Numa entrevista ao Palco Principal realizada no estúdio onde ensaiam as suas canções (530 é o número da porta), os três músicos falaram um pouco sobre o seu disco de estreia, a importância da gestão de comunicação entre artista e ouvinte e os concertos de apresentação que se avizinham.

Palco Principal - Como é que nasceram os 5-30?

Fred – Pode dizer-se que foi durante os ensaios para o concerto dos Orelha Negra no Sudoeste. Foi mais ou menos nessa altura que surgiu a ideia de fazer uns beats para o Carlão rimar. Fizemos um primeiro tema, que não chegou a entrar para o álbum, e um segundo, “Vício”, que acabou por contar com a participação do Regula. Gostámos tanto da experiência que acabámos por fazer outro tema com ele. Assim nasceram os 5-30.

PP - E souberam logo, desde início, qual a sonoridade a seguir?

Regula – Surgiu de forma natural. O Fred é uma pessoa que tem várias influências: não houve só rap e não faz apenas beats. Por isso, é normal que isso se reflita na sua veia produtiva.

Fred – Fui fazendo cenas, mostrei-lhes, e construímos tudo em conjunto. Recordo-me bem do Regula ter falado comigo acerca da sonoridade do tema “Arame”, afim de utilizá-la como modelo a seguir no álbum. Por isso, foi um trabalho conjunto. Apesar de eu dar o primeiro embalo, eles acabaram sempre por dar as suas sugestões. Depois, graças às misturas do Johnny Holly-Hood, da Superbad, as músicas acabaram por se projetar para outro patamar…

PP - Em termos técnicos?

Regula – Técnicos e não só, também acrescentaram algumas coisas. Alguns ingredientes.

PP - A nível de temática, o vosso álbum aborda muito a mulher enquanto sujeito. Houve aqui alguma coisa premeditada?

Carlão – Não foi nada premeditado. Os próprios beats sugeriram uma tensão sexual, com ambientes muito noturnos… A partir daí começámos a explorar essa temática de forma natural. Houve, inclusive, uma altura em que pensámos em intitular o disco “Sex Tapes” porque estava, de facto, muito virado para essa matéria, mas entretanto acabaram por surgir outros assuntos para falar…

PP - Um desses assuntos é a droga, que podemos ver retratada em “Abuso”. Não têm receio que, de alguma forma, este tema e esta letra tão forte possam estrangular o sucesso do álbum?

Carlão – Não. Eu acho que as pessoas dão valor àquilo que reconhecem como honesto, verdadeiro, genuíno. Aqui não se trata de fazer juízos morais. Nós estamos a descrever uma realidade. Portanto, não acho que estrangule nada, até porque serve de reflexão para algumas pessoas. A cena da droga está aí, e cada vez mais. Na minha altura fumava-se charutos na escola, atrás dos pavilhões; hoje em dia, os putos do secundário já dão cheiros de coca, portanto, é uma realidade que está aí bem presente.

PP - Carlão, há aqui canções em que é possível ouvir-te novamente a "rappar". Já tinhas saudades?

Carlão – Não, não tinha (risos). E a ideia nem era essa, mas o principal culpado foi o Fred, muito devido à natureza dos próprios beats.Depois, teres a teu lado alguém como o Regula – que é, para mim, a par do Samuel, um dos rappers mais pesados – a puxar por ti e a incentivar-te a rimar, acaba por servir de incentivo. Era algo que eu não estava muito à espera e que gostei de fazer, ainda agora dou por mim a ensaiar os temas sozinho, cheio de pica...

PP - Poderá isto ser o ponto de partida para voltares a “rappar” novamente? Não digo em Algodão, mas noutro projeto diferente…

Carlão – Isso já acho difícil, mas também já vivi tanto, já passei por tanta coisa, que já nada é assim tão garantido – aquilo que valia uma coisa há dois anos, agora vale outra, e vice-versa. Na minha sincera opinião, só imagino este registo nos 5-30. Posso fazer uma participação pontual com esses contornos, mas não me imagino a fazer um disco inteiro nesse registo. Nem pensar. Até porque, se fores ouvir o grosso deste álbum, há apenas três temas nos quais eu rimo. Nos restantes faço outras coisas…

PP - Em algumas músicas deste álbum recorres ao auto-tune [processador vocal] como complemento. Tens-te sentido inspirado pelo aparelho?

