Carlos do Carmo morreu esta sexta-feira aos 81 anos. O fadista deu ontem entrada no hospital de Santa Maria, em Lisboa, com um aneurisma, e faleceu esta manhã, confirmou o seu filho, Alfredo do Carmo.

Em 2014, o fadista, criador de êxitos como “Canoas do Tejo” e “Homem das Castanhas”, foi distinguido nos Estados Unidos com o Grammy Latino de Carreira, tendo-se tornado o primeiro artista português a ser distinguido com este galardão (depois do Grammy Latino de melhor álbum de música clássica dado ao elenco de "La Dolores", com a soprano Elisabete Matos, em 2000).

No âmbito dos seus 50 anos de carreira, o fadista estreou o documentário “Carlos do Carmo: Um homem no mundo", realizado por Ivan Dias.

O primeiro disco de Carlos do Carmo foi editado pela Alvorada, em 1963, com o título "Mário Simões e o seu Quarteto apresentando Carlos do Carmo", ao qual se seguiu, em 1964, "Carlos do Carmo com a Orquestra de Joaquim Luís Gomes".

Ao longo da carreira, o criador de “Por morrer uma andorinha”, filho da fadista Lucília do Carmo, somou mais de duas dezenas de álbuns, entre antologias, registos ao vivo e de estúdio, como o mais recente "Fado é amor" (2013), em que partilha a interpretação com nomes como Camané, Mariza, Carminho, Ana Moura e Ricardo Ribeiro.

Cantou no Olympia e no Auditório Nacional, em Paris, no Le Carré, em Amesterdão, no Place des Arts, em Montreal, no Canadá, nas óperas de Frankfurt e de Wiesbaden, na Alemanha, no 'Canecão', no Rio de Janeiro, e no Memorial da América Latina, em S. Paulo, no Brasil, no Royal Albert Hall, em Londres, entre muitas outras salas.

"Uma das maiores referências" no fado

Orquestra Gulbenkian e Carlos do Carmo com Ivan Lins

Carlos do Carmo, que completou em dezembro 81 anos, é, segundo a “Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX”, uma “figura marcante no estabelecimento de mudanças na tradição fadista", sendo uma das “suas maiores referências, com reconhecimento nacional e internacional”.

Filho da fadista Lucília do Carmo (1919-1998), “uma das vozes mais marcantes” do fado no século XX, segundo a mesma fonte, Carlos do Carmo cresceu num ambiente fadista. Desde 1947 que sua mãe era proprietária da casa de fados Adega da Lucília, no Bairro Alto, em Lisboa, atual Arcadas do Faia, que passou a ser gerida por Carlos do Carmo em 1962.

Este não era o plano traçado para si pelos pais que, em 1956, o enviaram para a Suíça para estudar línguas e gestão hoteleira.

A vocação musical despertou porém em 1963, quando gravou um fado da sua mãe, “Loucura”, num disco do Quarteto de Mário Simões.

Carlos do Carmo revelou, ao longo da carreira, “uma voz límpida e uma dicção clara cuidadosamente ajustada ao sentido dos poemas”, segundo a Enciclopédia dirigida pela etnomusicóloga Salwa Castel-Branco.

"As transformações que Carlos do Carmo operou [no fado] foram influenciadas pelos seus gostos musicais que incluíram referências externas" como a Bossa Nova, do Brasil, e os estilos próprios de cantores como Frank Sinatra (1915-1998), Jacques Brel (1929-1978) e Elis Regina (1945-1982), segundo a enciclopédia da música portuguesa.

A enciclopédia destaca que, desde a década de 1970, "acentuou as inovações musicais", tornando-o "no representante máximo do chamado ‘fado novo'", com trabalhos como o álbum "Um Homem na Cidade" (1977).

Foi um dos principais e mais determinantes embaixadores da Candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade, e desempenhou um "papel fundamental na divulgação dos maiores poetas portugueses", como destacou o júri do Prémio Vasco Graça Moura de Cidadania Cultural.

O fadista celebrizou canções como "Bairro Alto", "Fado Penélope", "Os Putos", "Um Homem na Cidade", "Uma Flor de Verde Pinho", "Canoas do Tejo", "Lisboa, Menina e Moça".

O artigo que lhe é dedicado na Enciclopédia recorda que em 1976 a RTP o convidou a interpretar todas as canções concorrentes ao Festival da Canção, “Uma canção para Europa”, o que “confirmou a sua posição de destaque no panorama musical português”.

Carlos do Carmo representou Portugal no 21.º Festival da Eurovisão, realizado em Haia, com “Uma Flor de Verde Pinho”, tendo-se classificado em 18.º lugar.

No ano seguinte saiu o seu álbum “Um Homem na Cidade”, totalmente constituído por poemas de José Carlos Ary dos Santos (1937-1984), musicados por José Luís Tinoco, Paulo de Carvalho, Martinho d’Assunção, António Victorino d’Almeida e Fernando Tordo.

Este álbum “apontou diferentes tendências que vieram a verificar-se como agentes da mudança da tradição musical do fado”, assinala a Enciclopédia, que realça “algumas inovações musicais notáveis”, mantendo a estrutura harmónica tonal.

Esta obra refere “a produção de elevada qualidade técnica” de Carlos do Carmo, patente nos seus trabalhos.

O 25 de Abril de 1974 deu-lhe “uma alegria imensa”, porque pôs fim à censura.

“Olhando para trás, nós podemos dizer mil coisas da ditadura. Há quem tenha grandes razões, porque foi maltratado, preso, torturado, o cinismo que havia por detrás disso tudo [dessa violência]. Agora não há coisa mais estúpida e [maior] agressão à inteligência que é a censura”, sentenciou o fadista que se afirma “um homem de esperança”, defensor do diálogo entre gerações, que acreditava que "o futuro será melhor".

“Há uma coisa que é segura, a loucura que está aí instalada, que não é pouca, parece que o mundo endoideceu. Isto é um ciclo. Não sei se o vou ver melhor, mas que os meus filhos e os meus netos vão, não tenho dúvidas”, afirmou o fadista à Lusa em 2019.

Carlos do Carmo gravou com regularidade desde 1980, quando saiu um álbum homónimo.

Carlos do Carmo despediu-se dos palcos no passado dia 09 de novembro de 2019, com um concerto no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, tendo recebido na altura a Medalha de Mérito Cultural, do Ministério da Cultura, pelo seu "inestimável contributo" para a música portuguesa.

A medalha foi a última, entre várias distinções que recebeu, ao longo de um percurso artístico de 57 anos.

Quando da despedida dos palcos, disse, em entrevista à agência Lusa: "Fiz este meu caminho que não foi das pedras, mas que considero um caminho sempre saudável e que me levou sempre a ter uma perspetiva de ser solidário com os meus companheiros (...). Não me recordo de ter feito uma sacanice a um colega de profissão. E, para esta nova geração, estou de braços abertos".