Após meses de campanha dominados pela pandemia, os norte-americanos concluem esta terça-feira (3) a votação para eleger o próximo Presidente dos EUA, 35 dos 100 lugares do Senado e todos os 435 membros da Câmara dos Representantes.

O sistema eleitoral norte-americano e a falta de confiança nas sondagens fazem que que domine a ansiedade em relação aos resultados, mas, sem surpresa, a candidatura do moderado Joe Biden e de Kamala Harris (para a vice-presidência) tem o apoio esmagador de Hollywood e do mundo da música. E ao contrário do que aconteceu há quatro anos com Hillary Clinton, quando foi mal digerida a derrota de Bernie Sanders nas eleições primárias, as estrelas têm-se mostrado unidas à volta do candidato.

Apesar disso, Donald Trump tem alguns apoios entre as celebridades, com destaque para James Woods e Jon Voight: o primeiro tem mantido atividade intensa nas redes sociais, mas é difícil competir com o fervor do vencedor do Óscar, antigo liberal e pai de Angelina Jolie, que chegou a partilhar um vídeo que começa com "Biden is evil” [Biden é malvado].

Dennis Quaid, Tim Allen, Kelsey Grammer, Roseanne Barr e o produtor Jerry Bruckheimer são outros dos apoiantes, ainda que mais discretos.

Clint Eastwood, o republicano mais famoso da indústria do cinema, votou em Trump em 2016, mas fez saber mais tarde que não era um fã do estilo do atual inquilino da Casa Branca e manteve-se à margem da campanha após o seu candidato preferido, o milionário Mike Bloomberg, abandonar a corrida para a nomeação do Partido Democrata.

Na órbita mais conservadora circulam ainda figuras de segunda linha ou cujas carreiras já conheceram melhores dias: Scott Baio, Kirstie Alley, Kid Rock, Lil’ Wayne, Isaiah Washington, Dean Cain, Antonio Sabato Jr., Stacey Dash ou Stephen Baldwin (um irmão menos conhecido e talentoso de Alec Baldwin, que tem parodiado Trump no programa Saturday Night Live).

A esmagadora Frente Democrata

Joe Biden ganha indiscutivelmente no apoio de “star power” das estrelas que o público mais reconhece e admira. E apesar dos receios iniciais de que a pandemia sufocaria as angariações ao impossibilitar jantares e cocktails, muitos estrategas dizem que a transição para os eventos virtuais acabou por facilitá-los.

Além dos inevitáveis Oprah Winfrey, George Clooney e Robert De Niro (um dos mais vocais opositores de Trump nos últimos quatro anos), o ativismo juntou estrelas da Marvel como Mark Ruffalo, Chris Evans, Robert Downey Jr., Scarlett Johansson, Don Cheadle ou Paul Rudd, e vencedores de Óscares como Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Tom Hanks, Ben Affleck, Cher, Robert Redford, Barbra Streisand, Whoopi Goldberg, Julianne Moore, Jennifer Hudson, Common ou John Legend.

Além dos apelos, pelas redes sociais passaram inevitavelmente "excitações", como com a "admissão" de Jennifer Lawrence, que confessou ter sido “um bocado republicana” e ter votado (na sua primeira vez) em John McCain na corrida presidencial de 2008 contra o democrata Barack Obama.

Entre apelos ao voto e angariações virtuais de receitas que resultaram num fluxo de doações sem precedentes, destacaram-se, por exemplo, as participações ativas de Julia Louis Dreyfus, Rob Reiner, Bradley Cooper, Jennifer Aniston, Jennifer Lopez, Eva Longoria, Jessica Biel, Billy Porter, Mandy Moore, Mark Hamill, Lin-Manuel Miranda, Mindy Kaling, Howard Stern, Kerry Washington, Ava DuVernay, Larry David, George Takei, Vivica A Fox, Tracee Ellis Ross, Zooey Deschanel, Keegan-Michael Key, Aubrey Plaza e Alyssa Milano.

O empenho na campanha uniu também artistas como Lady Gaga, Madonna, Sheryl Crow, Justin Timberlake, Bruce Springsteen, Cardi B ou Katty Perry, nomeadamente partilhando as suas deslocações para depositar o voto com os seus milhões de seguidores, muitos deles jovens, tradicionalmente entre os que menos participam nos atos eleitorais.

