Como em tantos outros livros de memórias, Krieger optou por uma organização não cronológica, uma espécie de livre associação onde vai encaixando factos da sua vida, historietas sobre os Doors (dos primórdios às gravações dos álbuns), os descalabros e genialidades de Jim Morrison, e a desconstrução de mitos e lendas - alternando entre gravidade e um grande sentido de humor.
Ao contrário dos outros membros dos Doors, Krieger nasceu rico num bairro rico de Los Angeles mas, para desespero do seu pai, um bem-sucedido engenheiro, demonstrava muito pouca aptidão para estudos sérios. Da fase estudantil, o guitarrista ressalta histórias cujo resultado final foram problemas com a polícia e até mesmo algumas detenções.
Dentro do espírito dos anos 1960, a procura de “transcendência” interior levava-o a cruzamentos frequentes com gurus indianos - ao mesmo tempo que o ácido oferecia, por sua vez, as aberturas das tais “portas da perceção” que tanto faziam sentido para William Blake (e para Morrison) e do qual vem o nome de batismo da banda. Isso, claro, quando não eram “bad trips”...
Num destes momentos absurdos, ele e umas amigas resolvem experimentar chá de sementes da flor “glória-da-manhã”. Descrição: “Seguiu-se uma ‘moca’ intensa. O universo tornou-se cristalino e, por razões que desconheço, comecei a falar com sotaque inglês. Convenci-me de que tinha sido britânico numa vida anterior. Pensei que a minha nova dicção ajudaria a conquistar Josie, mas todo aquele vomitar pareceu ter dado cabo das minhas hipóteses…”
No meio das odisseias do músico, há Jim Morrison - que surge entre o bom e mau, o sóbrio e o alucinado, o grande poeta e um completo descontrolado. E aqui Krieger vai desconstruindo algumas lendas - entre as quais uma das mais famosas e que se tornou ainda mais célebre depois do filme de Oliver Stone (“The Doors - O Mito de uma Geração”, 1991). Essa diz respeito aos tons edipianos de “The End”, em cujos momentos de grande intensidade e poesia se entrecruzam versos como “Father…yes, son… I want to kill you…Mother… I want you!” .
Segundo Krieger, a lendária história de que, ao cantar esses versos, os Doors motivaram um levantamento de espectadores furiosos e foram expulsos pelos donos do Whisky, local onde o grupo tocou durante meses e praticamente forjou a sua identidade musical, nunca aconteceu. O público aplaudiu freneticamente e os proprietários nunca disseram nada a respeito - tanto que a banda voltou a tocar lá noutras ocasiões. Ou seja, se o grupo liderado por Morrison colecionou de facto confusões em espaços onde tocou, a letra de “The End” nunca foi um problema.
Mais entusiasmado é o seu relato sobre outro filme - “Apocalypse Now”, de Francis Ford Coppola, onde admite ter ficado encantado (e quem não ficou…) com a estupenda sequência de abertura sob os acordes de Krieger, música que volta a ser escutada no final: “Um filme indubitavelmente épico chegava ao fim, culminando em ‘The End’ a tocar de novo sobre um final intenso e sangrento de que estou certo de que o Jim teria adorado de morte”.
Trazida na primeira pessoa por alguém que não só tocou numa das grandes bandas da história do rock como ainda testemunhou um dos mais célebres momentos culturais dos anos 1960, “Set The Night On Fire - Viver, Morrer e Ser Guitarrista nos The Doors”, coescrito pelo jornalista Jeff Alulis, é imperdível.
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