Em poucos minutos, a MEO Arena compôs-se para receber Bryan Adams nesta segunda-feira. Bastava olhar em volta para não vermos um lugar livre nos balcões: de pais que traziam os filhos, a jovens, casais e grupos de amigos.
Pipocas, cervejas, muitas selfies e alguns trauteios das canções dos Coldplay que tocavam pela sala lisboeta, entre conversas e brincadeiras, expressavam o ambiente relaxado que se vivia antes do início do espetáculo. Quando as animações cessaram no ecrã gigante, o músico canadiano entrou em palco ao som de palmas e gritos ensurdecedores.
“Do What Ya Gotta Do”, tema do mais recente álbum “Get Up”, assinou uma entrada explosiva do cantor que nunca quis crescer. “Can’t Stop This Thing We Started” seguiu-se, sem paragens, sem tempo para recuperar o fôlego... O público não se importou e aceitou, sem hesitações, o convite para as duas horas de espetáculo que se seguiriam.
Keith Scott passeava pelo palco e dividia o microfone com Adams, que entregava versos atrás de versos ao público que trazia as letras na ponta da língua. Na primeira interrupção, o músico não pôde deixar de agradecer os aplausos a Lisboa. “Run to You” chegou-nos então acompanhada de um vídeo a preto e branco de uma rapariga a caminhar: grandes planos dos saltos altos, das pernas, do passo acelerado quando atingíamos o refrão. Sempre mantendo as notas e não perdendo a energia, arrastando o público com ele, que convida a duetos com a sua voz rouca, o cantor detinha a receita para o sucesso.
«O meu nome é Bryan», risos entre a plateia – afinal, o cantor dispensa apresentações. «Mas, em Portugal, é O’Bryan.. como em Ó, Bryan, como estás? Por isso podem tratar-me da mesma maneira». Mais gritos, mais palmas, mais música.
“Go Down Rockin’”, com novo solo do público, antecedeu “Heaven”. Até ao refrão, a primeira balada da noite foi apenas da audiência que, sem vergonhas, levantou a voz e os telemóveis para iluminar a sala. Imagens do planeta Terra visto do espaço preenchiam o ecrã gigante e uma bola de espelhos que deixava reflexos pelas paredes da arena completava o ambiente, na perfeição. E se Bryan se demorou num primoroso solo de guitarra, a ovação do público, que se seguiu, levou ainda mais tempo.
Com o alinhamento do concerto pensado ao pormenor, o resultado nunca poderia ser monótono. Por isso, a mudança de registo sentiu-se logo no início de “Kids Wanna Rock”: os braços que se balançaram calmamente ao som de “Heaven” desceram e acompanharam os passos de dança. Um solo de bateria inacreditável de Mickey Curry, que valeu elogios de Adams, apresentou-nos o senhor por trás dos tambores.
«Quem já viu um concerto nosso, sabe que temos uma arma secreta: o Keith Scott. Ele está ali ao fundo e tem os dedos mais ágeis em Portugal». “It’s Only Love”, o eletrizante single de 1985, começou assim. Scott teve direito ao seu solo, sempre divertido, e, mesmo antes de terminar, atirou a guitarra, soltando «wows» do público. «Levem-no para casa», concluiu Adams, rindo-se.
“This Time” puxou por novos coros e palmas. «Tenho verificado as minhas redes sociais: facebook, instagram... E tenho visto alguns pedidos de músicas que querem que toque em concerto... Eu tenho 14 álbuns, o que significa 14 horas de música... Mas queria tocar uma música que muitos pediram, de 1981, “Lonely Nights”». Ao meu lado, um casal dançava, outro passava com cervejas e dizia «Amanhã, vimos buscar o carro». A noite era para ser aproveitada e o público português enlouquecia e entrosava-se com a banda, cada vez mais.
Foi num ápice que chegámos a “Somebody”. Uma rapariga junto a mim para um pouco, pensa e vira-se para a amiga: «De repente, pareceu-me Xutos e Pontapés», numa clara alusão às semelhanças entre os acordes iniciais do hit do canadiano e «O Mundo Ao Contrário».
Ninguém fica imune à necessidade de saltar e dançar. Uma arena rendida justifica o porquê de Adams já ter lá gravado um concerto. Não vemos uma única pessoa sentada. No segundo balcão dançava-se o vira, um pouco mais atrás um grupo de amigas fazia uma corrente humana levantando as mãos ao ritmo da música. A ovação ensurdecedora no final do single deu lugar a gritos estridentes depois dos primeiros acordes de “Summer of ‘69” se fazerem ouvir. A letra da música, para os mais distraídos, podia ser lida em diversas tatuagens, num corpo feminino que ocupava o ecrã gigante. Até ao primeiro refrão, Bryan voltou a não cantar, entregando a música ao público que o fazia por ele em plenos pulmões entre saltos. "Arrepiante" seria a palavra certa para descrever o momento.
Tudo às escuras e, em acústico, chegava-nos “When You’re Gone”. «Acendam as luzes. Quero ver-vos, Portugal. Agora, vou tocar-vos uma música muito recente. Se já tiveram oportunidade de a ouvir e a conhecem, façam favor de me acompanhar». Os ecrãs gigantes apagaram-se e o piano teve destaque. Era altura de “Everything I do (I Do It For You)” com direito a uma vénia emocionada, no final, e um agradecimento ao pianista Gary Breit.
