Peter Bogdanovich faleceu esta quinta-feira de manhã de causas naturais aos 82 anos na sua casa em Los Angeles, confirmou a sua filha à revista The Hollywood Reporter.

Graças a títulos melancólicos e nostálgicos como "A Última Sessão", "Que Se Passa Doutor?" e "Lua de Papel", Peter Bogdanovich foi um membro de pleno direito da geração de realizadores da chamada de "Nova Hollywood", os 'movie brats' responsáveis pelos filmes mais interessantes e importantes do cinema norte-americano dos anos 1970, onde estão William Friedkin, Francis Ford Coppola, Steven Spielberg, Martin Scorsese, George Lucas, Brian DePalma ou Michael Cimino.

Além do trabalho como realizador e argumentista nomeado para os Óscares, foi ator ocasional (distinguindo-se por exemplo na série "Os Sopranos" como o psiquiatra da Dra. Melfi) e desde a década de 1960 brilhou como historiador "enciclopédico", fazendo a ponte com o cinema clássico de Hollywood.

Defendendo que "não existem realmente filmes 'antigos' — apenas os que já se viram e não se viram", escreveu vários livros e era presença frequente em documentários sobre vários cineastas com quem privou e entrevistou, nomeadamente John Ford, Howard Hawks, Alfred Hitchcock, e muitos outros. Entre os seus amigos pessoais estava ainda Orson Welles.

Filho de imigrantes que fugiram da Europa nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, Peter Bogdanovich nasceu a 30 de julho de 1939 e começou por estudar representação com a reputada professora Stella Adler por volta de 1955.

No início dos anos 1960, começou a programar festivais de cinema para o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Um espectador obsessivo de filmes, chegava a assistir a mais de 400 por ano durante a sua juventude, ficando profundamente marcado por "O Mundo a Seus Pés", de Welles. Começou a construir uma reputação como crítico na revista Esquire e o seu trabalho mais tarde como historiador ajudou a tirar do esquecimento e revalorizar o trabalho de John Ford e do subestimado Howard Hawks, além de pioneiros do cinema até então ignorados como Allan Dwan.

Influenciado pelos críticos franceses da Cahiers du Cinéma, principalmente por François Truffaut, que se tornaria um célebre realizador a partir de "Os 400 Golpes" (1959), decidiu seguir o seu exemplo e de outros na revista, partindo para Los Angeles com a sua esposa Polly Platt, mãe dos seus dois filhos e colaboradora a quem é dado muito reconhecimento artístico pelos primeiros filmes (e que viria depois a ser a mentora de Cameron Crowe, James L. Brooks, Wes Anderson, entre outros).

Pretendendo penetrar na indústria, a persistência foi recompensada quando passou a ser convidado para as festas e antestreias, onde encontrou o realizador e produtor Roger Corman, que lhe disse que tinha gostado de um artigo seu na Esquire e lhe ofereceu emprego como realizador.

O resultado foi "Alvos" (1968), onde dirigiu Boris Karloff, e a seguir "Voyage to the Planet of Prehistoric Women" (1968). Mais tarde, Bogdanovich recordaria a 'escola' de Corman: "Fui da lavandaria até a realização do filme em três semanas. Ao todo, trabalhei vinte e duas semanas - pré-produção, rodagem, segunda unidade, montagem, dobragem - nunca tinha aprendido tanto até aquela altura".

Regressando ao jornalismo, iniciou uma amizade de muitos anos com Orson Welles ao entrevistá-lo no 'set' do filme de Mike Nichols "Artigo 22" (1970), desempenhando mais tarde um papel crucial para revalorizar a sua carreira como ator, realizador e argumentista com o livro de entrevistas de 1992 "This is Orson Welles" [Este é Orson Welles]. E quando este teve problemas financeiros, acolheu-o na sua casa durante dois anos.

Também é desta fase que se destaca um célebre documentário-tributo encomendado pelo American Film Institute sobre John Ford: o resultado foi "Directed by John Ford" (1971), um registo considerado clássico sobre Hollywood, que incluía entrevistas com John Wayne, James Stewart, Henry Fonda e muitos outros colaboradores, narrado por Orson Welles. Fora de circulação durante muitos anos, lançou com o canal TCM uma nova versão atualizada com novas cenas de filmes e entrevistas em 2006.

