Depois de um primeiro disco homónimo, em 2005, as aventuras das Cansei de Ser Sexy (CSS), iniciadas com euforia para dar e vender, pareciam destinadas a um final quase certo, embora arrastado, e sobretudo infeliz. A saída da baixista Iracema Trevisan, em 2008, já sugeria que, apesar do ambiente festivo da música, a banda paulista não era imune a convulsões internas, impressão reforçada quando Adriano Cintra abandonou o grupo em 2011. A despedida teve direito a trocas de insultos e o então produtor, guitarrista e principal compositor faz questão, ainda hoje, de reforçar a inépcia musical das quatro ex-colegas, acusando-as de nem saberem tocar os seus instrumentos (basta espreitarmos, por exemplo, a sua conta do Twitter).
Também não ajudou que os discos editados entretanto - "Donkey" (2008) e "La Liberación" (2011) - tenham contribuído para uma progressiva diminuição de aplausos, tanto de boa parte de crítica como do público, que pareciam arrumar as Cansei de Ser Sexy como gracinha sazonal indie-kitsch com prazo de validade já expirado.
Pois bem, dez anos depois da formação do grupo e oito após o disco de estreia, "Planta" vem dizer, com uma convicção algo inesperada, que a história das CSS não acaba aqui. O quarteto liderado por Lovefoxxx respondeu à saída de Adriano Cintra com o recrutamento de David Sitek, cujo papel na produção é suficientemente determinante para ajudar a virar o jogo. E é determinante ao ponto de "Planta" ser, provavelmente, o álbum mais fluído das suas autoras, que não assenta tanto em dois ou três singles esgrouviados mas na consistência de um alinhamento versátil e surpreendente (em especial quando se arrisca em ambientes de fim de festa, quase inéditos até aqui).
Videoclip de "Hangover":
A produção do elemento dos TV on the Radio, mais eletrónica e limpa, contrasta com a moldura tosca e inacabada que nos fez gostar das canções das CSS, mas é uma troca justa. O sabor a mais do mesmo (sem a espontaneidade inicial) tornou "Donkey" num disco de má fama, por isso "Planta" opta, e bem, por seguir uma nova direção já apontada por "La Liberación". Desta vez, os sintetizadores saem claramente a ganhar às guitarras, estratégia já utilizada por Sitek em "Master of My Make-Believe", de Santigold, ou no mais recente "Mosquito", dos Yeah Yeah Yeahs. "Planta" consegue ser tão contagiante como esses parentes próximos sem nunca se confundir com eles, já que a voz (ainda característica) da banda impede que este seja só mais um disco de produtor.
"Honey", logo ao início, é um dos melhores exemplos disso mesmo, e se não é também a faixa de abertura mais convidativa dos últimos tempos deve andar lá perto. A pop eletrónica deste arranque, autêntico mel para os ouvidos, teria sido um cartão de visita mais apropriado do que "Hangover", single de apresentação simpático, mas pouco mais (e com uma inspiração numa M.I.A. com tempero mariachi muito pouco representativa do disco).
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A electropop é também a nota dominante de "Into the Sun", cujo desejo escapista cantado por Lovefoxxx deve tanto aos anos 80, ao início, como às desconstruções de uns Crystal Castles, a meio, ou a alguma indie pop dançável dos últimos anos, na linha de guitarra do final.
A ligação aos anos 80 reforça-se num título como "Frankie Goes to North Hollywood", tema com muito pouco dos autores de "Relax" mas com alguma coisa da eletrónica mais etérea de inícios da década seguinte. A combinação torna-se mais curiosa quando alguns versos são cantados em português (já tínhamos saudades, tantos anos depois do disco de estreia), mas os agudos de Lovefoxxx tornam-se cansativos e o ritmo demasiado lento acusa o episódio menos conseguido do alinhamento.
Também de compasso lento, mas bem melhor, é "Sweet", com uma melancolia que dificilmente julgaríamos possível nas CSS. Ode ao girl power assente num dubstep desacelerado, mostra que esta é de facto uma banda diferente da de há dez anos, e ainda bem. Outra prova inegável, talvez a maior, "Faith in Love" mergulha num negrume pós-punk digno de umas Savages, embora com a vantagem não constar de um disco que se limita a replicá-lo.
Se a melancolia destes momentos pode estranhar-se antes de se entranhar, a fricção de "Dynamite" é de adesão imediata e remete para os temas mais frenéticos - e elétricos - dos discos anteriores (Hannah Blilie, do Gossip, dá uma ajuda na bateria). "Teenage Tiger Cat" não faz a coisa por menos e atira-nos para uma discoteca que, além da tigresa adolescente do título, é frequentada por uma autêntica coleção de boémios do reino animal (incluindo estrelas do zodíaco chinês). Coros robóticos e os rugidos irresistíveis de Lovefoxxx garantem que "Planta" não afugente quem procura umas CSS espevitadas.
Também em plena pista de dança, mas em modo desencantado, "The Hangout" percorre o lado mais solitário da noite e até se atreve a refletir sobre as relações modernas ("Nobody goes on dates/ They call it a hangout") com uma candura tão adorável como a de "Too Hot", dedicatória amorosa de falsa ingenuidade adolescente impecavelmente imitada. A temática boy meets girl inspira também "Girlfriend", canção desconexa mas capaz de ganhar pontos com um refrão grandioso, a atestar a perícia pop da banda e do produtor. E quando este casamento criativo nos dá momentos assim, a polémica do último divórcio fica decididamente ultrapassada e resolvida. Siga a festa, portanto, que passa por Lisboa a 8 de outubro, no TMN ao Vivo.
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