Só em 2014, «Jack Ryan, Agentes das Sombras», «The Equalizer -Sem Misericórdia», «The November Man - A Última Missão» e «John Wick» prosseguiram uma longa tradição cinematográfica e voltaram a colocar os russos como maus da fita. Até no espaço: outro exemplo recente é o de «Gravidade» (2013), em que os detritos de um satélite russo despoletam os acontecimentos trágicos do filme.

Com o mercado chinês a ter um peso tão grande nas receitas de Hollywood - que o digam os produtores da uma nova versão de «Amanhecer Violento» (12), obrigados a passar os vilões para norte-coreanos já depois do fim da rodagem -, os russos continuam a ser os melhores vilões, muito antes dos recentes acontecimentos geo-políticos na Ucrânia.

No cinema, os russos deixam uma aura de medo e mistério, criada pelo legado de Ivan, O Terrível, Estaline, o KGB e, agora, até por Vladimir Putin. E a reputação de serem implacáveis e determinados: matam de forma sádica as famílias dos inimigos, as forças da ordem, os próprios traidores e, como se descobre em «John Wick», com Keanu Reeves, até cães.

Durante a Guerra Fria, quando se vivia num estado de permanente paranóia que os filmes reproduziam e ampliavam, eram temidos e odiados. E mesmo recentemente substituíram os nazis em «Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal» (08) e deram suspense à última parte de «The Monuments Men - Os Caçadores de Tesouros» (14).

Nos anos 80, os de presidente norte-americano Ronald Reagan, chegou-se mesmo ao absurdo propagandista nos filmes de Chuck Norris ou quando Rocky Balboa enfrentou o robótico Ivan Drago em «Rocky IV» (85) e se deu ao luxo de fazer um discurso paternalista sobre tolerância entre as duas nações... depois de deixar completamente KO o «inimigo».

A indústria foi procurando diversificar: em «Assalto ao Arranha-Céus» (88), os maus-da-fita eram alemães; em «Arma Mortífera 2» (89) vinham da África do Sul; «A Verdade da Mentira» (94) deu uma imagem na época muito polémica dos árabes. E recentemente, «Busca Implacável» foi buscar albaneses e, aproveitando os factos verídicos, «Capitão Phillips» trazia para primeiro plano as ações dos piratas somalis. E sempre existiram homens de negócios com planos megalómanos...

No entanto, muito mais simples é poder associar os vilões a uma grande nação facilmente identificável... embora isso também possa correr mal, como descobriram Seth Rogen e James Franco, que se meteram com a Coreia do Norte em «Uma Entrevista de Loucos». E com fanáticos islâmicos demasiado complicados para a simples luta entre o bem e o mal, nada como regressar a uns bons russos da velha cepa que os espectadores possam logo identificar.

Não é que o mercado russo não seja importante, só que os visados, já habituados, não levam a sério a forma como são retratados. E ao contrário dos chineses, não pressionam a sério para exigir alterações nas histórias. Por isso, os russos são, acima de tudo, politicamente seguros: não vai existir nenhum levantamento de protesto nos EUA ou no mercado ocidental contra os filmes. E ao contrário dos norte-coreanos ou chineses, é credível que se infiltrem por todo o lado, perfeitamente integrados e indistintos nas nossas sociedades.

No atual momento político, em que anexam territórios e causam instabilidade noutros países e pressionam com o petróleo, gás natural e voos manobras militares de intimidação, está instalado o clima perfeito para os russos regressarem em força e previsivelmente por muito tempo a Hollywood como gangsters ou espiões cruéis, dissimulados, indignos de qualquer confiança, mais sofisticados ou bastante brutos...