No combate ao abstencionismo vale mesmo quase tudo, como mostrou Josh Gad (“Frozen”) ao prometer e cumprir resumir a história da saga “Star Wars” com a voz de Olaf se a mensagem de apelo para ir votar fosse partilhada 10 mil vezes.

Até o lendário comediante Mel Brooks decidiu fazer um vídeo político pela primeira vez aos 94 anos.

Mas não houve apoio com mais impacto mediático para Joe Biden do que o de Dwayne Johnson, que já tinha admitido querer seguir uma carreira política daqui a alguns anos mas mantinha a política longe dos temas partilhados com os seus fãs.

"Como politicamente centrista e independente, votei em ambos os partidos no passado. Nesta eleição presidencial crítica estou a apoiar Joe Biden e Kamala Harris. O progresso exige coragem, humanidade, empatia, força, BONDADE E RESPEITO. Todos devemos votar", partilhou a estrela com os seus mais de 275 milhões de seguidores.

Apesar das reações dos fãs se terem dividido entre elogios e promessas de nunca mais voltar a ver um dos seus filmes, o apoio foi preparado ao pormenor, como se de o lançamento de um “blockbuster” se tratasse, e acompanhado de um outro vídeo com uma conversa com aqueles que descreveu como “a melhor escolha para liderar o nosso país”.

Pandemia faz nascer um novo filão eleitoral

À medida que a disputa pela Casa Branca avançava, ambas as campanhas organizaram visitas em ritmo acelerado pelos estados-chave, os "campos de batalha" conhecidos "swing states".

A Califórnia não é um deles (Biden está à frente nas sondagens por mais de 30 pontos), mas os democratas dizem que nunca viram um "boom" tão extraordinário na angariação de fundos e no ativismo de celebridades, mesmo quando a pandemia limita os eventos à internet.

O cineasta Steven Spielberg (que forneceu 5,1 milhões de dólares) e o ator e produtor Seth MacFarlane (3,6 milhões de dólares) estão entre os principais doadores individuais democratas deste ano, segundo dados do Center for Responsible Politics (CRP), um grupo independente que controla os gastos políticos nos EUA.

Steven Maviglio, um estratega de Sacramento, estima que os dólares de angariação de receitas dos democratas da Califórnia sejam "quase o dobro do que eram há quatro anos", o que já era uma base elevada dado o forte apoio da altura a Hillary Clinton.

Este dado é muito importante para aquela que é a “mais cara eleição da história”, segundo o CRP: na corrida à Casa Branca e ao Congresso devem gastar-se 10,8 mil milhões de dólares [9,27 mil milhões de euros].

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Os constrangimentos da pandemia aguçaram o engenho: as celebridades, livres de horários de rodagem complexos, já não precisam de estar todas no mesmo lugar ao mesmo tempo. As estrelas conomizam para se vestir e não apertam centenas de mãos. Isso também funciona para os doadores ricos e ocupados.

Coordenadas em chamadas semanais com a campanha de Biden, desdobram-se as iniciativas inovadoras, como os “Instagram live chats”, as invasões surpresa de encontros por Zoom (os “Zoom bomb”) para deixar palavras de incentivo aos voluntários que contactam eleitores nos estados-chave por telefone. Ou fazem as próprias celebridades esse “phone banking”.

Mas foi outra poderosa e nostálgica nova arma de angariação de fundos para as campanhas que surgiu e vai sobreviver ao fim da pandemia.

O modelo inovador é simples: atores e criadores de filmes e séries que fazem parte da cultura popular juntam-se em reuniões virtuais para recordar os velhos tempos da rodagem, recriar cenas, ler argumentos ou responder a perguntas de fãs. Para ter acesso à experiência, as pessoas têm de fazer uma doação, mas como o que conta é a intenção, qualquer valor é aceite.

No fundo, alargou-se o âmbito das iniciativas que nasceram nas primeiras semanas de confinamento forçado para dar ânimo aos fãs, nomeadamente quando Josh Gad organizou nostálgicos encontros virtuais com as equipas de filmes como “Os Goonies”, “Regresso ao Futuro” ou “O Senhor dos Anéis”.

