O filme da realizadora Chloé Zhao "Nomadland - Sobreviver na América" provocou polémica na China, mas serão necessários mais "alguns anos" antes que a cineasta nascida em Pequim aborde as suas raízes no ecrã, afirmou durante o Festival Internacional de Cinema de Santa Bárbara.

"Nomadland", considerado o favorito para os Óscares, é a longa-metragem mais recente de Zhao ambientada no "coração" dos Estados Unidos.

O filme acompanha americanos que sofreram com a Grande Recessão da década passada e foram deixados à margem da sociedade, vivendo em autocaravanas entre Estados de pouca população, como Dakota do Sul e Nebraska.

O filme já recebeu vários prémios, incluindo o Leão de Ouro no Festival de Veneza e o Globo de Ouro, mas gerou uma reação intensa na China, após muitas pessoas nas redes sociais e a imprensa estatal questionarem a lealdade de Zhao ao seu país natal.

Alguns chegaram a apelidar a cineasta de "traidora" por uma entrevista concedida há alguns anos à imprensa australiana na qual alegadamente disse que "Estados Unidos são agora o meu país".

Questionada se consideraria fazer um filme na China ou sobre a sua juventude durante um painel virtual na terça-feira ao lado de três cineastas também nomeados para o Óscar de Melhor Realização, Zhao disse que "é mais assustador indagar o próprio passado".

"Sinto que teria que pensar sobre a angústia adolescente e todas essas coisas, e voltar para casa", declarou.

"Vai demorar mais alguns anos. Acho que preciso amadurecer mais, para não ter medo de olhar para mim", acrescentou.

Contar histórias sobre outras pessoas é "mais seguro para mim", acrescentou, antes de destacar a coragem de "Minari", o drama de imigrantes coreano-americanos inspirado na infância do diretor Lee Isaac Chung que também está nomeado para os Óscares.

"Ainda não tenho essa coragem. Por isso acho que é muito corajoso o que fizeste", disse Zhao a Chung no painel virtual.

Frances McDormand com Chloé Zhao na rodagem de "Nomadland"

Zhao, 39 anos, é filha de um rico executivo de uma empresa siderúrgica chinesa e deixou o país quando era adolescente para estudar num colégio interno britânico, antes de completar a sua educação em Los Angeles e Nova Iorque.

Enquanto estudava cinema em Nova Iorque, teve contacto com imagens de uma reserva indígena da Dakota do Sul, o que a levou a dirigir o seu primeiro filme, "Songs My Brothers Taught Me" (2015).

"Para ser honesta, estava a aproximar-me dos 30 anos e sentia-me um pouco desligada de mim mesma, e não era... capaz de ouvir a minha própria voz", recordou Zhao.

"E quando isso acontece, as pessoas tendem a seguir para o oeste... oeste de onde quer que estejam e para mim era o coração da terra. E terminei no Dakota do Sul, e realmente apaixonei-me pelas Badlands", disse, referindo-se ao parque nacional neste estado do "midwest" mais conhecido pelo Monte Rushmore, que tem os rostos de quatro presidentes americanos.

Ao ser questionada sobre o que mais gostaria de fazer após a pandemia, Zhao disse que deseja visitar os parentes na China.

"Sinto falta das viagens internacionais, sinto falta de voltar à China, ir para casa ver a minha família", disse.

"E comer a comida que posso digerir", acrescentou.