A Festa do Cinema Italiano chegou ao fim em Lisboa, mas ainda decorre no Barreiro e em Almada e ainda arrancará em mais sete cidades ao longo do mês de abril.

O SAPO Mag conversou com o realizador Francesco Zippel, que trouxe à Festa o seu “Sergio Leone - L'italiano che inventò l'America” ("Sergio Leone - O italiano que inventou a América", em tradução literal), filme que reuniu um naipe impressionante de fãs, desde a velha guarda (Scorsese, Spielberg e o inevitável Tarantino) a novos cineastas (Aronofsky, Damian Chazelle, entre outros) para falarem sobre as mais variadas formas como viram os clássicos do “western spaghetti” do lendário cineasta italiano, falecido em 1989, com apenas 60 anos.

A primeira questão para Zippel foi precisamente sobre a dificuldade em reunir esses nomes todos (e mais uns tantos não-citados).

“Foi um enorme exercício de paciência”, confessa, antes de acrescentar “Claro que estamos a falar de pessoas muito ocupadas”.

Curiosamente, aquele que garantiu o maior tempo de espera foi o nonagenário Clint Eastwood, que não para de trabalhar e, só depois de um ano e meio, concedeu as entrevistas que surgem no filme.

"Sergio Leone - L'italiano che inventò l'America"

“Sin City”

Quem sintetiza bem tudo o que gira em torno de ver e rever obras-primas como “Por um Punhado de Dólares”, “O Bom, o Mau e o Vilão” e “Aconteceu no Oeste” é um insuspeito Frank Miller - o mestre da BD que se aventurou ocasionalmente pelo cinema com bons resultados de bilheteira.

Conforme conta Miller, quando ele e Robert Rodriguez inventariavam filmes como “O Bom, o Mau e o Vilão” como preparação para a escrita de “Sin City”, iam sentido-se como miúdos que acabavam de descobrir um novo brinquedo - tal a quantidade de “gimmicks” cinematográficos passíveis de serem encontrados no filme.

“É um facto”, diz o realizador Francesco Zippel.

“Não é possível encontrar um único plano que parece datado, que não pareça ainda novo”, diz.

“Foi uma das decisões que me levaram a fazer o filme: Leone está em toda a parte - é possível encontrar o seu cinema nas mais variadas gerações. Até no ‘rock indie’ encontra-se a influência de Ennio Morricone!”, reforça.

Gémeos separados à nascença

Ennio Morricone com Quentin Tarantino

Vem de Steven Spielberg outra das mais curiosas observações do filme, quando diz a rir que Leone e Tarantino foram “gémeos separados à nascença”.

Tarantino, por seu lado, acredita que um dos grandes factores em comum era a procura de ambos por uma nova mitologia.

Para Zippel, trata-se de uma comparação óbvia, na medida em que ambos conseguiram algo muito semelhante, o de sacudir a tradição ao pegar em todos os caminhos já percorridos e repeti-los , mas com um toque único.

Assim, tal como os “westerns” de Leone trazem uma marca distinta, também o fazem obras como “Django Libertado” ou “Os Oito Odiados”, de Tarantino, o segundo dos quais contou com uma banda sonora vencedora do Óscar de um certo Ennio Morricone...

As maravilhas abstratas de Ennio Morricone

Sergio Leone e Ennio Morricone: escola primária em 1937

Há um momento delicioso no filme, onde Quentin Tarantino diz que Ennio Morricone é uma espécie de coautor dos filmes de Sergio Leone. Que responde com enorme humildade “que é muito lisonjeiro da parte dele”, mas que não escreveu nada…

Coautor ou não, Tarantino tem razão numa coisa: não é possível imaginar os filmes de Leone sem a música de Morricone.

“É um começa onde o outro termina”, observa Zippel.

“Acho incrível aquele momento onde Morricone explica que a sua música era abstrata, não era criada particularmente para o filme, mas depois há um casamento espetacular entre som e imagem”, nota

Em “Aconteceu no Oeste” chega a existir uma personagem (Harmónica, interpretada por Charles Bronson) definida pela música.

“Há momentos, como na apresentação de Henry Fonda, habitualmente um galã nos seus outros filmes, onde toda a maldade do personagem é dada pelo timbre da guitarra de Morricone”, salienta.

Um triste epitáfio

"Era Uma Vez na América"

“Era Uma Vez na América”, lançado em 1984, é hoje reconhecida como uma das grandes obras-primas da história do cinema, mas, como se sabe, à época do lançamento não foi bem assim: retalhado pelo produtor, foi um falhanço de crítica e bilheteira.

Como lembra Zippel, Leone nunca recuperou propriamente do que aconteceu durante essa produção: enquanto se dedicou mais à produção ao longo dos anos 70, mantendo-se fiel à ideia de só se envolver na realização de algo que realmente fizesse sentido, acabou por maturar durante 15 anos um filme que depois se veria alvo de incompreensão.

Para piorar, Leone, um homem de família, homenageava ali o seu pai, ao mesmo tempo que tentava entender toda a sua solidão e sofrimento.

“Aquele era o filme de uma vida e ele ficou profundamente abalado. Foi um insulto mortal”, arremata Zippel.