A abrir o concerto, Jorge Palma anuncia que queria começar ao contrário. E começa por apresentar Mário Pereira, que lhe prepara os instrumentos; Tiago Castro, responsável pelo som; e Carlos Gonçalves, nas luzes. “A ideia era cantarmos à capela”, conta, antes de arrancar com um medley que inclui “The Wild Rover”, de Bob Dylan, e “O Meu Amor Existe”.
E foi assim que começou esta noite, que parou mais de duas horas depois, e onde se saltou entre “Voo Nocturno”, “Com Todo o Respeito”, “Norte”, “É Proibido Fumar”, “Asas e Penas” e tantos outros conjuntos de músicas que souberam conquistar, e merecidamente, o seu lugar no panorama da música nacional.

“Jeremias, o Fora da Lei” é a segunda canção que canta sozinho, à guitarra, antes de entrarem em palco Gabriel Gomes – músico dos Madredeus -, no acordeão; e Vicente Palma, filho de Jorge Palma, que, como o pai, foi trocando a guitarra pelo piano ao longo da noite.
Alguém grita da plateia “És o maior!”, ao que Jorge Palma responde: “1,70". A seguir, oferece-nos “Acorda, Menina Linda”, antes de agradecer a Carlos Gonçalves pelo jogo de luzes, que estava muito bonito. Mas este terá sido o ponto fraco do concerto, com as luzes a encadearem muitas vezes o público, que se via impedido de ver o que se passava no palco.

Com Vicente Palma ao piano, Jorge Palma continuava com a guitarra e queixava-se das folhas que tinha deixado cair da pauta. “Para esta não preciso da letra, mas quase de certeza que vou ter uma branca...”, ri-se. E seguem-se os acordes de “A Chuva Cai”.“Conhecem 'O Principezinho'? Esta canção é inspirada no livro de Saint-Éxupery, que desapareceu num voo entre Buenos Aires e qualquer coisa... Acho que vou falar o menos possível”, admite o músico, quando a voz lhe prega uma partida e as palavras parecem enrolar-se na boca.

“Voo Nocturno” e “Gaivota dos Alteirinhos” são os dois temas que canta antes de se sentar ao piano, altura em que o concerto subiu de intensidade e o público não se cansou de demostrar o seu afecto pelo músico, o que, por vezes, acabou por ser exagerado.“Isto é só encenação”, alertaJorge Palma, perante o cinzeiro e copo com whisky colocados em cima do piano. E aproveita para pedir uma cerveja.

“Só”, com Jorge Palma ao piano e com Vicente Palma a acompanhá-lo nas vozes, é um dos momentos mais bonitos da noite. Depois de “Dá-me Lume”, Jorge interpreta um medley instrumental que inclui “As Time Goes By”. E segue com “Deixa-me Rir” e “Valsa de um Homem Carente”, já sozinho ao piano. É nestes momentos que Jorge Palma demonstra que, além de um excelente compositor e poeta, é um músico fora de série. Ao piano, Jorge Palma parece uma continuação daquele instrumento - vê-se que este é o seu instrumento de eleição. Aliás, é comum associar-se a imagem do músico às teclas brancas e pretas.

Depois do “Lado Errado da Noite”, Jorge Palma torna a pedir uma cerveja. Sem resposta, depois de interpretar “Estrela do Mar”, pede ao público para aguardar, enquanto se ausenta do palco. Regressa, já de cerveja na mão e de sorriso no rosto e, à boca de cena, canta: “You can always get what you want...”. Se há pessoas que podem fazer isto, Jorge palma é uma delas, porque o seu talento e a sua presença em palco fazem esquecer as condições em que algumas vezes sobe ao mesmo.

Ao piano, aproveita para perguntar: “Onde é que gente ia? Podem aproveitar para fumar um cigarrinho..”. Seguem-se “Passos em Volta” e “Minha Senhora da Solidão”, antes de Jorge Palma lançar uma votação ao público: “Vamos votar entre o vinho de “Encosta-te a Mim” e a vodka do “Frágil”. A uma e outra pergunta, o público diz da sua justiça. Ficam particamente empatados, mas Jorge Palma decide. Ganhou “Frágil”.

Gabriel Gomes torna a subir ao palco, onde acompanha “Onde Estás Tu, Mamã (Canção de Lisboa)”; e “Imperdoável” – “título roubado ao Clint Eastwood”, diz Palma – conta já com a presença de Vicente Palma. É a vez de Jorge Palma voltar ao piano, para interpretar “Uma Alma Caridosa”, “Com Todo o Respeito” e “Encosta-te a Mim”.

Jorge Palma chama então o seu único convidado da noite - “uma amizade com quase 50 anos”, recordam os dois. Fernando Tordo, que, ao pedido para cantar “A Tourada”, responde: “Mas isso já tem 40 anos!”. Fica só em palco com um charango, um instrumento de cordas que, conta, é a única coisa não nacional esta noite em palco, num serão em que se canta em português. “Estou muito feliz por estar nesta sala cheia, com o Jorge Manuel”, diz Fernando Tordo. A canção que apresenta é uma das muitas “cantigas” que adora da autoria de Palma: “Dormia Tão Sossegada”. A meio, Fernando Tordo declara para o lado: “Isto está a ser um êxito!”.

E, quando parecia que se seguia um tema interpretado a meias, fazem-se ouvir, num som que saía de um trompete no meio da plateia, os acordes iniciais de “A Tourada”. “O Fernando Tordo apresentou-me Ary dos Santos, levou-me a Timor, e já discutimos muito. É bom ter amigos assim”, disse Jorge Palma, na despedida de Fernando Tordo e do público. Para o fim, ficou “Portugal, Portugal”.

Mas porque a noite prometia mais, Jorge Palma regressou ao palco. O público não parava de pedir canções: “A Gente Vai Continuar”, “Rosa Branca”, “Quarto Minguante”, “A Caminho de Casa”... E Jorge Palma brinca com as insatisfações: “Podem sempre pedir o dinheiro de volta. Já houve casos em que mereciam, mas hoje não é o caso...”. O público não podia estar mais de acordo e não para de demonstrar que esta vai ser uma noite para recordar.

“Anjos de Berlim”, “Terras de Sonho” e “A Gente Vai Continuar” fecharam a festa. O público ainda tentou mais um encore, mas a noite já ia longa e o espetáculo já passava das duas horas de duração.

Ninguém terá saído insatisfeito, ainda que algum pedido especial de algum tema tenha ficado por cantar. Jorge Palma podia passar uma noite inteira a cantar e ninguém ficaria farto. E ainda que esgotasse todos os seus temas numa noite, se houvesse lugar para um outro espetáculo, podíamos esperar, outra vez, algo único.

Por: Helena Ales Pereira
Fotografias: Rita Bernardo