(Notícia atualizada à 00h30)
A poetisa Adília Lopes, autora de "Caras Baratas", morreu segunda-feira, em Lisboa, aos 64 anos, disse à agência Lusa fonte da editora Assírio & Alvim.
Adília Lopes é o pseudónimo literário da poetisa, cronista, tradutora e documentalista Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, nascida em Lisboa em 20 de abril de 1960, segundo a biografia publicada pelo Centro de Documentação de Autores Portugueses, da Direção-Geral do Livros, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB).
"Adília surgiu com um poema que escrevi no meu diário quando uma gata minha, a Faruk, desapareceu", contou a escritora numa entrevista ao jornalista Carlos Vaz Marques, citada no 'site' da DGLAB.
O seu percurso tem início como estudante de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, curso que deixou para trás, depois de lhe ter sido diagnosticada "uma psicose esquizo-afectiva, doença da qual sempre falou abertamente, fosse na sua poesia, em crónicas, conferências ou entrevistas", lê-se na biografia do Centro de Documentação de Autores Portugueses (CDAP).
No início dos anos de 1980, trocou-o pelo curso de Literatura e Linguística Portuguesa e Francesa, na Faculdade de Letras. Enviou os primeiros poemas para a editora Assírio & Alvim, que selecionou dois deles para o "Anuário de Poesia de Autores não Publicados", de 1984. Pouco depois, lançaria o seu primeiro livro em edição de autor, "Um jogo bastante perigoso" (1985), obra em que começa por evocar Esther Greenwood, a narradora de "Câmpanula de Vidro", reflexão sobre a depressão profunda da norte-americana Sylvia Plath.
Nos anos seguintes, Adília Lopes publica "O Poeta de Pondichéry" (1986), uma das suas mais traduzidas obras, baseada numa personagem de "Jacques, o fatalista", de Diderot, que seria seguido de "O decote da dama de espadas" (1988), coletânea de poemas dos anos de 1983 a 1987.
Terminada a licenciatura, foi bolseira do Instituto Nacional de Investigação Científica (1989-1992) e trabalhou no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. Seguir-se-ia uma especialização em Ciências Documentais, tendo trabalhado os espólios de Fernando Pessoa, Vitorino Nemésio e José Blanc de Portugal depositados na Biblioteca Nacional.
Do período 1987-1991, apenas lhe é conhecida a edição de autor, para distribuiçao gratuita, de "Os cinco livros de versos salvaram o tio", numa espécie de paráfrase do título do livro de aventuras de Enid Blyton, "Os cinco salvaram o tio".
E são exatamente os cinco livros seguintes de Adília Lopes, publicados em pequenas mas determinantes editoras como a &etc e a Black Sun, que lhe trazem o primeiro sucesso mediático: "Maria Cristina Martins" (1992), "Peixe na água" (com desenho de Sofia Areal, 1994), "A continuação do fim do mundo" (1995), "A bela acordada" (1997) e "Clube da poetisa morta" (1997).
Em 1999, obteve uma bolsa de criação literária do antigo Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, apoio que lhe permitiu trabalhar para teatro e 'arrumar' dispersos e inéditos. A encenadora Lúcia Sigalho levaria então a cena "A birra da viva", a partir de textos da escritora, peça que viria a constitur o núcleo da trilogia "A caixa em Tóquio". A organização da obra não publicada também daria origem a "Sete rios entre campos".
Em 2000, reúniu pela primeira vez a sua produção literária num só volume, "Obra", com ilustrações de Paula Rego (1935-2022) e o inédito "O regresso de Chamilly", numa edição da Mariposa Azual, confirmando o seu logar na literatura portuguesa.
A pintora de "Angel" identificou um "impressionante paralelo" entre o seu imaginário e os poemas de Adília Lopes: "Fizeram-me logo lembrar a minha juventude, com as criadas, as bonecas, as mães ultraprotetoras", disse Paula Rego, citada na biografia do CDAP. "Adília Lopes é de um grande romantismo e ao mesmo tempo de um grotesco e de um cómico transbordantes".
O entendimento entre ambas levou Adília Lopes a traduzir a edição portuguesa de "Nursery Rhymes" ("Rimas de Berço"), álbum de gravuras de Paula Rego, baseadas em rimas infantis inglesas.
Ao logo da primeira década do novo milénio, a obra da poetisa alargou-se com edição privilegiada da &etc: "A mulher a dias", "César a César", "Poemas novos", "Le vitrail la nuit", "Caderno".
Em 2009, voltou a reunir os seus livros num só volume, desta vez "Dobra", projeto que a levou de volta ao ponto de partida, à editora Assírio & Alvim, à qual se manteve ligada até ao fim.
Datam destes últimos 15 anos títulos como "Apanhar ar", com desenhos da autora, "Café e caracol", "Andar a pé", "Manhã", Capilé", "Bandolim", "Estar em casa", "Dias e Dias", a que se juntaram mais três edições da poesia reunida, "Dobra", em 2014, em 2021 e a derradeira este ano, quando completou 40 anos de vida literária.
As influências assumidas por Adília Lopes passam por Sophia de Mello Breyner Andresen, Nuno Bragança, Ruy Belo, Roland Barthes, sem deixar de fora Emily Brönte, Condessa de Ségur e Enid Blyton.
"O estilo de Adília Lopes, aparentemente coloquial e 'naïf', está repleto de jogos fonéticos, associações livres, rimas infantis e idiomas estrangeiros", lê-se na biografia da CDAP. "Os temas do quotidiano, principalmente femininos e domésticos, são tratados com humor e auto-ironia, candura e crueza, inteligência e intencionalidade".
A sua obra foi traduzida para alemão, castelhano, francês, inglês, italiano, neerlandês, entre outras línguas, e está representada em diversas antologias portuguesas e estrangeiras. Tem também sido alvo de estudo de académicos como Elfriede Engelmayer, Osvaldo M. Silvestre, Américo Lindeza Diogo e Manuel Sumares. Em março do ano passado, a Biblioteca Nacional de Portugal acolheu o colóquio internacional "Ir à escola com a Adília". A Companhia Nacional de Bailado homenageou-a na programação de 2016.
"Há sempre uma grande carga de violência, de dor, de seriedade e de santidade naquilo que escrevo", disse Adília Lopes. "Escrever poemas é bom", mas "ouvir a Musa é desgastante, um frenesi", dizia no final de "Dias e dias".
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