seis décadas. O seu terceiro romance, 'O Espião que Saiu do Frio', em 1963, tornou-o no escritor de espionagem mais famoso do mundo. A sua melhor personagem - George Smiley - apareceu em vários livros, incluindo 'A Toupeira' e 'A Gente de Smiley'", pode ler-se.

Jonny Geller lamenta a perda de "um mentor, uma inspiração e, mais importante que tudo, de um amigo".

O espião que se tornou escritor e fez brilhar o género

Antes de se tornar escritor, trabalhou para os serviços de inteligência britânicos, levando a sua experiência pessoal para a ficção em obras como "Chamada para a Morte", "A Rapariga do Tambor", "O Fiel Jardineiro", "Guerra de Espelhos", “A Toupeira” ou “O Espião que Saiu do Frio” – um dos mais conhecidos - de um total de 25 obras publicadas em Portugal desde os anos 1960 por várias editoras.

Com uma prosa lírica e concisa, Le Carré conseguiu fundir a complexidade da espionagem na ficção literária, reunindo os ingredientes da traição, o compromisso moral e o preço a pagar por uma vida secreta, que captavam o interesse dos leitores.

Para Le Carré, o mundo da espionagem "era uma metáfora para a condição humana", comentou a escritora Margaret Atwood na rede social Twitter, acrescentando que a sua obra é fundamental para conhecer os meados do século XX.

Também o escritor Stephen King lamentou o desaparecimento do autor, descrevendo-o como "um gigante literário e um espírito humanitário".

Nascido David John Moore Cornwell, em Poole, Inglaterra, a 19 de outubro de 1931, teve uma educação de classe média alta, frequentando a escola privada de Sherborne, estudou literatura alemã durante um ano, literaturas modernas na Universidade de Oxford, e fez o serviço militar obrigatório na Áustria, onde interrogava desertores dos países de leste.

A vida familiar foi bastante instável, já que o pai se associou a mafiosos e passou algum tempo na cadeia por fraude, enquanto a mãe abandonou a família quando David tinha apenas cinco anos, só vindo a contactá-la novamente aos 21 anos.

Esta incerteza e experiências extremas constantes levaram a que desenvolvesse uma consciência elevada sobre a superfície e a realidade da vida, e uma familiaridade com o secretismo que lhe foi útil para o futuro profissional.

Oficialmente trabalhava como diplomata, mas na realidade esse lugar era um disfarce, já que foi um operacional dos serviços secretos britânicos, trabalhando na Alemanha, durante a Guerra Fria.

A sua carreira como agente secreto terminou quando o duplo agente britânico Kim Philby revelou quem era ao KGB, obrigando-o a terminar o trabalho para o MI16.

Como os primeiros livros foram escritos quando já trabalhava como espião, os superiores exigiram que usasse um pseudónimo para não ser reconhecido, e escolheu o apelido francês Le Carré simplesmente porque - dizia - gostava da “sonoridade vagamente misteriosa das palavras”.

Muitos dos seus livros desenvolvem a sua ação no contexto da Guerra Fria. O final da Guerra Fria levou o autor a modernizar os temas dos seus romances, assim e introduzir nas suas obras temáticas como o terrorismo islâmico, o desmembramento da União Soviética, a política dos Estados Unidos da América no Panamá e as manobras obscuras da indústria farmacêutica em África.

Em 1998, Le Carré recebeu o título de Doutor em Letras honoris causa da Universidade de Bath. Em 2008, o jornal The Times colocou-o em 22º lugar na lista dos "Os 50 maiores escritores britânicos desde 1945". Em 2011, o autor recebeu a Medalha Goethe do Instituto Goethe e em 2012, foi distinguido com o grau de Doutor em Letras honoris causa pela Universidade de Oxford.

Em 2017 trouxe de volta à vida a personagem de George Smiley, presente em vários dos seus livros, na obra "Um Legado de Espiões", que acompanhava Smiley e um colega a serem interrogados por uma "geração sem memória ou paciência para as justificações [dos espiões] que participaram na Guerra Fria".

Nessa altura, Le Carré falou sobre a sua mais célebre personagem: "não se pode criar uma pessoa sem incluir um pouco de si mesmo [na personagem, mas] Smiley será sempre um pouco mais velho e mais sábio".

As narrativas idealizadas pelo autor já foram sujeitas a seis adaptações, no grande e no pequeno ecrã, sendo que se salientam "A Toupeira" (obra de 1974, em versão fílmica em 2010, em que Smiley foi interpretado pelo ator Gary Oldman) e "O Gerente da Noite", série exibida em Portugal nos canais AMC e RTP 2, com os atores Tom Hiddleston e Hugh Laurie nos papéis principais, baseada no livro de 1993.

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