Ao ar livre e à luz da Lua, em plena Praça da Casa da Música, Tricky enfeitiçou-nos. Um público composto por jovens e adultos de idade já avançada, com os mais diversos estilos, desde os mais alternativos aos mais sérios, nenhum deles ficou indiferente ao músico britânico. Houve momentos em que Tricky brilhou, houve outros nos quais assombrou. Os seus movimentos corporais, abanar de cabeça e revirar de olhos, faziam-no parecer como que possuído pelo Diabo. Nesse caso, sua voz profunda, seu sussurrar, seriam um equivalente ao chamamento das trevas. Se assim fosse, muita gente teria vendido a sua alma nessa noite, pois Tricky chamou e o público foi até ao limite.

O concerto, que se previa calmo, a começar com Past Mistake, revelou, desde logo, a animação que teria: assim que Tricky pegou no microfone, isto quando a sua banda já começara o ritmo da música, uma avalanche de pessoas dirigiu-se das bancadas para a frente do palco, usufruindo da proximidade privilegiada com o artista.

Já sem camisola e com umas calças cinzentas largas, Tricky estremecia, punha as mãos na cabeça, batia com o microfone contra o peito, usando-o como instrumentos para provocar uma batida. Movimentos estes que provocavam o delírio dos fãs mais fiéis. A histeria começou a partir de Puppy Toy, música que o público reconheceu imediatamente, manifestando-o através de gritos e palmas. No entanto, só ao som de Pumpkin é que o número de pessoas que permaneciam de pé aumentou, estando apenas as filas do meio sentadas.

Tricky deu o seu corpo e a sua alma, mas foi Franky Riley quem deu voz a grande parte das músicas. “I sing for the Joker”, escreveu Riley, num lugar qualquer da Internet, caracterizando da melhor forma possível o seu companheiro musical. Tão exorbitante e constrangedor quanto a personagem dos filmes de ficção, mas muito superior em termos de simpatia. Tricky não poupou agradecimentos ao público da Invicta que o ouvia de uma forma tão concentrada.

Vindo directamente de Bristol, a sua casa em terras inglesas, Tricky aproveitou para apresentar o single do seu novo álbum “Mixed Races”, a ser lançado em Setembro. Murder Weapon apanhou o público desprevenido, mas não tanto quanto a versão da música Technologic dos Daft Punk, que Tricky e Riley interpretaram. No meio do tema da dupla francesa, ouvia-se a frase “This is not a fucking love song”, uma possível reinterpretação do tema This Is Not A Love Song, do qual os Nouvelle Vague também possuem um cover.

Além de estrela do espectáculo, Tricky foi maestro da sua banda, dirigindo uma guitarra, um baixo, uma bateria, uma mesa de mistura e uma voz. Consoante o sinal de suas mãos os músicos ora começavam a tocar, ora paravam, ora aumentavam a intensidade, tudo para que a música ficasse aos conformes de Tricky que foi “Senhor” de todos nós, pelo menos durante duas horas da nossa vida.

A provar o seu poder Tricky mostrou que apesar de ser maior que o seu público, artisticamente, não passa de uma pessoa igual às outras. Foi ao som do hard rock electrónico de Ace of Spades que o público invadiu o palco, a pedido do músico. Tricky abraçou os primeiros voluntários a subir ao palco, pelo que se seguiram muitos outros, todos na esperança de poder tocar, abraçar, beijar e dizer o quanto o adoram. Muitos aproveitaram para tirar fotos com o artista, mesmo depois dos seguranças começarem a encaminhar as pessoas para as bancadas. O próprio Tricky pegou na máquina de um dos fãs e deu asas à sua veia de fotógrafo.

O público que permaneceu nas bancadas olhava incrédulo e fascinado para o palco. Habituados a concertos de músicos vedetas, esqueceram-se como era estar perante um génio da música que não tem medo de mostrar que é de carne e osso.

Em Dear God, já depois do público abandonar o palco, a plateia permaneceu intrépida, mas pouca gente teve coragem de se sentar depois da rebelião que Tricky provocara. Contudo, a revolução só foi total depois de Overcome, quando Tricky se dirigiu para a saída, e de repente começou a percorrer as bancadas no meio do público, dando espaço para tocar Tricky Kid. O músico provou ser tudo menos um “miúdo complicado”.

Gritos, flashes de máquinas fotográficas e uma multidão a correr atrás de Tricky enquanto este cumprimentava fãs, tirava fotos, dançavam, fazia a festa toda, chegando mesmo a subir para as costas de um dos seus seguidores. Uma plateia ao rubro, público em cima do palco, um Tricky perdido no meio do amor dos seus fãs. Em poucas palavras, um momento como poucos terão o privilégio de voltar a assistir. Quer se goste ou não da sua música e mesmo que se ache a conduta e os supostos vícios do artista insuportáveis, ninguém ficou sem sorrir perante este cenário.

Tricky deu ainda uma última oportunidade aos seus fãs de conviverem com ele. Depois de Vent, os músicos retiraram-se do palco, excepto Adrian Thawns que voltou para perto do público para tirar fotografias, assinar autógrafos e cumprimentar as pessoas. “Obrigado por ter vindo”, ouvia-se da boca do artista. Pegando nas palavras de muitos fãs: “We love you Tricky”.

Confere aqui o alinhamento do concerto de Tricky na Casa da Música:

1-Past Mistake
2-Puppy Toy
3-Black Steel
4- Technologic, dos Daft Punk
5-Pumpkin
6-Murder Weapon
7-Desconhecida
8-Girls
9-Ace of Spades
10-Dear God
11- Desconhecida
12-Overcome

Encore:
13-Tricky Kid
14- Desconhecida
15-Vent

Melanie Antunes

Fotografia de Filipe Castro