Osório trabalhava recentemente numa pesquisa sobre a imprensa fadista e deixa pronto para publicar um texto de introdução à reedição do livro «O Fado e os seus censores», de Avelino de Sousa. Em novembro, receberia o Prémio Amália Ensaio/Divulgação, que seria a sua consagração como investigador na área do fado, em que se tinha destacado nas últimas décadas, disse também à Lusa o musicólogo Rui Vieira Nery.

Segundo Nery, José Manuel Osório «pôs cá fora outra vez um grande acervo discográfico do fado que estava esquecido» e «por trabalhar», sublinhando que «ele estava a fazer um trabalho em duas direções, por um lado trabalhar sobre a discografia do fado, sobretudo a dos anos 50 e 60, através do acesso que tinha aos arquivos da Movieplay», que por sua vez tinha outras «etiquetas». Por outro lado, «também estava a trabalhar muito sobre a imprensa periódica do fado desde o princípio do século XX» e «a levantar informação» sobre «as principais revistas», acrescentou.

Rui Vieira Nery recordou que os dois iam fazer um livro «a meias», uma recolha de fados tradicionais, mas não o chegaram a começar. José Manuel Osório estava também a trabalhar na candidatura do fado a Património Imaterial da Humanidade.

«Naquela geração entre finais dos anos 60 e princípios dos 70, era um homem muito próximo do PCP e, portanto, foi dos primeiros fadistas (...) que fez um bocadinho a ponte entre o fado e o meio cultural e intelectual da oposição democrata», começando a «cantar poemas de poetas eruditos», realçou o musicólogo.

«Do ponto de vista humano é um combatente», que lutou contra o HIV/sida durante décadas, frisou Rui Vieira Nery, sublinhando que essa «vontade de viver e de trabalhar muito grande, de fazer coisas, escrever, deixar a obra feita». O musicólogo disse ainda que «ele estava contente com o reconhecimento que tinha tido como investigador».

Uma carreira dedicada ao fado

José Manuel Osório nasceu em Leopoldoville, atual Kinshasa, na República do Zaire, então Congo Belga, no dia 13 de maio de 1947. Aos 10 anos veio estudar para Portugal, ingressando dois anos depois no Conservatório de Música de Lisboa, tendo terminado aos 15 o Curso Básico e Superior de Solfejo. Terminou com louvor e distinção o curso de piano aos 24 anos. À imprensa garantiu que era cantado por Lucília do Carmo o primeiro fado que se lembrava ter ouvido.

Pai do jornalista Luís Osório, com quem escreveu a meias o livro «Quanto Tempo, Uma Criança no Olhar» (2003) - redigido como se se tratasse de uma entrevista, em que falam sobre as suas próprias vidas e o seu relacionamento difícil -, José Manuel Osório estava infetado com VIH/sida há mais de 27 anos e tornou-se um exemplo de sobrevivência mesmo a nível internacional.

O interesse pelo fado começou quando se matriculou na Faculdade de Direito. Frequentava as casas de fado da linha de Cascais que, segundo afirmou, eram «espaços de alguma revolta em relação às casas de fado que proliferavam nos bairros históricos de Lisboa, e que transformavam o prazer de cantar numa obrigação».

Osório fundara, entretanto, o Grupo Independente de Teatro da Faculdade de Direito que dirigiu e para o qual encenou «O Homúnculo», de Natália Correia, o primeiro texto desta autora a ser representado em público. O investigador tinha-se anteriormente inscrito no curso de teatro do Conservatório e trabalhara durante seis anos no Teatro Estúdio de Lisboa, dirigido por Luzia Maria Martins.

Nas casas de fado de Cascais como Estribo ou Cartola, conheceu fadistas e poetas, nomeadamente Vasco de Lima Couto, que lhe ofereceu um poema para cantar, e José Carlos Ary dos Santos que lhe escreveu um poema, também para ser cantado, o decassílabo «Desespero», a partir de um soneto incluído no livro «A Liturgia do Sangue».

José Manuel Osório gravou o primeiro disco em 1968, com poemas de Ary dos Santos, Lima Couto, Manuel Alegre, Mário de Sá Carneiro, António Botto, João Fezas Vital, Lídia Neto Jorge, António Aleixo e Maria Helena Reis. No ano seguinte, gravou o segundo disco e recebeu o Prémio da Imprensa para o Melhor Disco do Ano.

Em 1970 a Casa da Imprensa distinguiu-o com o Prémio para o Melhor Fadista mas foi impedido de cantar no palco do Coliseu, pela polícia política de então, a PIDE-DGS.

À Lusa Rui Vieira Nery afirmou que «José Manuel Osório foi dos primeiros da sua geração a fazer a ponte entre o fado e o setor intelectual da oposição democrática». Partiu para Paris onde trabalhou num restaurante onde se cantava Fado e conheceu José Mário Branco, Sérgio Godinho e Luís Cília, entre muitas outras personalidades.

Na década de 1970, dinamizou o teatro amador, levando à cena dezenas de espetáculos que se apresentavam essencialmente nas coletividades de Lisboa. Conquistou o primeiro Prémio do Festival de Teatro Amador com o Grupo Oficina de Teatro de Amadores em Alfama, com o texto «Soldados» de Carlos Reyes.

Editou o quarto disco, em que incluiu poemas de Fernando Pessoa, Manuel Alegre, António Aleixo, Francisco Viana, Martinho da Rita Bexiga, António Gedeão, Alda Lara, entre outros. Colaborou com vários músicos como António Chaínho, Arménio de Melo, Manuel Mendes, José Nunes, Raul Nery, José Fontes Rocha, Carlos Gonçalves, Pedro Caldeira Cabral, Pedro Leal, Joel Pina e Martinho D'Assunção, entre outros.

As pesquisas sobre o fado iniciou-as em 1973 quando definitivamente regressou a Portugal, tendo escolhido como matéria de investigação o fado operário e anarco-sindicalista, com o intuito de o cantar.

Após a revolução de 1974, participou na fundação do grupo de teatro A Barraca, compôs música para peças de teatro e gravou três discos de fado tradicional. A carreira discográfica pode então ser dada como encerrada, apesar de ter gravado o ano passado «Fado da Meia Laranja» para uma coletânea do poeta José Luís Gordo.

Iniciou uma carreira como produtor de espetáculos e agente de artistas, atividade que manteve até 1990. Sempre ligado à organização da Festa do Avante, participou ativamente na criação de um espaço fadista, o «Retiro do Fado».

Em 1993, a convite do musicólogo Ruben de Carvalho, organizou «As Noites de Fado da Casa do Registo», inseridas na Lisboa/94, Capital Europeia da Cultura. Em 1998 coordenou as Festas da Cidade de Lisboa. Colaborou com o Museu do Fado, organizou colóquios e várias iniciativas ligadas ao fado, participando como autor na obra «Um século de fado».

Em 2005 coordenou o projeto «Todos os Fados» para a revista Visão, posteriormente colaborou na antologia dos fadistas Fernanda Maria e Fernando Maurício, editadas pela Moviplay Portuguesa e, para esta mesma editora, as séries «Fados da Alvorada» e «Fados do Fado», trazendo à ribalta o repertório fadista desde a década de 1950 até 1974.

SAPO com Lusa