Quem já viu alguns concertos de Paulo Furtado sabe que o homem-tigre tanto pode soltar um rugido como, pouco depois, ser igualmente directo num episódio mais espirituoso. A noite de ontem no Coliseu de Lisboa não foi diferente e, entre um ou outro comentário menos lisonjeiro - sobretudo a elementos da sua equipa técnica -, também houve momentos onde se mostrou plenamente satisfeito - em especial quando o público deixou a timidez, o comodismo, ou ambos, e se levantou das cadeiras.

No arranque, The Legendary Tigerman revelou mesmo alguma frustração pelo concerto de sexta-feira, no Coliseu do Porto, devido às queixas de alguns espectadores por outros tantos nem sempre terem ficado sentados (mas então não teria sido preferível não colocar cadeiras na plateia?). Em compensação, na sala lisboeta a reacção a canções como "Light Me Up Twice" ou "These Boots Are Made for Walkin'" foi mais consensual: o público respondeu com o embalo dos corpos, até porque quem passou pelo palco fez por isso.

Passou, por exemplo, Cláudia Efe, cujo vestido cinzento claro e insinuante, primeiro, e as calças pretas justas, depois, incitaram assobios e piropos ("Eh, então? Juízo!", aconselharia Tigerman a certa altura face a algumas demonstrações de entusiasmo mais atrevidas). E, diga-se de passagem, a vistosa vocalista dos Micro Audio Waves fez muito bem de femme fatale em canções como "Honey You’re Too Much", uma das mais incendiárias da noite.
No extremo oposto, a contenção de Rita Redshoes não se mostrou menos envolvente - "Hey, Sister Ray" foi outro ponto alto do concerto e um belo momento implosivo. "É uma das minhas canções preferidas do «Femina»", confidenciou Tigerman, e percebeu-se porquê.

Já quem preferia canções mais enérgicas e bamboleantes teve a solução perfeita em "The Saddest Thing To Say", com o vozeirão e atitude soul da norte-americana Lisa Kekaula, vocalista dos Bellrays.
Mais perto do final, os DJs Ride e Nelassassin e a bateria de João Doce fizeram de "Say Hey Hey" um cinético encontro entre rock e hip-hop, numa fusão contagiante de guitarra e scratching que bem podia ter sido mais longa.
E no primeiro de dois encores não faltaram sequer os Wraygunn, que deixaram um novo convite à dança com um single já conhecido, "She’s a Go Go Dancer", e um tema inédito, "Querosene Baby", a incluir no próximo álbum da banda de Paulo Furtado.

Além de contar com outros convidados reais - Jim Diamond e Mick Collins - ou virtuais - Asia Argento nas projecções de uma tela gigante -, The Legendary Tigerman também contou consigo próprio, actuando a solo em alguns temas. Foi o caso de "Radio and TV Blues" que, sem meias palavras, dedicou "à merda das nossas televisões e rádios". Ou da mais tranquila "True Love Will Find You in The End", versão de Daniel Johnston e a derradeira canção destas duas horas, que terminaria já com as luzes ligadas e com Paulo Furtado a agradecer. "Obrigado por terem tornado esta numa das melhores noites da minha vida", confessou emocionado antes de convidar todos os músicos a palco para as despedidas.

Pela negativa, o principal destaque foi mesmo o ambiente de feira - ou seria de churrascada? - que se ouviu num ou dois camarotes durante as canções mais calmas, com os Dead Combo, cortesia de alguns espectadores claramente deslocados. Infelizmente, além de um homem-tigre, parece que também estavam galinhas no Coliseu.

Texto @Gonçalo Sá/ Fotos @Graziela Costa

The Legendary Tigerman e Maria de Medeiros - "These Boots Are Made for Walkin'":

The Legendary Tigerman e Asia Argento - "Life Ain't Enough for You":