Carlão – Sim. Eu gosto muito do auto-tune, não tanto no sentido de afinação, mas sim como instrumento. É como o solo que o Diogo faz no álbum. É de teclas, mas soa a outra coisa. Soa a um synth abusado, cheio de distorção. Hoje em dia, a tecnologia permite-te fazer muita coisa e eu estou a utilizar o auto-tune para contextualizar a minha voz no ambiente eletrónico do disco. E tanto o tema “Pode Ser” como o “Já Estive Aqui” conduziram-me nessa direção, mesmo por serem canções com uma alma noturna. Mas não acho que deva ser - e neste disco não foi - o teu cartão-de-visita. É como os solos de guitarra: têm de ser utilizados de forma pontual, senão perdem a piada.

PP - Há o exemplo do Kanye West…

Carlão - Sim, sim, sem dúvida. E dos Daft Punk. Eles desconstroem de tal forma a máquina que passa a ser um instrumento. E é isso que me agrada.

PP - Regula, como é que foi casar o teu estilo de rima, que eu caracterizo como sendo direto e incisivo, com a veia mais poetizada do Carlão? Foi fácil?

Regula – Foi fácil, porque, não sei se sabes, ele é uma referência musical para mim. Já há muitos anos - farto-me de referir isso nas minhas músicas. Basicamente, é um sonho tornado realidade. Foi uma das coisas que eu sempre sonhei fazer. Portanto, foi fácil. Apesar de tu achares que existe essa diferença, eu revejo-me, a nível de escrita, nele.

Carlão – Até acho que temos bastantes pontos em comum, partilhamos uma certa brusquidão na forma de dizer as coisas. Somos muito diretos. E, por exemplo, o Regula, sendo um gajo bastante bruto, é muito mais delicado do que eu na construção frásica. Eu sendo, como tu dizes, mais poético, acabo por ser mais cru na escrita.

PP - E o mais engraçado disto é que vocês são dois ídolos rap de gerações diferentes. O Carlão, por ter sido o que foi nos Da Weasel, e o Regula, pela evolução que teve, que o coloca entre os melhores MCs de Portugal. Como é que tem sido o feedback das pessoas a esse nível?

Regula – Tem sido um espetáculo. Só tenho a agradecer. Ainda estamos cheios de pica porque nós, agora, queremos levar isto para a estrada - ainda há muita coisa para mostrar.

Carlão – São várias as novidades neste projeto. Desde o facto de eu e o Regula estarmos juntos, pelas razões que há pouco mencionaste, mas também pelo desvendar desta faceta produtiva do Fred. Foi uma surpresa. Muita gente só conhecia o Fred da sua caminhada como baterista (sendo que nos Orelha é mais do que isso). Isto até acabou por ser uma surpresa para nós. No início, a ideia era fazer apenas uns temas, depois começámos a perceber que era uma coisa para ser feita a três, mais tarde percebemos que não era apenas um EP, mas sim um álbum...

PP - Alguma vez sonharam que isto viria a ser assim?

Regula – Nunca. Eu achava que ia ser bem aceite, mas nunca desta forma tão positiva, principalmente pelo público feminino.

PP - Fred, recentemente tive a oportunidade de ler um post teu no Facebook, em que te pronunciavas sobre o facto do disco ter atingido o topo das vendas nacionais. Não estavas mesmo nada à espera…

Fred – Sim, há um ano atrás não me imaginava, sequer, a lançar um disco. Muito menos estava à espera que esse disco fosse alcançar o número #2 de vendas em Portugal, e também não imaginava que os três primeiros nomes da tabela portuguesa fossem, efetivamente, bandas portuguesas. E isso é bom, porque se conseguirmos colocar nomes portugueses em rotação nos topos das tabelas, melhor para nós, mesmo que essas posições signifiquem muito pouco em termos de vendas. Mas ao menos estamos lá. É sinal que as pessoas estão com atenção...

Carlão – É sinal que naquela semana vendeste mais do que uma Beyoncé, por exemplo...

