Um psicopata conhecido por "Buffalo Bill" está a raptar e a assinar jovens mulheres por todo o "Midwest" dos EUA. Com o intuito de tentar perceber a mente do assassino, o FBI manda a agente Clarice Starling entrevistar um detido que poderá fornecer informações psicológicas, bem como pistas para o comportamento do homicida: o psiquiatra Dr. Hannibal Lecter, um canibal assassino e extremamente inteligente que só concordará em ajudar Starling se esta saciar a mórbida curiosidade com detalhes íntimos da sua complicada vida.

Foi no Dia dos Namorados de 1991 que estreou "O Silêncio dos Inocentes", um dos melhores, mais importantes e fascinantes filmes de sempre.

Anthony Hopkins criou um dos maiores vilões da história do cinema, mas Jodie Foster não ficou atrás como uma das suas grandes heroínas, a triunfar num mundo dos homens.

Sucesso gigantesco em vídeo, inspiração constante para filmes, séries, paródias e outras manifestações artísticas, o impacto mantém-se após 30 anos: Hannibal Lecter, Clarice Starling e muitos dos seus diálogos estão profundamente enraizados na cultura popular.

Eis algumas curiosidades sobre aquele que continua a ser o único filme de terror (psicológico) a triunfar nos Óscares.

1. Um filme de terror lançado no Dia dos Namorados - O estúdio chegou a ponderar lançar o filme diretamente em vídeo porque o tema era demasiado desagradável para apelar ao grande público. A seguir, a estreia original nos cinemas prevista para o outono de 1990 foi adiada quando o estúdio optou por se concentrar na bem sucedida campanha de promoção de "Danças com Lobos" para os Óscares. No ano a seguir, a 30 de março de 1992, "O Silêncio dos Inocentes" foi o primeiro na história dos Óscares a ganhar a estatueta de Melhor Filme quando já estava há bastante tempo disponível nos clubes de vídeo.

2. Gene Hackman deixou passar a oportunidade - Quando Jodie Foster leu o romance de Thomas Harris tentou comprar os direitos de adaptação, mas descobriu que Gene Hackman se tinha antecipado. O seu plano era realizar o filme e interpretar Dr. Hannibal Lecter ou o supervisor do FBI Jack Crawford. Segundo a lenda, o ator terá desistido dos planos depois de se ver num clip em "Mississipi em Chamas" na cerimónia dos Óscares e sentir que não podia fazer outro filme tão violento.

Jonathan Demme e Jodie Foster

3. Uma das recusas mais célebres de Hollywood - O realizador Jonathan Demme assinou contrato após ler o livro, o que foi um desgosto para Jodie Foster, que sabia que a primeira escolha para ser Clarice seria Michelle Pfeiffer, após a grande cumplicidade que ficara ao fazerem a comédia "Viúva... Mas Não Muito" (1988). Já com um Óscar por "Os Acusados" (1988) e desejosa por se afastar dos papéis de vítima, Foster fez campanha e chegou a visitar Demme em Nova Iorque para ser a segunda escolha. Finalmente, após o realizador ter passado muito tempo a tentar seduzi-la, Pfeiffer recusou o projeto por causa do tema. Uma (má) decisão que lhe continua a ser recordada 30 anos mais tarde.

4. Anthony Hopkins tinha desistido de Hollywood - Sean Connery terá sido a primeira escolha de Jonathan Demme para ser o Hannibal Lecter, mas recusou. Jeremy Irons foi outro "não", porque tinha acabado de interpretar um papel pesado, Claus von Bülow, em "Reveses da Fortuna" (1990), com o qual ganharia o Óscar. O realizador decidiu-se então por Anthony Hopkins por ter sido o Dr. Frederick Treves em "O Homem Elefante" (1980). O ator, já com mais de 50 anos e vários filmes falhados, tinha regressado aos palcos de Londres, convencido que a carreira em Hollywood tinha terminado. Quando o agente o informou que ia mandar um argumento chamado "O Silêncio dos Inocentes", achou que era um filme para crianças.

5. Já tinha havido outro - Brian Cox (da série "Succession"), foi o primeiro Hannibal Lecter no cinema, com nome alterado para "Lecktor" em "Caçada ao Amanhecer" (1986), de Michael Mann. Após o sucesso de "O Silêncio dos Inocentes", Hopkins regressou para "Hannibal" (2001) e "Dragão Vermelho" (2002), que o tornaram muito rico mas de que se arrependeu. A personagem foi ainda interpretada aos oito anos por Aaran Thomas e como jovem adulto por Gaspard Ulliel no fracassado "Hannibal - A Origem do Mal" (2007) e, com bastantes elogios, por Mads Mikkelsen na série "Hannibal" (2013-2015).