“Este é um novo modelo de angariação de fundos que é mais divertido, mais envolvente e menos trabalhoso”, explicou ao Vulture Ben Wikler, o principal responsável pelo Partido Democrata no Wisconsin, onde a ideia começou a ganhar forma após um encontro de atores de “Os Homens do Presidente” num podcast durante a Convenção Democrata em Agosto.

O sucesso da iniciativa levou à elaboração de um plano mais ambicioso, o de juntar num evento virtual os atores de “A Princesa Prometida”, o filme de fantasia realizado por Rob Reiner em 1987 que ocupa um lugar muito especial no imaginário de gerações de espectadores anglo-saxónicos.

Um membro local do Partido Democrata do Wisconsin conseguiu chegar ao contacto com Cary Elwes, um dos protagonistas, através do amigo de um amigo e a 13 de setembro juntaram-se praticamente todos os sobreviventes do elenco: Elwes, Robin Wright, Chris Sarandon, Mandy Patinkin, Christopher Guest, Wallace Shawn, Billy Crystal e Carol Kane, com as participações especiais de Rob Reiner, Josh Gad, Eric Idle, Whoopi Goldberg, King Bach, Finn Wolfhard, Shaun Ross, Jason Reitman e Norman Lear.

Mais de 110 mil pessoas doaram pelo menos um dólar para ver em direto por streaming a reunião virtual para ler o argumento, que continua disponível até ao dia das eleições, tendo já rendido uns inéditos 4,25 milhões de dólares para a campanha naquele estado-chave.

Pelo meio, o evento ainda causou um enorme desgosto a um dos maiores defensores de Trump, o senador republicano do Texas Ted Cruz.

“Ouves isto, Fezzik? [uma das personagens do filme? Este é o som do derradeiro sofrimento. O meu coração fez esse som quando o homem de seis dedos matou o meu pai. O som que fazem todos os fãs de 'A Princesa Prometida' que desejam ver aquele filme perfeito preservado da política de Hollywood”, escreveu o auto proclamado maior fã do filme.

A seguir ao impacto mediático e financeiro de "A Princesa Prometida" comçaram a florescer rapidamente os encontros de atores e criadores e por vários estados-chave, envolvendo séries como “Parks and Recreation”, “Happy Days”, “Star Trek”, “Seinfeld”, “Veep”, “The Marvelous Mrs. Maisel”, "Community", o espetáculo da Broadway “Hamilton” ou filmes como “Superbad”, “Festival Rocky de Terror”, “A Noite do Espanto” ou “Spinal Tap”. E um jogo online juntou Kamala Harris com os super-heróis dos filmes da Marvel (menos Chris Pratt, o que causou uma polémica nas redes sociais sobre ser "o pior Chris de Hollywood").

Houve ainda iniciativas formalmente apartidárias para apoiar organizações que trabalham para incentivar o exercício do direito de voto, como a da recriação em palco de um dos episódios de “Os Homens do Presidente” com o elenco original ou a leitura do argumento com Matthew McConaughey a voltar a juntar os atores do filme que ajudou a lançar a sua carreira, “Juventude Inconsciente" (1993).

No balanço, a Vulture destaca que não é evidente qual será o impacto destas iniciativas nos resultados eleitorais, mas não havia dúvidas de uma coisa: esta é uma área com que a campanha de Trump não consegue competir.

“Os republicanos têm atacado o elitismo de Hollywood”, recorda David Mandel no artigo, que esteve envolvido na organização dos encontros de “Veep” e “Seinfeld”.

“Mas acho que esta é a concretização do maior dos seus medos. Não é uma celebridade de Hollywood democrata a dizer 'deve votar neste e naquele' que os preocupa tanto. É o facto de que um grupo de democratas de Hollywood se pode juntar e fazer a leitura de um argumento ou uma reunião de 'Veep' ou o que quer que seja, e arrecadar uma quantidade gigantesca de dinheiro. Isso é o que os republicanos realmente detestam”, explicou.

