Os nova-iorquinos começaram em pezinhos de lã com “While I Shovel The Snow”, um dos mais bonitos temas de “Lisbon”, como que para serenar um público que se podia dizer rendido antes da celebração ter começado. A um momento de doçura a banda contrapôs um trio de temas onde reina a poeira e abundam os espinhos de cactos gigantescos e plantas carnívoras: “In The New Year”, ou as resoluções para um novo ano de um coração em estilhaços, “Angela Surf City”, praia de bandeira azul onde ondas de cinco metros fazem as delícias de surfistas destemidos e “The Rat”, a canção que felizmente os The Walkmen souberam congelar no tempo, impedindo-os de passar o resto da vida numa garagem num diálogo de raiva com o mundo.

Hamilton Leithauser canta como se não houvesse amanhã, com uma imaginária crista de galo e calças rasgadas, num tom que vai de um romantismo incurável a uma raiva física capaz de intimidar um porteiro de discoteca que passa o dia no ginásio; na bateria Matt Berrick é um criador de sonhos, um fazedor de emoções que mantém vivas as raízes punk da banda num instrumento que soa como se estivesse fora deste tempo; Peter Bauer, no baixo, é o pêndulo que faz a ligação entre a guitarra incendiária e a bateria desgovernada, remetido ao quase anonimato que procura nas sombras do palco; Paul Maroon segura uma guitarra em chamas, uma caixa de música onde a bailarina com saia de tule deu lugar a um rufia que abandona o local de assalto com movimentos arriscados; nos teclados, Walter Martin dá os últimos retoques a uma banda que respira estilo e destila classe.

Durante o resto da viagem ainda houve tempo para uma transfusão de sangue azul (“Blue As Your Blood”), gritar vitória aos sete ventos (“Victory”), caminhar sobre a água em ritmo swing (“On The Water”), escrever uma carta de puro amor a uma rapariga que vive mais a norte que o norte das américas (“Canadian Girl”) ou relembrar uma paixão de infância que, segundo Hamilton, é a canção mais triste que os The Walkmen alguma vez escrevinharam (“Woe Is Me”).

A certa altura houve quem não se conseguisse conter e gritou “we love you”, ao que Hamilton respondeu “we love you too”, dizendo que o amor era tanto que tinham escrito esta canção só para nós (“Lisbon”).

Para não deixar a melancolia assentar, os The Walkmen regressaram para um encore onde tocaram “All Hands & The Cook””, partindo janelas, queimando quartos, derrubando garrafas e cavando buracos, a que seguiu “Juveniles”, um tocante grito de revolta que nos obriga a escolher o lado da barricada em que queremos estar.

A despedida fez-se com “We`ve Been Had”, uma música sobre o crescimento e que retrata na perfeição a forma como estes rapazes cresceram, passando de putos rebeldes e sem rumo a gente séria, capaz de, numa canção triste, fazer-nos sentir as pessoas mais felizes do planeta. Os homens caminhantes conquistaram Lisboa. Agora, segue-se o mundo inteiro.

Pedro Miguel Silva