Os palcos, escolhe-os, hoje, a dedo. As suas aparições também. Pelos dedos já não consegue, contudo, contabilizar os fãs, que insistem em não perdê-lo de vista, quase 20 anos passados desde que surgiu, ímpar, à frente dos Ornatos Violeta.
Salas de espectáculo esgotadas não são, portanto, tendo em conta os dois termos da equação, uma novidade para este senhor de mil ofícios. Pelo contrário: são a regra. Concerto após concerto. E, é claro, o do passado sábado, no Teatro Helena Sá e Costa, no Porto, não foi excepção.
Não foi um espectáculo muito publicitado, é certo. Nem precisava. Fã que é fã – e os fãs do Manel parecem ser os mais dedicados que Portugal já conheceu – descobre sempre onde pára o seu ídolo. Cerca de duas horas antes da actuação começar, já se amontoavam à porta do teatro portuense, em busca do bilhete perdido (isto é, do bilhete reservado, entretanto preterido). Missão impossível. Fã de Manel Cruz não desperdiça oportunidades.
Pouco passava das 22h00, quando irrompe o bandido pelo palco dentro, acompanhado por Nuno Mendes, Eduardo Silva, Nico Tricot e António Serginho, seus comparsas no assalto à obra “O Amor Dá-me Tesão/Não Fui Eu que Estraguei”. Não há protagonismos na hora de saudar a plateia, conclui-se com relativa satisfação: os cinco multi-instrumentistas surgem simultaneamente, cúmplices, modestos, felizes, e, sem grandes demoras, partem, empenhados, para os acordes mais populares do álbum.
Excluído do alinhamento dos primeiros concertos de apresentação do registo, o grande trunfo radiofónico do disco a solo de Manel Cruz não ficou, desta vez, no casulo. Agarrada, desde logo, pelo quinteto (sem, contudo, perder a cor), Borboleta tomou de surpresa a assistência, que a esperava mais tarde, e voou alto.
Começava, assim, uma viagem pelo universo imaginário daquele que é um dos músicos de culto mais estimados da sua geração, interrompida apenas ocasionalmente para breves agradecimentos ou simpáticas ironias. O público, longe de estar saciado, estava, porém, rendido, à partida. Extremamente polido, quase cortês, não tirou os olhos do palco durante as duas horas de concerto que se seguiram. Sim, duas horas de concerto. Generoso, este bandido…
São 80 as faixas que compõem o “O Amor Dá-me Tesão/Não Fui Eu que Estraguei”. Menos calor estivesse na sala de espectáculos e todas elas de braços abertos teriam sido acolhidas pelos presentes. Mas os termómetros ultrapassavam os 30º. E tirar a camisola não era opção - só mesmo para o protagonista da noite.
Acabaram por pisar o palco as que, ao longo da digressão – iniciada em Abril na Aula Magna, em Lisboa – provaram ser as mais eficazes, ao vivo e a cores. Não faltaram, portanto, Foi no teu Amor, Canal Zero, Diz-me se aprovas, Insónia, Tirem o Macaco da Prisão, Fechado para Obras, A Cisma, Eleva!, As nossas Ideias, Uma Historinha, As minhas Saudades tuas, Canteiro, À sua Volta, Ninguém é quem queria ser, e, em jeito de despedida, as duas canções: a da Canção Triste e a da Canção da Lua.
Manel Cruz é um perfeccionista. Consciente das fragilidades e arcaísmos das suas primeiras actuações enquanto Foge Foge Bandido, nas quais surgia individualista, experimentalista, sentado, não descansou enquanto não as superou. Não ofuscando o seu know-how técnico – ainda se divide, prodigiosamente, entre a guitarra acústica, a guitarra eléctrica, os teclados, os samples, o megafone, a harmónica, o microfone e os pratos da bateria – conta agora, em palco, com oauxílio reforçado de antigos colegas, que conferem à performance uma maior dinâmica, uma maior segurança, um maior conforto, uma maior energia. Enfim, uma maior genialidade.
Agora sim, o bandido pode parar de fugir. O espectáculo atingiu o seu auge. E não é só o público que o confirma. A satisfação presente nas faces e na postura do quinteto fala por si. E bem alto, por sinal.
Fotografia: Diogo Martins
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