Entre os eventos nos quais participará está o lançamento em Portugal, pela editora Saída de Emergência, de "A Vingança Serve-se Fria" - originalmente lançado em Inglaterra em 2009 e que ganha a sua primeira tradução portuguesa. Joe Abercrombie é o autor consagrado da trilogia “A Primeira Lei”, composta pelos livros “Lâmina”, “Forca” e “Coroa”.

“A Vingança Serve-se Fria” tem como cenário um ambiente rústico, onde se alternam palácios e paisagens rurais com as ruelas e becos sujos de uma grande cidade de aspeto “medieval” - embora Abercrombie não situe a sua ação no tempo.

Por lá perambulam personagens muito duras, raramente dotados de sentido de alguma moral tradicional - e muitos dos quais tendo o assassinato como ganha-pão. É o caso da protagonista, Monza Murcatto, uma mercenária traída pelo seu contratante que resolve operar a tal vingança descrita no título - iniciando um périplo sangrento por cenários diversos.

Em entrevista ao SAPO Mag, marcada pela generosidade de Abercrombie em aprofundar alguns dos aspetos da sua obra e da literatura fantástica em geral, o autor elabora sobre porque termina sempre por preferir retratar ambientes sombrios e violentos, ocupados por personagens ambíguos e muitas vezes pouco recomendáveis.

Na conversa, o autor revelou o que espera de Portugal e frisou que prefere contar histórias que contradiziam o otimismo das fantasias juvenis que lia quando era criança: acha que é o mundo de hoje que inspira uma fantasia mais sombria e violenta?

Poder-se-ia argumentar que, à sombra das duas guerras mundiais, a ideia simples de um choque entre o bem e o mal fazia sentido instintivamente. Mas, à medida que o tempo foi passando para o mundo da Guerra Fria e para além dela, habituamo-nos a pensar no mundo como mais obscuro, de aspetos mais “lamacentos”, onde havia uma espécie de relativismo moral em que pensávamos no certo e no errado como uma questão de onde estávamos.

Podia-se apontar para o desenvolvimento de “westerns” a partir de algo como “Duelo de Fogo” (1957) para algo como “Imperdoável” (1992), ou espectáculos policiais desde “Hill Street Blues” (série de 1981) até “The Wire”.

Certamente “O Senhor dos Anéis” tem um lado bom e um lado mau e há pouca dúvida sobre qual é um e qual é o outro. Por outro lado, em histórias como a de “A Guerra dos Tronos”, temos muitas facções, muitos pontos de vista, e um mundo impiedoso em que nem sempre é fácil identificar o certo e o errado.

Ao mesmo tempo, perante o “Senhor dos Anéis” personagens como o Conan, de Robert E Howard, eram moralmente ambíguos e muito violentos e, se seguirmos a fantasia mais para trás em direcção às suas raízes no mito nórdico, não encontraremos falta de escuridão, violência e traição. Talvez haja sempre o balanço de um pêndulo - o sucesso de visões optimistas e heróicas cria o terreno onde as visões cínicas e pessimistas podem crescer e prosperar.

Um dos aspectos desta abordagem mais realista são as personagens - dificilmente guiadas por um sentido de princípios morais ortodoxos... Concorda?

Até certo ponto. Eu argumentaria que em “A Guerra dos Tronos”, por exemplo, existem alguns personagens muito “morais”, tão "bons rapazes" como qualquer um presente em “O Senhor dos Anéis” - mas a natureza do mundo, onde não existe um simples bom e mau e a coisa certa a fazer é muitas vezes difícil de ver, obriga-os a viver em compromissos de risco e numa aposta de duas vias.

Pode haver uma grande satisfação nos contos de moralidade simples e no triunfo do bem sobre o mal, mas também pode haver uma enorme recompensa nos contos em que os protagonistas lutam para encontrar o caminho para fazer a coisa certa e, por vezes, ficam aquém das expectativas. Talvez esse tipo de personagem pareça mais próximo da realidade para muitos de nós.

As suas histórias envolvem palácios, guerreiros, monarcas, e outras características que poderíamos classificar como "medievais". Será este período da história europeia onde procura inspiração? Porque pensa que um imaginário baseado num passado distante continua a fascinar?

A fantasia tem muitas vezes se baseado na medieval - ou talvez uma espécie de versão de parque temático da medieval - e certamente que me inspiro nesse período.

Mas também me fascina a forma como o nosso mundo está em constante mudança, evoluindo, passando por convulsões sociais e tecnológicas e que o conflito brota dessas enormes forças culturais - mais do que de uma batalha do certo contra o errado.

Por isso, inspiro-me muito nesses períodos de mudança muito posteriores - a ascensão da classe mercante, a era da exploração e, na minha série mais recente, a revolução industrial.

Como disse uma das suas personagens, "uma boa mentira bate sempre uma verdade enfadonha". Acha que este é o segredo do sucesso da fantasia?

Em parte, claro, mas penso que outra personagem disse: "um bom mentiroso diz o máximo de verdade que pode", por isso sabe que a fantasia mais eficaz distorce um pouco a realidade, segura um espelho se quiser, mas tem muito em comum com a realidade.

O mundo pode ser estranho, pode haver magia e monstros, mas as pessoas precisam de se sentir reais. Como com qualquer outro tipo de ficção, são as personagens que realmente fazem um livro ter sucesso e o leitor tem de acreditar nelas.

O que é que espera na Comic Con em Portugal?

Espero conhecer alguns leitores que gostam do meu trabalho e, talvez, alguns que possam ser persuadidos a experimentá-lo pela primeira vez. E, claro, os festivais e convenções são sempre ótimos locais para conhecer outros escritores.

O escritor tem uma profissão solitária e a pandemia realmente não ajudou com isso - por isso é sempre excelente estabelecer uma ligação com escritores de outras línguas e culturas, descobrir como as coisas são iguais ou como diferem fora do Reino Unido. E, claro, também espero encontrar boa comida!

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