6. Clarice Starling e "os homens da sua vida" - O único contacto físico entre Hannibal Lecter e Clarice Starling é quando os seus dedos se tocam ao passar o dossier na "jaula" em Memphis. Já a relação entre Clarice e Jack Crawford (Scott Glenn) era descrita no argumento como "'estranha': seriam como 'pai e filha', 'mentor e aluna', 'namorados'"? Jonathan Demme disse aos atores para se esquecerem disso porque não era possível representar essa relação tão "complicada", mas ao fim de três semanas de rodagem, quando Scott Glenn tocou em Jodie Foster numa cena para a ajudar a entrar num carro, o realizador parou e disse-lhes: "Lembram-se de vos dizer que era impossível vocês conseguirem representar essa relação? Adivinhem, tenho andado a ver as filmagens diárias e essa relação já está exatamente lá". Certo de que se houvesse toque físico ia estragar o efeito, insistiu que as personagens só se tocariam duas vezes: quando Crawford a conforta à saída da casa de Jame "Buffalo Bill" Gumb e quando dão o aperto de mão se despedem na cerimónia em que Clarice se torna oficialmente agente do FBI (tudo quase no fim do filme).

7. Um fenómeno cultural - Ao fim de uma semana nos cinemas, o orçamento de 19 milhões de dólares estava pago. Com toda a gente a falar de Lecter, Clarice e a citar as frases mais célebres, "O Silêncio dos Inocentes" ficou cinco semanas em primeiro lugar nas bilheteiras e foi o quinto mais rentável a nível mundial em 1991. Contando com a inflação, as suas receitas entrariam no campeonato dos filmes de super-heróis.

8. Uma grande polémica - Quando estreou, o filme foi muito criticado tanto por feministas como membros da comunidade LGBTQ, apesar de Buffalo Bill nunca ser claramente definido como homossexual ou transexual (a teoria de Lecter e do filme era que ele adotava algumas dessas características por odiar o que era). Mais de um ano mais tarde, foram organizados protestos à entrada da cerimónia dos Óscares e um homem que tinha comprado bilhetes começou a gritar estatísticas sobre a Sida quando John Candy estava em palco para a apresentar uma das canções nomeadas, mas isso não chegou a ser ouvido pelos espectadores em casa. O dramaturgo e ativista Larry Kramer escreveria anos mais tarde que muitos gays consideravam "O Silêncio dos Inocentes" como "um dos filmes mais virulentos e insidiosamente homofóbicos alguma vez feitos".

9. Uma vitória histórica - "O Silêncio dos Inocentes" era o maior sucesso de bilheteira dos cinco nomeados para o Óscar Melhor Filme, mas não era o favorito. As apostas dividiam-se entre "Bugsy" e "JFK (os outros candidatos eram a animação "A Bela e o Monstro" e "O Príncipe das Marés"). De facto, era o menos favorito, por ter estreado em fevereiro do ano anterior e pelo género. Mas a cerimónia começou com o anfitrião Billy Crystal a entrar como Hannibal Lecter e terminou com "O Silêncio dos Inocentes" a ganhar os Óscares para Melhor Filme, Realização, Ator, Atriz e Argumento Adaptado. É apenas um dos três filmes em toda a história dos Óscares a ganhar o "top 5": os outros são "Uma Noite Aconteceu" (1934) e "Voando Sobre Um Ninho de Cucos" (1975).

10. Um protagonista com pouco tempo de ecrã - A interpretação de Hannibal Lecter tornou-se imediatamente icónica e Anthony Hopkins foi colocado na categoria de Melhor Ator apesar da personagem aparecer apenas 24 minutos e 52 segundos do filme. O Óscar relançou a sua carreira aos 53 anos, mas tem sido erradamente apontada como a mais curta a ganhar o Óscar na sua categoria. Quem o conseguiu foi David Niven, que ganhou a estatueta pelos 23 minutos e 39 segundos de "Vidas Separadas" (1958). Onde Anthony Hopkins ganha é na duração: só aparece em 21% de "O Silêncio dos Inocentes", enquanto Niven está em 23,67% do seu filme.

A casa de Bufalo Bill
A casa de Buffalo Bill

11. A casa tornou-se numa atração turística - Construída em 1910 em Perryopolis, um subúrbio de Pittsburgh, a casa de Buffallo Bill tem três andares e 215 metros quadrados de espaço. Foi vendida há cinco anos por cerca de 195 mil dólares, mas Chris Rowan, um designer de produção do filme, comprou-a recentemente por 290 mil e planeia criar um destino turístico, alugando quartos aos visitantes. As pessoas poderão conhecer a casa, incluindo o porão onde Buffalo Bill trancava as mulheres que raptava. O especialista em decorar sets de filmagem quer recriar a brutal oficina e uma réplica do poço onde ele deixava as suas vítimas.