O último esforço por Biden

Dos concertos virtuais que juntaram John Legend, Jon Bon Jovi ou P!nk, às reuniões de atores das séries e filmes, das “conversas de chá” lideradas por Cher e Hillary Clinton à “Telemaratona pela América” na segunda-feira à noite (2) com estrelas como Mark Ruffalo, Sacha Baron Cohen ou Amy Schumer agarradas ao telefone para convencer indecisos a ir votar, Hollywood entrou num frenesim nos últimos dias da campanha, anunciando dezenas de eventos virtuais para ajudar a conquistar os estados onde tudo se vai decidir, tirar o controlo do Senado ao Partido Republicano e manter a Câmara dos Representantes.

O esforço notou-se claramente entre estrelas “pop” com dezenas de milhões seguidores nas redes sociais, que multiplicaram os apelos e cederam músicas que valem muitos dólares em direitos de autor para vídeos de campanha, tudo coordenado com os agradecimentos de Kamala Harris.

Uma delas é Taylor Swift, que se empenhou ainda mais após ter sido criticada por se estrear no ativismo político com o apoio a dois candidatos democratas no seu estado do Tennessee nos eleições intercalares para o Congresso em 2018: autorizou pela primeira vez a utilização de uma das suas canções, "Only the Young", numa campanha.

Com 280 milhões de seguidores, Ariana Grande também apelou aos que estavam na Flórida para se registarem no último dia para poderem votar porque o Estado “tem o potencial para fazer oscilar a eleição”.

Resultado: horas mais tarde, o “site” do Estado bloqueou com uns inéditos 1,1 milhões de acessos por hora e o prazo de registo teve de ser alargado.

O incentivo continuou após editar "Positions", a faixa-título do seu novo disco, com um videoclip no qual comandava a Casa Branca com uma aparência que lembra a da ex-primeira-dama Jacqueline Kennedy Onassis (o vídeo pode ser visto aqui).

O videoclip levou o glamour de Grande à Sala Oval, mas a canção trata das políticas do coração... e a artista voltou a deixar clara a sua posição nas eleições presidenciais e incentivou os fãs a votarem.

Billie Eilish foi outra das novas ativistas, juntando-se para uma conversa com Kamala Harris e apoiando a candidata democrata no Texas, outro estado que pode balançar para qualquer um dos partidos.

Já Bruce Springsteen dirigiu um apelo aos habitantes da Pensilvânia para recordar que Joe Biden é “um deles” e se ouve a canção "My Hometown", do famoso álbum "Born in the USA".

Mesmo ao cair do pano segunda-feira e noutro caso raro, Eminem também cedeu a sua icónica canção vencedora do Óscar "Lose Yourself" à campanha de Biden.

E se dúvidas existissem sobre o estado da Pensilvânia ser um dos grandes campos de batalha na corrida, o anúncio de que Lady Gaga se ia juntar a um comício “drive-in” em Pittsburgh com Biden despertou a indignação do diretor de comunicação na campanha de Trump.

"Nada expõe mais o desprezo de Biden pelos trabalhadores da Pensilvânia do que fazer comícios com a ativista anti-fracking Lady Gaga. Este esforço desesperado para angariar entusiasmo é, na verdade, um ataque aos 600.000 habitantes da Pensilvânia que trabalham na indústria de fracking”, escreveu Tim Murtaugh [o fracking é um método que possibilita a extração de combustíveis líquidos e gasosos do subsolo, muito criticado por ambientalistas].

Com os seus fãs a rirem, Lady Gaga não demorou a responder.

“Olá Tim, olá Donald Trump. Tão feliz. Fico contente por viver sem pagar renda na vossa cabeça. #BidenHarris”

Mas a história não ficou por aqui: confirmando o incómodo com a sua presença de última hora ao lado de Biden, foi o próprio Trump a voltar a responder num discurso aos seus apoiantes nos últimos comícios: "Podia contar-vos imensas histórias. Podia contar-vos imensas histórias sobre Lady Gaga. Conheço muitas histórias, Lady Gaga."

O inusitado comentário "político" em fim de campanha não deixou de ser notado por Andrew Feinberg, jornalista que cobre a Casa Branca: "Atacar Lady Gaga e o LeBron James não é um argumento muito forte para fechar."

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