No sucesso e no fracasso, fulgurante como Orson Welles

A Última Sessão

Foi ainda em 1971 que, aos 32 anos, foi aclamado pelos críticos como um jovem prodígio ao nível de Welles com o seu filme que se tornaria o mais conhecido e aclamado da carreira, "A Última Sessão", a adaptação do romance de Larry McMurtry sobre os dramas de um grupo de jovens numa pequena povoação do Texas.

Com Jeff Bridges, Cybill Shepherd, Timothy Bottoms, Randy Quaid, Eileen Brennan, o filme a preto e branco é um dos títulos essenciais da década e foi nomeado para oito Óscares, incluindo duas para Bogdanovich como realizador e coargumentista, ganhando nas categorias de Melhor Ator e Atriz Secundários: Ben Johnson e Cloris Leachman.

Foi durante a rodagem que se apaixonou por Cybill Shepherd, originando o seu divórcio de Polly Platt, apesar de terem continuado a colaborar depois do fim da relação.

"Ter Peter Bogdonavich como o meu primeiro professor de representação no meu primeiro filme, 'A Última Sessão', foi uma bênção de proporções enormes. Simplesmente não há palavras para exprimir os meus sentimentos sobre esta mais profunda das perdas. Que o Peter viva muito em todas as nossas memórias", divulgou a atriz em comunicado.

O sucesso continuou com "Que Se Passa Doutor?" (1972), uma comédia desvairada protagonizada por Barbra Streisand e Ryan O'Neal que devia muitos aos filmes de Howard Hawks.

"O Peter sempre me fez rir [uma referência ao filme do realizador 'They All Laughed', "Romance em Nova Iorque]. Ele também vai continuar a fazê-los rir lá em cima. Que ele possa descansar em paz", partilhou Barbra Streisand.

Solidificado o seu estatuto como um dos grandes realizadores daquele tempo, ao nível de Coppola e Friedkin, formou com eles The Directors Company, uma produtora que tinha um acordo com o estúdio Paramount Pictures que lhes dava carta branca nos seus filmes se não excedessem o orçamento acordado.

Foi com esse contrato que dirigiu outro sucesso, "Lua de Papel" (1973), uma comédia ambientada na era da Grande Depressão americana que juntou Ryan O'Neal e a sua filha Tatum O'Neal, então com 10 anos de idade, que ganhou o Óscar de Melhor Atriz Secundária.

Lua de Papel

Seguiu-se o primeiro trabalho sem o envolvimento de Polly Platt, "Daisy Miller", uma adaptação do romance de Henry James protagonizado pela noiva Cybill Shepherd, que teve uma receção fria da crítica e marcou o início do fim da carreira como um realizador popular: o filme foi rejeitado pelos críticos e tornou-se um fracasso de bilheteira que, juntamente com as desavenças entre os sócios à volta de outro filme, "O Vigilante" (1974), de Coppola, levaram à dissolução da The Directors Company.

Com um título original retirado de uma canção de Cole Porter ("At Long Last Love"), "Amor Eterno" (1975), também protagonizado por Cybill Shepherd, foi ridicularizado e considerado pelos críticos da época como um dos piores filmes já realizados, além de um fracasso comercial, apesar de ter também no elenco Burt Reynolds, uma das maiores estrelas de bilheteira dessa década.

Bogdanovich continuou na nostalgia com "O Vendedor de Sonhos" (1976), uma comédia sobre os primeiros tempos do cinema mudo, que reuniu novamente Ryan e Tatum O'Neal, além de Burt Reynolds. Aconselhado a não utilizar a impopular Cybill Shepherd, Bogdanovich deu o papel à estreante Jane Hitchcock, um dos muitos compromissos artísticos com o estúdio que lamentaria mais tarde, mas a magia de "Lua de Papel" não se repetiu e foi o terceiro falhanço consecutivo, que deixou muitas histórias da arrogância do realizador por Hollywood.

"O Peter foi o meu céu e terra.Uma figura paternal. Um amigo. De 'Lua de Papel' a 'O Vendedor de Sonhos', sempre me fez sentir segura. Adoro-te, Peter", partilhou Tatum O’Neal, que escreveu ainda noutra partilha que o realizador "mudou a minha vida".

Um desastre profissional e pessoal

Dorothy Stratten e John Ritter em 'Romance em Nova Iorque'

A má de experiência com "O Vendedor de Sonhos" fez com que Bogdanovich demorasse três anos antes de regressar com "Noites de Singapura" (1979), produzido pela Playboy Productions de Hugh Heffner, e a seguir "Romance em Nova Iorque" (1981), ambos com Ben Gazzara, descritos muitos anos depois como dois dos seus melhores filmes mas prejudicados pela forma como foram lançados.

