Palco Principal - Quando espreitamos a tua biografia, há algo que nos salta, de imediato, à vista: o teu investimento em formação musical, quer em Portugal, quer no estrangeiro. É o mesmo, na tua opinião, essencial para uma carreira bem sucedida no mundo da música?

Mila Dores - Penso que é uma questão que não se pode generalizar.Eu estudo e ouço música todos os dias com o intuito de continuar a aprender. A evolução é muito importante em qualquer área.Para mim, é muitíssimo importante ter estudado música porque, se não o tivesse feito, não teria aprendido sobre harmonia nem composição. Essa formação é a base de toda a minha bagagem musical, é o meu saco de ferramentas.Quer se estude música na escola, quer se passe tempo a tocar em salas de ensaio, ou na rua, o importante é continuar a evoluir.Houve e há imensos músicos sem formação que são génios absolutos também. Isso depende do íntimo de cada um.

PP - Tanto no Porto, na Escola de Jazz, como no Reino Unido, no Leeds College of Music, dedicaste-te a estudar, além do jazz, a música clássica indiana. Uma escolha um pouco incomum, não? Como a justificas?

MD - Escolhi estudar em Leeds porque a música clássica indiana fazia parte do currículo da licenciatura em jazz que tirei. Sempre gostei imenso de música indiana e tive muita curiosidade em percebê-la, portanto fui estudá-la.Apesar de me ter dedicado a este tipo de música durante três anos, sei que há imenso por explorar ainda. É uma parte muito única e especial da música.

PP - Que oportunidades te ofereceu Leeds e o Leeds College of Music que Portugal e as escolas nacionais não te ofereciam?

MD - Em Leeds aprendi as bases da música indiana e aprendi muito sobre improvisação livre e composição.No âmbito da improvisação livre, pude explorar-me a um nível mais profundo e pessoal do que se tivesse estudado somente iprovisação no âmbito do be-bop, que é o único estilo de improvisação que se estuda em Portugal.A nível de composição, para além das bases em harmonia e técnicas de composição, os meus professores em Leeds sempre nos incentivaram a escrever a música que nos vinha de dentro, o que é um exercício de auto-conhecimento musical muito bom.Não conheço nenhuma escola em Portugal que ensine composição dessa forma tão pessoal.

PP - Com o teu regresso a Portugal, cresceu o interesse pelo Fado e pela música tradicional portuguesa. Pode dizer-se que a tua carreira tomou, por cá, um rumo diferente aquele que vinhas a traçar em Inglaterra?

MD - O meu interesse pela música portuguesa cresceu em Inglaterra, com as saudades de casa. Comecei a escrever bastante em português quando lá estava e fui sentindo que o meu sítio para estar e fazer música seria em Portugal, onde posso agora cantar para um público que entende a minha língua.Continuo, porém, a trabalhar com um pianista londrino e fazemos um trabalho de dueto bastante diferente da música que faço com a minha banda nacional.

PP - Aos poucos, o nome Mila Dores vai-se afirmando no panorama musical português. Que passos tens dado nesse sentido? Quais os marcos da tua carreira, por cá?

MD - Voltei para Portugal e comecei a apalpar terreno: a conhecer músicos, a tocar com eles, a perceber o que faria sentido cá.Tenho cantado em vários palcos de bares de Lisboa, e só este ano vamos gravar o meu álbum de estreia como artista a solo.

PP - Nos dias que correm, consideras que há muito público, em Portugal, para a tua música? Ou, pelo contrário, sentes que fazes música para uma minoria?

MD - Sei que há um imenso público para a minha música.Este meu projeto de originais tem bastante influencia na música do Jorge Palma, Ornatos Violeta e Clã. Todas as letras são em português, os portugueses valorizam cada vez mais a música cantada em português - e acho muito bem.

PP - Estreias-te, no dia 16 deste mês, num importante festival português – o Bons Sons. Um sinal de um reconhecimento crescente por parte dos pares, crítica e público?

MD - Sim, claro. Estou muito feliz por estrear o meu projeto num festival tão bonito, que dá prioridade a artistas portugueses, e por ter o meu nome ao lado de tantos outros incríveis, como o Sérgio Godinho, Capicua, Gisela João, etc.

PP - Não obstante a «estaleca» ganha ao partilhares o palco com nomes como Simon Purcell ou Evan Parker, ainda sentes «borboletas na barriga» sempre que sobes a um palco ou este já é, definitivamente, o teu habitat natural?

MD - Sinto sempre as borboletas na barriga. Curiosamente, agora sinto as borboletas algumas horas antes do espetáculo.As borboletas são, para mim, sinal de boa energia que está prestes a sair para o mundo.O palco é o sítio onde me sinto eu, a Mila de verdade. Desde as atuações que fazia na academia musical de Vilar do Paraíso, em menina, que me sentia bem em palco.

Texto: Sara Novais

Fotografias: Vera Marmelo