"Candy Parfum Girl" pode ser uma canção de Madonna, mas o seu título assenta como uma luva a Katy Perry. Como se as canções da cantora californiana não fossem suficientemente adocicadas, a sua nova digressão, Californa Dreams, integra-as num imaginário algures entre uma "Alice no País dos Doces" (por vezes lembrando a versão de Tim Burton para o livro de Lewis Carroll) e o conto Hansel e Gretel, dos Irmãos Grimm. O concerto da cantora de "Teenage Dream" não incluiu a mítica casinha de chocolate, mas teve outras guloseimas - começando logo pelo brownie que Perry trincou ao início, dando o mote para um espectáculo que contou uma história ao longo de vários actos.
Katy Perry aguardada por milhares de fãs antes do concerto:
Tal como as actuações de Madonna - ou de Lady Gaga, ou de Kylie Minogue -, a de Katy Perry não viveu só da música. Outros ingredientes como a mímica, a dança, o vídeo ou até trapezismo foram complementos essenciais para as quase duas horas de concerto. Algumas vezes, foram até mais determinantes do que as canções. Uma ode ao eye candy, dirão alguns. Mas por que não? Já que os dois discosda californiana- "One of the Boys" (2009) e "Teenage Dream" (2010) - dificilmente ficarão na história da música, ao menos que sejam bem aproveitados num espectáculo assumidamente lúdico e despretensioso, capaz de agradar a um público transversal (sobretudo a nível etário, agregando pais e filhos, grupos de adolescentes e casais de todas as idades).
Deixem-na entreter-nos
Katy Perry não é uma cantora ou dançarina de excepção, mas foi uma simpática e dedicada entertainer com uma equipa a condizer. A alegria que emanou do palco, tanto dos músicos como dos bailarinos, ajudou a fazer a festa junto de um público que, de qualquer forma, já parecia conquistado à partida. Além do calor humano, a cenografia também contribuiu para que dificilmente alguém se aborrecesse - destaque para a doçaria em palco, com chupa-chupas gigantes, os contrastes na iluminação ou os três ecrãs com imagens associadas às canções (de referências pop art a figuras de slot machines, passando por fotos de fãs ou desenhos animados clássicos).
Muita da vertente visual passou ainda, como não poderia deixar de ser, pelas mudanças de indumentária de Perry - mais de uma dezena. A cantora, cuja imagem deriva muitas vezes da iconografia das pin ups dos anos 50, também vestiu a pele de bailarina, logo no início da actuação, experimentando depois vestidos de gala, fatos justos ao melhor estilo dominatrix/catwoman, uma túnica branca (no segmento angelical de "Pearl") ou roupas mais descomprometidas (com direito aperuca azul).
As canções, familiares ou nem por isso
Por muito que a imagem tenha dominado a noite, parte do público não perdoaria a cantora caso alguma das suas canções mais emblemáticas ficasse de fora. Mas não terá faltado nenhuma, ainda que nem todas tenham sido apresentadas da maneira que se esperaria. "I Kissed a Girl", um dos seus singles mais polémicos, surgiu de forma quase irreconhecível. De tom jazzy, sussurrante, com uma Katy Perry tornada femme fatale, só explodiu a meio, aproximando-se da versão do disco para terminar de forma instrumental, ao piano. Foi uma variação inesperada mas bem-vinda, tal como a de "Ur So Gay", uma fanfarra com tempero Broadway, ou a electro-rockalhada trashy de "Peacock", ainda mais abrasiva do que no álbum (Peaches não desdenharia).
Noutros momentos, a californiana desceu ao inferno (na negra e estridente "Circle the Drain") para depois subir ao céu (através de um trapézio, na melancólica "Not Like the Movies", com bolas de sabão a acompanhar) ou mais além (na atmosfera sci-fi de "E.T.", condimentada com lasers). E como às vezes menos é mais, Perry também puxou da guitarra acústica para cantar "The One That Got Away", dedicada aos ex-namorados, ou um medley que incluiu "Only Girl (In the World)", de Rihanna (a quem deu os parabéns pelos 23 anos celebrados ontem).
Embora bem acolhidos, nenhum destes temas teve o efeito "é hoje que a casa vai abaixo" de "Hot N' Cold", "California Gurls" e especialmente "Firework", hino aos desajustados que deixou milhares aos pulos. A festa fez-se também no cenário veraneante de "Last Friday Night (T.G.I.F.)" e fechou, no encore, com uma versão de "I Wanna Dance With Somebody", de Whitney Houston, onde Katy Perry dançou com a sua gata (que procurou nos vídeos projectados nos intervalos das canções) e convidou alguns espectadores para o palco.
Antes de se despedir do local onde já tinha actuado há dois anos, na sua estreia por cá, reforçou os muitos agradecimentos que foi deixando ao longo do espectáculo. Tendo em conta a química evidente, esta segunda vez dificilmente terá sido a última, até porque há outros motivos que ligam a pin up californiana a Portugal. "Escolhi iniciar aqui a digressão porque também sou um bocadinho portuguesa", contou (a sua mãe é luso-descendente). O sentimento parece ter sido recíproco porque, pelo menos durante uma noite, milhares de lisboetas (e não só) também foram um bocadinho californianos.
Texto @Gonçalo Sá/ Vídeo @Gonçalo Sá e Inês Alves
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