«Agora preciso de uma mulher selvagem. Alguém que consiga dançar. Há aqui alguém? Estou à procura de uma dançarina. Deixem-se de levantar os braços, vocês têm é de me mostrar alguns passos de dança. Está tanta gente aqui, nem consigo escolher. Tu, ali ao fundo, tu consegues dançar», Bryan tentava explicar para onde o holofote devia estar focado, no meio do público. Depois de inúmeras tentativas falhadas, de mais acima ou mais abaixo, o cantor explodiu, em tom jocoso, perguntando: «Tu falas inglês ou não?», assim mesmo, em português, a um dos responsáveis pelas luzes. «Oh, meu Deus, isto é impossível». Quando a rapariga do top branco que escolhera ficou, finalmente, banhada pela luz do holofote, Bryan arrancou com “If Ya Wanna Be Bad Ya Gotta Be Good”. Sempre acompanhado pela imagem da portuguesa a dançar, a audiência ia ao rubro. Quando a música cessou, Bryan agraceu a «Juliana? Ah, Joana. Vieste ao concerto sozinha? Sim. Não há por aí nenhum homem solteiro? O quê? És casada, mas ele não está aqui? Está a fazer o quê? A lavar a roupa, a cozinhar? É português? É. Joga futebol? Claro que sim».
Risos e mais risos, anteciparam-se à realização de mais um desejo dos fãs. «Já vi vários cartazes a pedirem-me que tocasse esta música, por isso aqui vai». “Here I Am”, integrate da banda sonora de“Spirit”, foi nova dedicatória ao público.
«Ah, também compus esta», disse apresentando “I’ll Be Always Right Here”, a música dedilhada que dividiu, em formato acústico, com Keith Scott. “Have You Ever Really Loved A Woman?” deu espaço para os casais abraçados fazerem serenatas e se abanarem ao som da música mais latina do canadiano. «Boa noite», disse, em tom de brincadeira.
No tema de 1983 “Cut Like A Knife”, Adams puxou pelo público, obrigando-o a acompanhá-lo e dizendo que não o conseguia ouvir para, no final, se render e bater palmas. Olhou para os seus companheiros de braços abertos e encolheu os ombros, não havia nada que pudesse fazer para que a audiência cessasse os aplausos. Excepto, talvez, começar a próxima canção. E assim chegámos a “18 ‘Til I Die” à qual, sem interrupções, se seguiu “The Only Thing That Looks Good On Me Is You”.
“You Belong to Me” marcou o regresso ao àlbum que baptizou a corrente digressão e o videoclip que acompanha o concerto retrata bem a postura do canadiano em palco e o seu marcante amor à guitarra. Theo Hutchcraft, vocalista dos Hurts, e a inigualável Helena Boham-Carter estrelaram o videoclip de “A Brand New Day”, que acompanhou nos ecrãs a música que obrigou todos a levantar os pés do chão. Uma versãode “C’mon Everybody”, gravada por Eddie Cochran em 1958, antecedeu nova troca de guitarras.
«Grande parte da minha infância foi vivida em Lisboa. Mais especificamente em Birre, entre São João (do Estoril) e Cascais. E uma das coisas que mais me impressiona em Portugal é como a sua beleza se mantém inalterada. Agora,têm uma auto-estrada, mas podemos continuar a ir pela Marginal. E o que nunca mudou foi o povo. Foi aqui que descobri a música. O meu pai não ouvia rock’n’roll, só música clássica. Um dia perguntei-lhe se não havia nada para além daquilo. Ele respondeu-me que havia o fado. E o fado é lindo, é emocional, toca-nos no coração. Foi a primeira vez que a música teve um impacto do género em mim. Mesmo que não se perceba a letra, o fado tem esse poder. Claro que hoje sei que fala de gado e pesca, sobre a mulher que vê o homem o dia todo fora de casa. Mas foi aqui que o meu melhor amigo me apresentou os Beatles. Podia contar-vos imensas histórias: das viagens de autocarro aos castigos do diretor da escola...»
De harmónica a postos, sozinho em palco, Bryan trouxe-nos “Straight From the Heart”. «Obrigado. Muito obrigado.»
«Mais um?», disse em português. «Para a próxima canção, vou pedir que acendam os vossos telemóveis, que iluminem a sala». E o público fê-lo: dei duas voltas sobre mim mesma para perceber se alguém tinha acendido algum holofote na sala. “All For Love” chegou-nos então, com o canadiano emocionado a pedir um momento para imortalizar o público numa fotografia para o seu instagram. Depois de se despedir, abandonou o palco.
E nós abandonámos a sala de coração cheio. Não podemos acreditar que qualquer fã do artista canadiano tenha saído desiludido. Bryan provou que se mantém fiel a si mesmo, apaixonado por Portugal, que não é megalómano: aposta no seu talento e no calor do público para carregar o espetáculo. A audiência, essa, não poupou elogios: ao alinhamento, à voz, à boa forma física, entrega e profissionalismo.
Uma coisa é certa: hoje, em no Pavilhão Multiusos Gondomar, há mais... mas dificilmente melhor.
Fotos: Ana Rita Santos
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