
Depois de uma primeira parte feita à portuguesa - com certeza - com fados dos mais variados na voz de Marco Rodrigues - que tem sido o maior responsável pelas primeiras partes dos concertos da cantora em Portugal, o público já tinha as vozes aquecidas, as palmas ensaiadas e o entusiasmo bem alto.
De luzes apagadas e banda em palco, eis que se espera por Maria Gadú. Começa a citar versos de Cazuza, afinal estes últimos concertos têm sido de homenagem ao músico e compositor. “O Tempo Não Pára” é a primeira da noite, onde se esperava que a cantora entrasse pelo meio da plateia, como na noite anterior no Coliseu do Porto. Não o fez. Não o fez por ter tido uns pequenos desentendimentos com a sua equipa enquanto se dirigia à porta que dá para a plateia central. Ficou a meio do caminho e entrou por uma das portas laterais, tendo deixado muita gente confusa. Mas pouco durou a confusão. “Encontro” e “O Nosso Amor A Gente Inventa” vêm de seguida.
A surpresa dá-se ao ouvirmos temas antigos conhecidos do grande público, que tão bem os tem na ponta da língua. “Bela Flor” foi um desses temas. No entanto, nada se ouve do último álbum de duetos, Nós, talvez não fazendo sentido cantar nada sem os companheiros de gravação.
Logo a seguir a “Extranjero” confessa aos presentes, por entre sorrisos tímidos que tanto a caracterizam, que cortou o dedo e pede desculpa enquanto troca um pequeno penso curativo, atirando-se sem mais demoras ao seu “Anjo de Guarda Noturno” do álbum Mais Uma Página. “Tudo Diferente” vem logo a seguir, fazendo toda a gente viajar até 2009 e ao álbum homónimo, Maria Gadú. “Bete Balanço” marca o momento seguinte, antes da primeira convidada da noite subir ao palco. Mayra Andrade faz as honras do palco ao partilhar a tão especial “Dona Cila” (escrita por Gadú para a sua avó, conhecida por toda a gente por Dona Cila, quando esta faleceu). De voz embargada, olhos cheios de lágrimas e muita emoção no ar, cria-se assim um dos momentos mais bonitos e especiais da noite. A química entre as duas é mais do que notória, quando cantar por entre toques carinhosos, sorrisos e abraços cúmplices. Ainda mergulhados num momento emotivo, aproveitam para partilhar mais um tema, “Le Most D’Amour” antes de Mayra voltar a abandonar o palco.
A guitarra é pousada, as luzes apagadas e a banda fica muda. É hora de “Axé A Capella”. Por entre as poucas luzes no espaço, víamos Gadú no chão, a cantar os primeiros versos. E do nada, uma iluminação bipolar surge, com strobes de todos os lados para uma exibição mais do que enérgica, com a cantora brasileira aos saltos e em danças quase tribais no palco. No final confessa-se cansada e revoltada. “Falo, repito, reitero, revisto, infelizmente o mesmo discurso. A gente está vivendo uma crise existencial mundial e como brasileira, cidadã e patriota, me entristece muito o que está acontecendo no Brasil - é um desengano muito grande” confessa, “acontece há muitos anos… É um momento muito especial para o Brasil, onde o povo acordou com essa Copa do Mundo!”. Por entre desabafos polémicos envolvendo a Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, relembra o episódio em que alguém “mandou a presidente tomar no c* e que chamaram o povo de mal educado - somos mesmo mal educados, a gente não tem educação! E não tem nada de errado em mandar a Dilma tomar no c* porque a gente também está tomando no c*!” lançando-se sem mais nem porquê a “Filosofia” e “Medieval”.
Faz uma pausa de segundos para limpar o suor e beber algo num copo escuro - que suspeitamos conter vinho, já que Gadú é apreciadora de uma boa colheita. “Cara, suei com essa”, e alguém do público intervém para levar a resposta “Você está falando isso porque está longe! De perto é muito diferente!”, arrancando vários risos aos presentes. “Indios” aparece antes do segundo convidado da noite, um repetente naquele palco. Marco Rodrigues junta-se a Maria Gadú para “A Valsa”, este dueto que “dançam“ os dois tão bem. “João de Barro” do melhor amigo e quase irmão da artista, Leandro Léo, volta para atormentar os corações mais fracos e os fãs mais dedicados.
De volta a 2011, Mais Uma Página é revisitada novamente com “Linha Tênue”, uma das mais mexidas e cativantes músicas da cantora. E finda-se o concerto. Pelo menos para aqueles que não estão habituados a espetáculos de música e que se levantam de imediato para abandonar a sala. Todos sabem que existe um encore. E este volta com mais Cazuza. “Malandragem” assenta na voz rouca da menina de São Paulo como um luva - ou melhor, até diria.
Depois de uma exibição exímia dos instrumentistas da banda onde os violinos tiveram o papel principal por uns minutos, Gadú apresenta a banda entre demonstrações de habilidades musicais. “Laranja” vem logo a seguir, mais uma com o de Leandro Léo e que normalmente é cantada em dueto com o brasileiro.
No final explica o porquê de tanto Cazuza durante o concerto. Sentiu a necessidade de homenagear o homem, o artista, o poeta, que apesar de não ser sequer da sua geração, sempre foi um modelo, uma inspiração para a cantora seguir. Para fechar de vez o espetáculo, deixou uma “Ideologia” bem vincada. No final, o típico agradecimento da menina bonita da MPB (música popular brasileira) com a sua banda, no centro do palco.
É sem dúvida uma das mais talentosas e acarinhadas artistas brasileiras do momento, e já o é há muito tempo. Quanto ao concerto, só coisas boas nos resta dizer. Quanto à sala longe de esgotar, é possível se deva ao elevado preço dos bilhetes para o espetáculo, que iam de 27,50€ a 60€ ou até mesmo 150€ (para camarotes de 6 pessoas). Numa altura em que a crise aperta no bolso e na alma de tanta gente, é compreensível que um espetáculo desta natureza, com tais preços, ficasse longe de esgotar.
Por cá, esperamos que volte em breve. Com ou sem Cazuza.
Alinhamento:
O Tempo Não Pára
Encontro
O Nosso Amor A Gente Inventa
Bela Flor
Extranjero
Anjo de Guarda
Tudo Diferente
Bete Balanço
Dona Cila (com Mayra Andrade)
Le Most D’Amour (com Mayra Andrade)
Axé A Capella
Filosofia
Medieval
Indios
A Valsa (com Marco Rodrigues)
João de Barro
Linha Tênue
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Malandragem
Laranja
Ideologia
Texto e fotografias: Marta Ribeiro
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