PP - Recentemente, artistas como os Daft Punk e Kanye West, entre outros, optaram por estratégias de marketing interessantes em torno do lançamento dos seus álbuns. É importante um músico gerir,hoje em dia,essa comunicação com o consumidor?

Carlão – As pessoas já viram muitas coisas. Portanto, tu tens que pensar na forma como vais apresentar o teu trabalho. Os músicos de rua, por exemplo, já não se podem limitar a pegar na viola e tocar meia dúzia de canções para fazerem trocos. Eles têm de inovar e fazer trinta por uma linha para conseguirem chegar às pessoas. Acho que não há mal nenhum em experimentar coisas novas, desde que não comprometas a tua música. Ou seja, depois de teres o teu disco feito, é importante gerires a forma como o vais fazer chegar às pessoas. Só demonstra o teu poder de criatividade. É válido. Mais do que isso: é essencial. E repara que nós não fizemos nada de especial, até porque não temos dinheiro para isso. A nossa cena foi manter o sigilo até ao single sair. Conseguimos, e acho que o resultado foi satisfatório, porque as pessoas foram apanhadas de surpresa.

PP - Li recentemente, numa entrevista, que vocês tencionam levar o projeto para o palco com uma componente mais orgânica… Em que sentido?

Fred – Eu vou estar em palco com três gigantes da música [contando com a participação especial de Sam The Kid]. Então, a minha ideia era não ficar lá atrás a fazer play numa máquina – e atenção que não estou a menosprezar o trabalho de quem o faça, mas como nem sequer sou DJ, não me sinto muito confortável nessa posição. Então tive de encontrar algo mais interessante para mim e, claro, para eles. E propus essa ideia de fazer algo diferente. Demorou algum tempo, mas chegámos a um consenso e criámos um espetáculo que, não sendo uma coisa totalmente inovadora, traz um lado live que é necessário. Uma componente mais humana. É orgânico nesse sentido. Não no sentido de eu estar sentado numa bateria a tocar.

PP - E como é que a coisa se vai proporcionar, ao certo?

Fred – Vai haver a mistura entre uma bateria real e uma eletrónica, acompanhadas de um ou dois aparelhos para manipular o som. No fundo, é tocar o disco inteiro desta forma. Sem fugir à sua sonoridade e à sua textura, mas através da vontade humana. Temos estado a ensaiar e garanto-te que o resultado tem sido brutal.

PP - Se bem me lembro, os Orelha Negra nasceram de uma digressão com o Sam The Kid. Por sua vez, os 5-30 nasceram nos ensaios para o concerto dos Orelha Negra no Sudoeste. Quando estiverem a ensaiar com os 5-30 para os concertos que se avizinham, vai nascer um novo projeto?

Fred – (risos) Nós estarmos, neste espaço, ocupados com os 5-30 nunca inviabiliza fazermos outras coisas. E eu estou a começar a pôr em prática algumas ideias que tenho como consequência deste percurso com os 5-30. Por isso, se no futuro aparecer algum projeto, será sempre consequência daquilo que estou a fazer hoje. Porque é o que me inspira.

Carlão – E há uma coisa que é destes tempos, seja de primeira liga ou de final de tabela, que é o facto das pessoas já não terem uma banda apenas. Por um lado, é mau, porque quer dizer que a vida está fodi** e não podes ter só uma cena, mas, por outro lado, é muito bom, porque as pessoas não se acomodam e estão sempre a experimentar coisas novas e a evoluir.

Fred – As coisas mudaram. Antigamente é que as bandas acabavam quando os elementos assumiam outros projetos ou caminhadas a solo. Lembro-me do exemplo do Phil Collins e dos Genesis. Hoje em dia, as coisas não são assim.

Carlão – E isso não tem só a ver com a crise, porque tens aqueles gigantes, como o Jack White, que têm não sei quantos projetos. Acho que também tem a ver com a personalidade do músico.

Fred – Mas não é uma qualidade extra em relação àqueles que não o fazem. São escolhas. Há quem se sinta bem numa banda apenas, há quem goste de experimentar coisas novas.

Manuel Rodrigues