Regra base, os que mais se queixam são os que menos cumprem. E eventos como o Festival Hip Hop Sou Eu mereciam, sem dúvida alguma, casa cheia. A abarrotar. De forma a incentivar os promotores a apostarem neste tipo de iniciativa sem pensarem duas vezes, sem sequer ponderarem a hipótese de fracasso. Faltou uma adesão massiva no evento de sexta-feira à noite, no Coliseu dos Recreios. Aqueles que responderam à chamada encheram cerca de meia casa, deixando muitos espaços vazios na plateia em pé, e muitos lugares sentados ao abandono.
Porém, como reza a velha expressão popular, só interessa quem está. E os que marcaram presença não se deixaram intimidar e desempenharam o seu papel de forma irrepreensível, quer na altura de acompanhar os Grognation no seu explosivo “Shot’s de Grog”; Dillaz na interpretação de temas como “Pedras no Meu Sapato”, “Agarra Q’é Ladrão” e “Não Sejas Agressiva”; e Tekilla em “Sinónimo”, “Contra Factos”, “Serius” (que contou com a participação de Praga) e “Só Há Um”, com direito a homenagem a Snake, GQ e Short Size, rapper que nos deixou há cerca de um mês.
Um dos nomes mais aguardados do cartaz, Jimmy P fez-se acompanhar pela sua banda (constituída por bateria, guitarra, baixo e teclas) e deu voz a temas do seu disco de estreia, “#1”, como servem de exemplo “Warrior”, “Storytellers” e “Amigos e Amantes”, e ainda abordou o seu recentemente editado “FVMILY F1RST”, do qual se ouviram temas como “On Fire”, imediatamente reconhecido e acompanhado pela plateia, “Foge de Mim” e “Marcha”, que, por razões de logística, não pôde contar com a participação de Valete (o mesmo encontrava-se a atuar em Leiria).
Com a ajuda da sua banda de suporte, Jimmy P consegue explorar sonoridades, brincar com ritmos e melodias, e adicionar à sua música as diferentes influências que completam o seu imaginário, do solo rock de “Natty Dread”, tema retirado da mixtape “Contra-Cultura”, ao registo blues de “Amigos e Amantes”, sem esquecer uma ou outra passagem por clássicos intemporais de hip hop - “Still Dre”, “Let Me Blow Ya Mind” e “California Love” foram algumas das escolhas do rapper para um interlúdio a dada altura do concerto. Jimmy P sabe gerir o seu alinhamento de forma inteligente, intercalando as canções mais recentes com êxitos como “Os Melhores Anos”, garantindo a dinâmica do seu espetáculo.
A última atuação da noite ficou a cargo de Sam The Kid e Mundo Segundo, uma verdadeira conexão norte-sul que já mostrou estar em bom estado de saúde em “Tu Não Sabes”, a primeira fatia oficial do álbum conjunto, lançada em vésperas do festival, timing que, ainda assim, não impediu que a esmagadora maioria dos presentes soubesse a letra na ponta da língua, entoando o refrão “Aquilo que tu procuras encontras aqui, do segundo até ao sétimo da zona i / Esse ódio voluntário que vês por aí, não garante o meu salário, esse eu mereci” a plenos pulmões.
Infelizmente, para aqueles que nutrem uma enorme curiosidade em torno do projeto conjunto de Sam The Kid e Mundo Segundo, o concerto de sexta-feira não descortinou muitos pormenores relativamente ao que aí vem. “Tu Não Sabes” e “Gaia-Chelas”, já anteriormente tornada pública, foram as únicas amostras a integrarem o alinhamento, centrando-se o concerto nas carreiras dos dois MCs. Sam the Kid tratou de fazer backvocals nos temas do ancião do 2ºPiso e vice-versa.
Da parte de Mundo Segundo foi possível ouvir canções como “Sou do Tempo...”, “Raio de Luz” (a pedir o contributo de NBC, que participou, igualmente, em “Juventude é Mentalidade”), “Bate Palmas” e alguns temas de Dealema (“Bom Dia” e “Escola dos 90), que, apesar de contarem com a ajuda de Maze (o rapper viria, inclusive, a atirar-se a “Brilhantes Diamantes”, para a regozijo geral), perderam a força normal que o coletivo, com toda a arte e engenho, consegue imprimir.
“Não Percebes”, “Sofia”, com a habitual escolha aleatória de um elemento do público para fazer a voz da protagonista da história, “Juventude é Mentalidade”, “A Partir de Agora” e um medley dividido entre “Solteiro” e “És Onde Quero Estar” foram algumas das músicas trazidas por Sam The Kid para a festa, que, como não podia deixar de ser, atingiu o seu ponto alto em “Poetas de Karaoke”, cantado a uma só voz. Os coros multiplicaram-se, as centenas viraram milhares, e, por breves instantes, o Coliseu dos Recreios ganhou uma nova vida, garantida por aqueles que não falham uma jornada que seja.
Texto: Manuel Rodrigues
Fotografias: Marta Ribeiro
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