Uma equipa de David Cronenberg encorajou-o a tentar a sorte no cinema, Guillermo del Toro tem sido o seu cúmplice nos últimos anos. Com uma carreira que já conta mais de três décadas, Luís Sequeira fez caminho em Hollywood enquanto responsável pelo guarda-roupa de filmes como "The Christmas Chronicles", "It - Capítulo 2" ou "A Forma da Água", este último a trazer-lhe uma nomeação para os Óscares, outra para os BAFTA e um prémio da Associação de Figurinistas dos Estados Unidos.

Óscares: veja aqui a lista completa de vencedores
Óscares: veja aqui a lista completa de vencedores
Ver artigo

"Nightmare Alley - Beco das Almas Perdidas", em cartaz nas salas nacionais, assinala a mais recente colaboração com Guillermo del Toro (com quem também trabalhou na série "The Strain") e estará entre as montras mais impressionantes do seu talento.

Filme de época baseado no romance "Nightmare Alley" (1946), de William Lindsay Gresham, já levado ao cinema em 1947 por Edmund Goulding, não dispensa a sumptuosidade visual associada à obra do realizador mexicano e marca uma viragem estilística para territórios próximos do film noir. Uma oportunidade para Sequeira mergulhar nos EUA dos anos 1940 e vestir tanto a comunidade marginalizada de uma feira itinerante como a elite da alta sociedade da época, com direito a um elenco de luxo que inclui Bradley Cooper, Willem Dafoe, Cate Blanchett, Toni Collette, Rooney Mara, David Strathairn, Richard Jenkins ou Ron Perlman.

NIGHTMARE ALLEY - BECO DAS ALMAS PERDIDAS (27 de janeiro)

O novo desafio voltou a merecer uma nomeação para a Associação de Figurinistas dos Estados Unidos, na categoria de Excelência em Filme de Época - o vencedor será conhecido a 9 de março - e assinala outro ponto alto na carreira do filho de pais portugueses que cresceu em Toronto. Em entrevista ao SAPO Mag via Zoom, falou dos prémios, das colaborações com del Toro e de como a moda acabou por se cruzar com o cinema:

SAPO Mag - Já colaborou várias vezes com Guillermo del Toro. O que o distingue de outros realizadores com quem trabalhou?
Luís Sequeira - Filma e conta histórias de uma forma visionária. Tem ideais sucintas sobre os seus mundos, o que é extremamente útil.

Em que medida é que este projeto se diferenciou dos anteriores do seu percurso?
Este tem outra escala, parecem dois filmes num só. Já participei noutros filmes de época, mas nenhum desta dimensão. Permite uma imersão completa em diferentes estéticas, paletas cromáticas, estilos, o que foi muito interessante.

Viu a primeira adaptação de "Nightmare Alley", dos anos 1940?
Já conhecia o filme anterior e vi-o outra vez quando soube que iria fazer esta versão. Mas esquecemos a versão original, o Guillermo disse que não gostava mesmo de alguns elementos desse filme e queria que criássemos o nosso próprio caminho.

Luís Sequeira
créditos: AFP

Que paralelos e diferenças encontra nas duas adaptações?
Esta versão parece-me mais negra e mergulha mais a fundo na psique das personagens. E estamos a viver um tempo diferente, por isso olhámos para esta história de uma perspetiva da sociedade moderna. E acho que isso muda a forma como se olha e sente.

Que desafios trouxe este projeto?
Tivemos de criar todo o guarda-roupa para a feira. Como havia chuva em algumas cenas, não pudemos recorrer a peças vintage porque não tínhamos como garantir que sobreviveriam. Por isso, tivemos de criar várias versões dessas roupas e "envelhecê-las". Tínhamos 18 personagens na feira, com muitas trocas de roupa, e precisámos de criar e "envelhecer" centenas de peças para esse segmento do filme. Para a segunda parte, que se passa num mundo de luxo, também não conseguimos encontrar peças bonitas e estimadas desses tempos, por isso também tivemos de as criar. O desafio deste filme foi criar centenas de peças, todas com as suas particularidades, botões e apliques e assim. Fizemos gravatas, camisas, tudo... Eu e a minha equipa funcionámos como uma pequena fábrica.

Quanto tempo tiveram para criar tudo isso?
13 semanas, e passei três delas na Europa a comprar roupa e tecido. Mas fomos interrompidos pela pandemia e contámos com mais seis semanas a seguir.

Nightmare Alley

Referiu que o filme original não foi uma referência, mas que tipo de material da época consultou? Outros filmes, revistas...
A génese de um filme é colecionar imagens. E felizmente tenho a sorte de gostar de colecionar, tinha catálogos de várias épocas que guardei desde a adolescência, faço coleção. Por isso, conseguimos dissecar como era a moda da altura desses anos. E isso foi importante não só para o estilo em si, mas para garantir que estávamos a ser rigorosos em relação à época. Partimos de fotojornalismo, retratos, noticiários, tudo serviu de inspiração para a equipa.

Houve algum título film noir ou de outro género dessa época que o tenha marcado de alguma forma nessa pesquisa?
Quisemos fazer um film noir que não fosse film noir. Um film noir a cores. Quis ser tão autêntico quanto possível no retrato da feira, do circo, da América rural... E para as cenas da cidade parti muito da fotografia de moda para tentar captar o lado mais glamouroso. A certa altura, pensámos em partir de elementos de alguns filmes, mas não queríamos replicar nada, e acabaria por afastar o espectador desta história.

"A Forma da Água" trouxe-lhe a primeira nomeação para os Óscares, além de outras distinções. Seria sempre um ponto de viragem na sua carreira, mesmo que não tivesse tido essas nomeações?
Foi um filme muito especial, claro, tocou o mundo. Fizemos esse filme com um orçamento muito apertado e com muito amor. Tal como aqui, construímos muita coisa. Fiquei entusiasmado, surpreendido, radiante por ter sido nomeado para um Óscar e um BAFTA e por ter vencido na categoria de Melhor Guarda-Roupa na Associação de Figurinistas dos Estados Unidos. Fiquei muito grato pelo facto de o meu trabalho ter sido reconhecido. Isso faz com que um projeto que já era incrível o tenha sido ainda mais.

História dos Óscares: lembra-se de todos os vencedores do Óscar de Melhor Filme?

Como começou o seu percurso profissional e de que forma se aproximou do cinema?
A minha ligação ao cinema começou em 1986. Antes disso, estava na moda. A minha mãe era modista, fazia vestidos de casamento em Lisboa. Por isso, esto é parte da minha herança. Tinha uma loja e uma equipa de um filme do David Cronenberg visitou-a. Compraram algumas coisas criadas por mim. Eu tinha 25 anos, ficaram surpreendidos por já ter a minha loja e a minha marca e aconselharam-me a tentar trabalhar em cinema. E como sempre adorei cinema, tive a sorte de me tornar um trainee numa série televisiva e de iniciar um percurso que me levou ao cinema.

Então foi uma aproximação mais causal do que deliberada...
Bom, adoro filmes desde miúdo e faltava às aulas de português para ir ao cinema durante a tarde. [risos] Pagava bilhete para um filme e via mais três ou quatro a seguir. Adorava cinema. Não era parte da minha realidade em Toronto, porque a indústria limitada era muito pequena. Nunca pensei que pudesse fazer parte deste mundo. Da primeira vez que fui a uma rodagem, visitei uma loja de antiguidades. Tinha teias de aranha, tinha pó, achei incrível. E quando saí, estava num estúdio, era tudo falso. Fiquei encantado.