O comportamento racista de uma personagem gerou críticas nas redes sociais ao novo filme do realizador Paul Thomas Anderson (PTA).

Com estreia em Portugal anunciada para 30 de dezembro, "Licorice Pizza" retrata o primeiro amor de personagens interpretadas por Cooper Hoffman (filho do falecido ator Philip Seymour Hoffman) e Alana Haim (da banda rock Haim), na década de 1970 no Vale de São Fernando, no noroeste de Los Angeles, que os fãs de PTA reconhecerão como a zona onde este cresceu e situou vários dos seus filmes.

À volta dos apaixonados estão cineastas (Bradley Cooper), políticos (o realizador e ator Bennie Safdie) e outras personagens, interpretadas por exemplo por Sean Penn, Ben Stiller, Maya Rudolph, John C. Reilly e Tom Waits.

Numa cena da comédia romântica, John Michael Higgins interpreta o dono branco de um restaurante e fala com a sua esposa japonesa com um falso sotaque asiático. Mais tarde, repete o comportamento com a sua nova esposa, também japonesa.

Nas redes sociais, David Chen, antifritão do podcast Culturally Relevant, e de Karen Maine, realizadora e argumentista, tiveram reações parecidas: adoram o filme, mas a experiência ficou estragada por causa dessas cenas.

"Imaginem isto: estão a ver 'Licorice Pizza'. É brilhante. Depois, numa parte inicial, um personagem palhaço faz uma caricatura asiática. O público (na sua maioria branco) ri. E agora tens de ficar a pensar sobre esse riso durante o resto do filme", partilhou nas redes sociais David Chen, antifritão do podcast Culturally Relevant.

"Vi 'Licorice Pizza' há mais de uma semana e levou-me este tempo todo a digeri-lo. Há uma cena incrivelmente racista, aparentemente sem sentido (além de uma risada gratuito, que se ouviu na sessão em que estava), que goza os sotaques asiáticos", escreveu Karen Maine.

"Toda a família Haim e o Bradley Cooper são as minhas partes preferidas. Mas aquela cena racista e sem sentido estragou-me o filme todo e mais pessoas precisam criticar PT por fazer isto", acrescentou.

Na sua crítica para o Slate, Dana Stevens destaca que "Licorice Pizza" é "menos um filme do que uma série de vibrações interligadas, mas as vibrações são imaculadas", mas também destaca essas cenas: "Nem todas as tentativa de fundir 'Licorice Pizza' num passado sem nostalgia dão frutos. Uma piada recorrente sobre um proprietário de restaurante branco com uma série de esposas japonesas permutáveis parece querer uma piada sobre o racismo do personagem, mas o humor cai sem piada".

Tudo isto acontece numa altura em que surgiram notícias de que os crimes de ódio nos EUA contra pessoas de origem asiática aumentaram 73% desde que começou a pandemia. Um estudo recente da instituto da atriz Geena Davis também concluiu que a representação pejorativa de personagem asiáticas continua a ser uma realidade bem presente no cinema de Hollywood.

Embora ainda não tenha visto "Licorice Pizza", a socióloga Nancy Wang Yuen disse à NBC News que as críticas parecem ter justificação porque a personagem nunca é claramente confrontada durante o filme.

"É irresponsável usar o racismo contra asiáticos como humor", destacou. acrescentando que é evidente que a história "nem sequer é sobre asiáticos ou raça, e o que faz é normalizar essa violência, esse racismo casual anti-asiático. Os estereótipos racistas, como o sotaque, são uma forma barata de fazer rir porque não se precisa explicar nada - embora não haja nada de engraçado nos sotaques”.

Indiretamente, Paul Thomas Anderson respondeu a estas críticas numa recente entrevista ao jornal The New York Times quando o jornalista lhe disse que o sotaque era "tão ofensivo que o público na minha sessão se engasgou".

"Acho que seria um erro contar um filme de época através dos olhos de 2021. Não se pode ter uma bola de cristal, tem que ser honesto com aquela época. Aliás, não que isso não fosse acontecer agora. A minha sogra é japonesa e o meu sogro é branco, portanto é frequente ver as pessoas falarem inglês com ela com sotaque japonês. Acho que elas nem se apercebem que estão a fazer isso", indicou.

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