Mas o segundo também teve um profundo impacto profissional e pessoal, que viria a descrever no livro "The Killing of the Unicorn" (1984): a relação com Cybill Shepherd já tinha terminado e Bogdanovich apaixonou-se durante a rodagem pela atriz Miss Playboy de vinte anos Dorothy Stratten, que era casada. Quando esta decidiu abandonar o marido, este matou-a e a seguir suicidou-se (a tragédia, uma das maiores de Hollywood, inspirou o filme "Star 80", de Bob Fosse, em 1983).

Apesar de marcar um dos poucos regressos como protagonista de Audrey Hepburn depois de 1967, o filme teve uma distribuição comprometida devido à publicidade negativa causada pela morte trágica, o que levou um desgostoso Bogdanovich a comprar os direitos e pagar do seu bolso um relançamento em várias cidades. E embora as reações dos críticos tenham sido mais simpáticas, o sucesso em alguns cinemas não foi suficiente para recuperar o investimento de mais de cinco milhões de dólares para salvar o legado artístico de Dorothy Stratten, levando o realizador à falência.

Apesar de ser agora visto por cineastas e críticos como um dos seus melhores filmes (Quentin Tarantino listou-o em 2002 como um dos “Dez Melhores Filmes de Todos os Tempos”), o falhanço de "Romance em Nova Iorque", juntamente com os de "As Portas do Céu", de Michael Cimino (1980), e de "Do Fundo do Coração" (1981), de Coppola, são vistos geralmente como o fim da década da "Nova Hollywood" em que os realizadores gozaram de uma autonomia criativa sem paralelo nos filmes financiados pelos grandes estúdios.

Já com a carreira muito fragilizada, o realizador teve um sucesso moderado crítico e comercial com "Máscara" (1985), apesar da má relação com a protagonista Cher e o estúdio, antes de se despistar novamente com "Ilegalmente Tua" (1988), uma comédia com Rob Lowe que o próprio descreveu como um dos seus piores trabalhos.

"Acabei de ouvir que o Peter morreu. Estou orgulhosa do filme ('Máscara') que fizemos juntos e no fim tenho que a certeza que ele também deve ter ficado. Ele fez alguns filmes muito memoráveis e descobriu artistas talentosos espantosos", escreveu Cher nas redes sociais.

"Triste por ouvir da morte de Peter Bogdanovich. Realizou pelo menos três filmes clássicos (não o que fizemos!) e O maior historiador de cinema na indústria. Diz olá ao Orson [welles], [Howard] Hawks e [Preston] Sturges por mim, amigo", partilhou Rob Lowe.

Com "Texasville" (1990), Bogdanovich revisitou o seu primeiro sucesso "A Última Sessão" numa sequela com algum peso autobiográfico a que regressaram vários atores, incluindo Jeff Bridges, Cybill Shepherd, Cloris Leachman e Timothy Bottoms, mas foi mais um fracasso de público e de crítica marcado por disputas com o estúdio. Bogdanovich acabaria por lançar mais tarde uma outra versão mais próxima do filme que pretendia fazer.

Texasville

Nos 32 anos que se seguiram, existem apenas mais quatro filmes: "Apanhados no Acto" (1992), uma comédia com Michael Caine, Carol Burnett e Christopher Reeve que se tornou, com o passar dos anos, um filme de culto; "O Grande Sonho" (1993), cuja distribuição foi afetada pela morte de River Phoenix aos 23 anos; "O Miar do Gato" (2001), inspirado por um incidente que lhe foi contado por Orson Welles e é considerado um dos seus melhores trabalhos depois de "Máscara"; e "Ela é Mesmo... o Máximo" (2014), uma desinspirada comédia desvairada que não fica para a história com Owen Wilson, Imogen Poots, Will Forte, Rhys Ifans e Jennifer Aniston.

Voltando a declarar bancarrota em 1997, Peter Bogdanovich dirigiu alguns telefilmes e começou a aparecer mais à frente das câmaras. De todos os trabalhos como ator, o mais elogiado foi o papel de Elliot Kupferberg, o psiquiatra e confidente da Dra. Melfi (Lorraine Bracco), em 15 episódios entre 2000 e 2007 da série "Os Sopranos", de que também realizou "Sentimental Education", na quinta temporada.