Molly Ringwald um dos rostos mais emblemáticos do cinema de John Hughes, portanto dos filmes "teen" dos anos 80, como protagonista de "16 Primaveras", "A Garota do Vestido Cor de Rosa" e "O Clube". Mas quando foi rever os filmes encontrou problemas que a deixaram desconfortável. E essa sensação tornou-se ainda maior após o movimento #MeToo.

Como todos os amigos já o conheciam, a atriz aceitou relutantemente que a filha, então com dez anos, visse "O Clube" (1985), apesar de se preocupar que fosse ter de explicar alguns momentos do filme, que anda à volta de cinco adolescentes que ficam de castigo num sábado no liceu e tem palavrões e conversas à volta de sexo e drogas.

"O que não antecipei é que acabaria por ser mais problemático para mim", explicou num ensaio que escreveu para o New Yorker.

Uma cena que deixou a atriz especialmente incomodada "após várias mulheres terem dado a cara com acusações de assédio sexual contra o produtor Harvey Weinstein e o movimento #MeToo ganhar força", mostra John Bender, o "bad boy" interpretado por Judd Nelson, a esconder-se do professor debaixo da mesa com Claire (Molly Ringwald), e aproveita para espreitar por debaixo da saia e é sugerido que a toca de forma inapropriada.

Quando era adolescente, a atriz admite que apenas tinha uma "vaga ideia" de que o argumento de John Hughes, falecido em 2009, tinha coisas inconvenientes. Agora, aos 50 anos, a sensação é mais clara.

"Agora posso ver com clareza que Bender assedia sexualmente Claire ao longo do filme. Quando não a está a sexualizar, projeta a sua raiva nela com desprezo cruel, chamando-a de patética e 'Queenie' [...] É a rejeição que inspira o seu comportamento [...]  Ele nunca pede desculpa por nada mas, apesar disso, fica com a rapariga no fim", reflete.

A atriz admite que está embaraçada por dizer que lhe levou ainda mais tempo a perceber que também existem situações incómodas em "16 Primaveras" (1984), que lançou a carreira de ambos, principalmente à volta de tudo o que acontece a partir do momento em que Jake (Michael Schoeffling) basicamente faz uma troca com Geek (Anthony Michael Hall): a sua namorada bêbada Caroline (Haviland Morris) pelas cuecas de Samantha (Ringwald).

Após rever os filmes e outras coisas que John Hughes escreveu no início da carreira, Molly Ringwald ficou com a sensação que ele conseguia ser "racista, misoginista e, por vezes, homofóbico".

"Para mim é difícil perceber como é que o John conseguia escrever com tanta sensibilidade e também ter um ponto cego tão gritante", salienta.

Apesar disso, reconhece que o realizador foi revolucionário ao mostrar de forma realista as experiências da adolescência, principalmente das raparigas, e que tem orgulho de fazer parte disso.

"Os filmes do John transmitem a raiva e o medo do isolamento que os adolescentes sentem e ver que outros podem achar o mesmo é um bálsamo para o trauma que os adolescentes sofrem... é difícil dizer se isso é ou não suficiente para compensar a inconveniência dos filmes", explica.

A atriz conclui dizendo que isso será respondido pelas próximas gerações ao decidirem se os filmes ainda são relevantes: "O John queria que as pessoas levassem os adolescentes a sério e as pessoas fizeram-no. Os filmes ainda são ensinados nas escolas porque os bons professores querem que os seus alunos saibam que o que eles sentem e dizem é importante; que se conversarem, adultos e colegas vão ouvi-los. Acho que, em última análise, é o maior valor dos filmes e por isso espero que resistam. As conversas sobre eles vão mudar, como deve acontecer. Cabe às gerações seguintes descobrir como continuar estes debates e torná-los seus - continuar a falar, nas escolas, no ativismo e na arte - e confiar que nós nos importamos."